Por Luiz Flávio Gomes
Barbara
W. Tuchman escreveu, em 1984, um dos livros mais admiráveis da
humanidade: A marcha da insensatez. O livro cuida, essencialmente, do
seguinte: como os governantes (homens públicos), em certos momentos,
cometem erros homéricos, destruindo sua nação ou sua reputação. Quatro
grandes acontecimentos da história são detalhadamente abordados: como
puderam os troianos imbecilmente puxar o famigerado cavalo de madeira
para dentro dos muros de Tróia; como os papas da Renascença toscamente
não foram capazes de captar as forças reformistas, impedindo a cisão
protestante; como a arrogância dos lordes ingleses forjaram a libertação
da América do Norte; e como os americanos nesciamente se meteram na
guerra do Vietnã.
A história, na verdade, é pródiga em mais exemplos de insensatez: o movimento comunista de Stalin, os fascismos, o nazismo de Hitler, a invasão do Iraque pelo ex-presidente americano Bush, a guerra do Afeganistão etc.
Nesta semana, no Brasil, vimos um exemplo estrondoso de insensatez, do ponto de vista jurídico, que foi o pedido do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de prisão imediata dos réus mensaleiros. Como afirmamos anteriormente, não importa se se trata de rico ou pobre, petistas ou peessedebistas, preto ou branco: o Estado de Direito deve sempre ser respeitado. E foi isso que fez Joaquim Barbosa, na sua decisão de 21 de dezembro de 2012, rejeitando a insensatez jurídica do procurador-geral.
Ao indeferir a liminar, o ministro-presidente do Supremo Tribunal Federal observou que “não há dados concretos que permitam apontar a necessidade da custódia cautelar dos réus (CPP, art.312), os quais, aliás, responderam ao processo em liberdade”. Assim é o direito vigente no Brasil, desde fevereiro de 2009 (HC 84.078), em decisão história do Pleno do STF. Por que seria diferente no caso do mensalão? Só para dar razão às críticas (muitas infundadas) da cúpula do PT de que o julgamento seria político e de exceção?
Antes de indeferir o pedido do procurador-geral da República, o ministro lembrou que “já foi determinada a proibição de os condenados se ausentarem do país, sem prévio conhecimento e autorização do Supremo Tribunal Federal, bem como a comunicação dessa determinação às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional”. “Por todas essas razões, indefiro o pedido”, concluiu o ministro-presidente.
Do ponto de vista jurídico, Joaquim Barbosa, nesse ato, retratou a marcha da sensatez jurídica. Carl Schmitt, no auge das suas doutrinas nazistas, afirmou: “A totalidade do direito alemão hoje em dia... deve reger-se só e exclusivamente pelo espírito do nacional-socialismo... Cada interpretação deve ser uma interpretação de acordo com o nacional-socialismo” (em Müller, Los juristas del horror). Muitos estão pretendendo repetir a história, para interpretar todo o direito de acordo com as aberrações do populismo penal midiático.
Goebbels chegou a sugerir “borrar o ano de 1789 da história da Alemanha” (ano de Revolução Francesa). A partir dessa desastrada opinião, os juristas da época iniciaram uma grande campanha contra os direitos humanos, criticando as garantias dos direitos individuais frente ao Estado, as limitações do poder estatal e as restrições do Estado para impor e fazer executar suas sentenças penais. Tudo terminou com o nazismo, o holocausto e a Segunda Guerra Mundial, com milhões de cadáveres.
Schaffstein, um dos emergentes e grandes penalistas nazistas, afirmou: “Quase todos os princípios, conceitos e distinções do nosso direito contam com o espírito do Iluminismo e, portanto, devem ser remodelados sobre a base do novo gênero de pensamento e experiência”, que é a nazista, que devia se atrelar à sã consciência do povo (Volk) alemão. A sã consciência do povo alemão está sendo substituída, no século XXI, pelo populismo penal midiático, como procurei demonstrar no meu novo livro, no prelo.
Temos que estar atentos contra os “bandoleiros da República” (como disse o Ministro Celso de Mello), pouco importando o partido político a que pertencem, punindo-os de acordo com a lei. Ao mesmo tempo, de olho nos movimentos de destruição do Estado de Direito, em nome do populismo penal midiático. Nem impunidade daqueles cuja culpabilidade esteja devidamente comprovada, consoante o devido processo legal, nem totalitarismos nazistas. A primitivização dos direitos e das garantias constitui um dos mais horrendos retrocessos civilizatórios.
