domingo, 29 de novembro de 2020

Leitura obrigatória de um bom processualista

A base do Direito Processual eu aprendi aqui, com incontáveis leituras, desde às  suas primeiras edições, ainda sob a lavra dos eminentes juristas: Antônio Carlos Araújo Cintra, Ada pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco.

domingo, 22 de novembro de 2020

O meu prpósito é o bem comum

Eu não escrevo simplesmente por escrever, mas para transmitir um recado, uma ideia, um pensamento, uma proposta, corrigir distorções etc. Tem sempre uma motivação altruística, mesmo quando critico algo, objetivando sempre o interesse coletivo, o bem comum, sem ofender nem desrespeitar quem quer que seja.


quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Siga em paz, guerreiro

 

 
Perdi para a Covid meu compadre e amigo Ubirajara Bentes de Souza Filho, carinhosamente conhecido por Birinha. Siga em paz meu irmão guerreiro. Que Deus o receba no paraíso celestial, dando paz à sua alma e conforto à família enlutada.


terça-feira, 17 de novembro de 2020

Humildade e solidariedade: casamento perfeito

JUNTOS PELO BIRINHA!  O povo unido em ato de solidariedade cristã surpreende, quando provocado. É mais forte, rápido e eficiente que todas as instituições nacionais reunidas. Eu creio, com fé em Deus, no seu poder incondicional! Conferi agora, com o crítico estado de saúde do compadre Birinha. Em poucas horas nas redes sociais e já se amealhou mais da metade (R$ 64.000,00 de um total de R$ 105.000,00) do que se esperava para o seu translado pra São Paulo. Com fé em Deus e ajuda do povo somos imbatíveis no exercício da cidadania ativa!

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Celivaldo Carneiro: mais um que partiu...

Meu dileto amigo Celivaldo Carneiro partiu para a eternidade sem se despedir, mas deixou boas lembranças, como o artigo jornalístico que escrevemos a quatro mãos a respeito do saudoso médico santareno Paulo Jennings, publicado à época do acidente no jornal “O Liberal”, que documentei em meu livro de memórias e agora reproduzo para recordação. 

E-book: Reflexões, memórias e outros escritos - José Ronaldo Dias Campos


“Morte de médico santareno vira caso científico


Paulo Jennings era um apaixonado por Santarém, principalmente pelo seu 'Pindurí', comunidade ribeirinha do rio Amazonas, neste município, onde vivenciou inesquecíveis aventuras na infância e na juventude, a quem devotava, orgulhoso, os mais profundos sentimentos de paixão, prazer e alegria.

SANTARÉM – Vai virar caso científico da genética forense em razão da metodologia usada para a comprovação da morte do médico Paulo Alberto Jennings.

Pelo menos dois artigos científicos estão sendo preparados para serem publicados brevemente em revistas especializadas. Um na revista de genética forense e outro em publicação de medicina tropical. No primeiro, os autores são o perito criminal federal Carlos Benigno Vieira de Carvalho, em parceria com o médico Erick Jennings. No segundo, Erick Jennings assina sozinho.

Nos dois, será feito o relato de todo o caso, que por ser pioneiro cientificamente, deverá servir de base para utilização do peixe piracatinga como bio-indicador da presença de cadáveres nos rios. Esse bio-indicador também pode auxiliar na identificação de corpos em naufrágios, muito comuns na região Amazônica.

As piracatingas, de onde o material foi retirado, foram pescadas 48 a 72 horas após o desaparecimento de Paulo Jennings, no local do acidente. De seus estômagos foram coletadas amostras de tecidos, que analisados por macroscopia, verificou-se como sendo de pessoa humana.

Esse material foi então trazido a Santarém, para o Laboratório Celso Matos, onde o bioquímico Moacir Borelli fez análise microscópica confirmando ser pele humana, acrescentando, inclusive, que o material já havia sofrido alteração por conta das enzimas do estômago dopeixe.

De Santarém, o material genético, junto com amostras biológicas de mucosa oral e de sangue das irmãs de Paulo Jennings, as senhoras Eilah Cáceres e Maria Orleans, além de sua filha, Beatriz Jennings, foram encaminhados pelo delegado Sílvio Birro ao Instituto de Criminalística, em Brasília.

Lá os peritos criminais federais Carlos Benigno Carvalho e Jeferson Badaraco submeteram os materiais a exames para obter perfis genéticos ou haplótipo de DNA mitocondrial, utilizando diferentes protocolos laboratoriais. Após várias etapas de extração, purificação e concentração, as amostras foram submetidas à extração de DNA por PCR e posteriormente submetidas ao analisador genético com auxílio de programas computacionais, possibilitando determinar através desse resultado o haplótipo de DNA mitocondrial com qualidade suficiente para confrontos.

Dos confrontos entre o haplótipo de DNA mitocondrial obtido a partir da amostra com aqueles provenientes de suas irmãs mostraram que os mesmos são compatíveis. Indivíduos pertencentes à mesma linhagem materna, como irmãos, filhos da mesma mãe, por exemplo, apresentando o mesmo haplótipo de DNA mitocondrial.


Comido por piracatingas

"Quero morrer no rio Amazonas e depois ser engolido por uma piraíba", profetizava sempre enfático, mas em tom jocoso, o médico cardiologista Paulo Alberto Marques Jennings, todas às vezes que mergulhava extasiado nas águas do rio Amazonas, quando por aqui vinha passear duas ou até três vezes por ano.

Profecia ou não, não foi no estômago de uma piraíba, mas de piracatingas, onde foram encontrados restos de seu corpo, depois do mergulho fatal de cima do toldo do barco Aruã, no dia 8 de outubro de 2011, no mesmo rio Amazonas, onde ele gostaria de morrer.

Paulo Jennings era um apaixonado por Santarém, principalmente pelo seu 'Pindurí', comunidade ribeirinha do rio Amazonas, neste município, onde vivenciou inesquecíveis aventuras na infância e na juventude e a quem devotava orgulhoso, os mais profundos sentimentos de paixão, prazer e alegria.

O cardiologista, uma espécie de embaixador de Santarém na capital paulista, especializado em prestar auxílio e assistência aos seus conterrâneos que buscavam tratamento de saúde naquela metrópole, promoveu em 2011, como de costume, mais uma das suas pescarias esportivas, a sétima, desde que se propôs pela primeira vez a convidar médicos e amigos de sua convivência e trabalho diário nos hospitais paulistanos para conhecer Santarém, a região e suas belezas.

Era, por assim dizer, uma fuga planejada do estresse, da rotina, do trânsito caótico e do corre-corre imposto pelo labor de quem sobrevive nos grandes centros urbanos. E Paulo Jennings vivia intensamente isso há mais de 30 anos, opção feita ainda nas salas de aula do Colégio Dom Amando.

A bordo do barco Aruã, na manhã do dia 8, Paulo Alberto partiu de Santarém com destino ao rio Cuminá, no município de Oriximiná, junto com 12 outros amigos para pescar. Seriam quase 18 horas de viagem. No andar superior da embarcação, bebiam, comiam e se divertiam como nunca antes. Por volta das 15 horas, quando navegavam à altura da comunidade de Januária, já no município de Óbidos, Paulo Jennings e dois outros amigos foram chamados por um tripulante e avisados que o almoço estava servido. Os dois amigos atenderam ao chamado prontamente. Paulo Jennings, como costumeiramente gostava de fazer, gritou ao comandante para reduzir a marcha da viagem, pois ainda iria dar um mergulho no rio antes da refeição, quem sabe até pegar reboque nas voadeiras que vinham atrás do barco. Lembranças e brincadeiras típicas da juventude santarena, de quem fazia estas travessuras diariamente em frente a pracinha, no antigo trapiche da cidade, onde o médico santareno costumava se divertir. Se era considerado exibicionismo para muitos, para Paulo Jennings estes mergulhos tinham o mais puro sabor do prazer, da alegria, da intensa satisfação que lhe aflorava quando navegava pelos rios da Amazônia.