A história, na verdade, é pródiga em mais exemplos de insensatez: o movimento comunista de Stalin, os fascismos, o nazismo de Hitler, a invasão do Iraque pelo ex-presidente americano Bush, a guerra do Afeganistão etc.
Nesta semana, no Brasil, vimos um exemplo estrondoso de insensatez, do ponto de vista jurídico, que foi o pedido do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de prisão imediata dos réus mensaleiros. Como afirmamos anteriormente, não importa se se trata de rico ou pobre, petistas ou peessedebistas, preto ou branco: o Estado de Direito deve sempre ser respeitado. E foi isso que fez Joaquim Barbosa, na sua decisão de 21 de dezembro de 2012, rejeitando a insensatez jurídica do procurador-geral.
Ao indeferir a liminar, o ministro-presidente do Supremo Tribunal Federal observou que “não há dados concretos que permitam apontar a necessidade da custódia cautelar dos réus (CPP, art.312), os quais, aliás, responderam ao processo em liberdade”. Assim é o direito vigente no Brasil, desde fevereiro de 2009 (HC 84.078), em decisão história do Pleno do STF. Por que seria diferente no caso do mensalão? Só para dar razão às críticas (muitas infundadas) da cúpula do PT de que o julgamento seria político e de exceção?
Antes de indeferir o pedido do procurador-geral da República, o ministro lembrou que “já foi determinada a proibição de os condenados se ausentarem do país, sem prévio conhecimento e autorização do Supremo Tribunal Federal, bem como a comunicação dessa determinação às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional”. “Por todas essas razões, indefiro o pedido”, concluiu o ministro-presidente.
Do ponto de vista jurídico, Joaquim Barbosa, nesse ato, retratou a marcha da sensatez jurídica. Carl Schmitt, no auge das suas doutrinas nazistas, afirmou: “A totalidade do direito alemão hoje em dia... deve reger-se só e exclusivamente pelo espírito do nacional-socialismo... Cada interpretação deve ser uma interpretação de acordo com o nacional-socialismo” (em Müller, Los juristas del horror). Muitos estão pretendendo repetir a história, para interpretar todo o direito de acordo com as aberrações do populismo penal midiático.
Goebbels chegou a sugerir “borrar o ano de 1789 da história da Alemanha” (ano de Revolução Francesa). A partir dessa desastrada opinião, os juristas da época iniciaram uma grande campanha contra os direitos humanos, criticando as garantias dos direitos individuais frente ao Estado, as limitações do poder estatal e as restrições do Estado para impor e fazer executar suas sentenças penais. Tudo terminou com o nazismo, o holocausto e a Segunda Guerra Mundial, com milhões de cadáveres.
Schaffstein, um dos emergentes e grandes penalistas nazistas, afirmou: “Quase todos os princípios, conceitos e distinções do nosso direito contam com o espírito do Iluminismo e, portanto, devem ser remodelados sobre a base do novo gênero de pensamento e experiência”, que é a nazista, que devia se atrelar à sã consciência do povo (Volk) alemão. A sã consciência do povo alemão está sendo substituída, no século XXI, pelo populismo penal midiático, como procurei demonstrar no meu novo livro, no prelo.
Temos que estar atentos contra os “bandoleiros da República” (como disse o Ministro Celso de Mello), pouco importando o partido político a que pertencem, punindo-os de acordo com a lei. Ao mesmo tempo, de olho nos movimentos de destruição do Estado de Direito, em nome do populismo penal midiático. Nem impunidade daqueles cuja culpabilidade esteja devidamente comprovada, consoante o devido processo legal, nem totalitarismos nazistas. A primitivização dos direitos e das garantias constitui um dos mais horrendos retrocessos civilizatórios.
Luiz Flávio Gomes é
doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre
em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz
de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). Fundou a rede de
ensino LFG.
Nota do blog: Já havia comentado em nota anterior sobre a acertada rejeição do pleito de prisão cautelar pelo ministro Joaquim Barbosa, obediente as regras e princípios vigentes em nosso ordenamento jurídico. Afinal, vivemos num Estado Democrático de Direito.
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