Ele então pulou de flecha, como chamamos, no rio Amazonas, de cima do toldo do Aruã. Caiu de peito n'água, ficou imóvel, provavelmente desmaiado, mas ainda flutuou por alguns instantes, para desaparecer e não ser mais encontrado.

Foram inúteis os vários dias de busca ao corpo de Paulo Jennings, feitas por equipes do Corpo de Bombeiros, familiares e amigos, na tentativa de encontrá-lo. A correnteza forte, a falta de visibilidade e a profundidade média de seis a oito metros nesse local do rio Amazonas praticamente impediram de encontrar seus restos mortais.

Ele parece ter pulado com a certeza e determinação de que aquele seria um salto para a eternidade.


Peixe necrófago e voraz

Necrófago, territorialista e voraz são estas as principais características da piracatinga, um bagre de médio porte que pode atingir até 45 cm de comprimento, pertencente à família Pimelodidae.

É uma espécie muito comum em toda a extensão do rio Amazonas, mas, diferencia-se de todos os demais bagres por possuir duas fileiras de dentes no pré-maxilar, ao contrário das placas de dentes viliformes.

Entre pescadores, a piracatinga além de quase não ser consumida na região, é chamada de urubu das águas, por sua preferência por comer cadáveres ou qualquer matéria em decomposição.

São vários os relatos em toda a Amazônia que contam histórias de se ter encontrado restos de cadáveres no estômago de piracatingas. Aqui mesmo na região oeste do Pará, no livro, 'Zeca, o BBC de Santarém', do historiador Cristovam Sena, há a abordagem sobre as circunstâncias da morte de outro médico, Everaldo de Sousa Martins (pai da prefeita Maria do Carmo), que morreu afogado no igarapé do Atumã (afluente do rio Amazonas), em 1982.

Segundo relata no livro, José da Costa Pereira, o Zeca BBC, "a voadeira em que viaja Dr. Martins e mais três pessoas, bateu com a hélice no fundo e virou. Nessa virada ele [Dr. Martins] talvez tenha sido apanhado pela hélice e sangrou, aí os peixes caíram em cima e devoraram... lá adiante o seu Antônio Pereira e outros, pescando, pegaram umas 3 ou 4 piracatingas e na barriga toparam um pedaço de pele que era do umbigo, com cabelo. Pegaram um pedaço na barriga de outro, pedaço de víscera que era humana, porque nós mandamos fazer exames em Belém. Era víscera, a pele do umbigo, tinha um pedaço do couro cabeludo e a outra com um pedaço de carne, quer dizer, que tinham acabado de retirar do corpo do Martins. "

Os restos mortais do médico Everaldo Martins foram encontrados seis dias depois do seu desaparecimento bem próximo onde os pescadores haviam fisgado as piracatingas. "Eu tirei o corpo, a caveira com o resto... não tinha nem fedor de cadáver, demonstrando que os peixes comeram na hora. Ele foi agredido pelos peixes... os peixes comeram a carne ainda na hora com ele preso" [embaixo da voadeira], relata Zeca BBC no livro.

Nas semanas de buscas ao corpo do médico Paulo Jennings, a história quase que se repetiu, embora o corpo do médico não tenha sido encontrado até hoje.

O conhecimento desses hábitos da piracatinga e por experiência em pescarias, seu sobrinho, o também médico Erick Jennings, teve a intuição de pedir aos seus amigos pescadores, Rolinha, Paulista e Joãozinho, que participavam das buscas, que pescassem piracatingas nas proximidades do local onde ele havia desaparecido.

Nove piracatingas foram capturadas e, em cinco delas, Erick encontrou, em seus estômagos, vestígios de pele humana detectada pelo exame macroscópico realizado no local. O mesmo material foi então enviado para laboratório em Santarém e o resultado inicial foi confirmado por exame microscópico que se tratava de tecido humano.

Como Erick Jennings havia tomado todas as precauções na coleta do material e diante das constatações dos exames laboratoriais feitos em Santarém, o delegado da Polícia Civil enviou as amostras ao Instituto Nacional de Criminalística, da Polícia Federal, em Brasília, solicitando perícia para constatação de vínculo genético do material com amostras coletadas das irmãs e da filha do médico Paulo Jennings, que resultou positivado, permitindo a lavratura do óbito por decisão judicial.”


NOTA: Texto escrito por Celivaldo Carneiro e José Ronaldo Dias Campos, publicado em 16 de dezembro de 2012.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Homenagem ao Dia de Finados

Poema da lavra da poetisa santarena Maria da Glória Dias Campos, falecida aos 87 anos, gravado em sua lápide.

Meu último adeus 
 
Aos parentes e amigos...
Aos ex-alunos também!
Hoje vim me despedir,
Pois parto para o além.
 
Não pensem levar tristezas...
Há muito eu já esperava;
Meus filhos ficam criados,
Vou feliz e conformada !
 
A todos o meu adeus !
Até o juízo final...
Vim da terra e vou pra terra,
Pois só a alma é imortal !
 
Adeus !
 A imagem pode conter: flor e atividades ao ar livre
Cumpri a sua vontade, mãe querida, mandei gravar.

domingo, 1 de novembro de 2020

Tempo de maturação de um código (CPC)

Uma lei como o CPC leva dez anos para ser interpretada e bem aplicada, diz Tucci

Por 

A Lei 13.105/15, nosso Código de Processo Civil, talvez só deixe de ser chamado de "novo" quando uma nova lei processual vier ao mundo — daqui a anos ou décadas. Para alguns especialistas no assunto, aliás, o CPC de 1973 não precisaria ter sido substituído, mas apenas reformado. De todo modo, o "novo" CPC já está em vigor há quase cinco anos. Neste período, dúvidas e polêmicas surgiram. Muitas delas já estão pacificadas; outras ainda levarão algum tempo até serem sedimentadas.

Um dos principais autores que têm lapidado o CPC de 2015 é José Rogerio Cruz e Tucci. Advogado e professor titular do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP, Tucci assina na ConJur a coluna "Paradoxo da Corte", espaço onde tem abordado pontos nebulosos ou controversos da nova lei. Neste mês, aliás, foi lançado o e-book "Questões Polêmicas do Código de Processo Civil em Vigor: Da Teoria à Prática", coletânea de artigos publicados nesta revista eletrônica. A obra figura entre as mais vendidas na Amazon, na área de Direito.

Em entrevista à revista eletrônica, Tucci afirma que, diante da dimensão territorial do país e seu grande número de tribunais, uma lei como o CPC leva cerca de dez anos para atingir alguma maturidade. Entre as questões que ainda precisam ser cristalizadas, menciona a estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente (artigo 304); a nova redação do artigo 18, que tem levado a uma interpretação "absurda"; e o novo regime para a fixação dos honorários advocatícios de sucumbência.

Sobre a vinculação de juízos inferiores a entendimentos de tribunais superiores, Tucci diz que, mesmo em países com tradição de civil law, o juiz de piso deveria ser guiado por um "dever de hierarquia funcional". Mas não deixa de admitir que, mesmo em tribunais superiores — como o STJ —, ainda falta uma uniformização intramuros da jurisprudência.

Leia a íntegra da entrevista:

ConJur — O CPC atual está vigente há quase cinco anos. De modo geral, que balanço pode ser feito a respeito?
José Rogerio Cruz e Tucci  Toda lei, especialmente um Código, exige um tempo tempo de maturidade para ser interpretado de modo tanto quanto possível convergente e bem aplicado pelos operadores do Direito. Com as dimensões territoriais do Brasil, diante do número expressivo de tribunais, é natural que esse tempo se aproxime de pelo menos uma década, inclusive para que haja razoável contribuição da doutrina e consolidação da jurisprudência sobre os pontos mais polêmicos, então introduzidos pelo diploma processual.

ConJur — Quais as principais dúvidas advindas da nova lei processual? Elas já estão dirimidas? E quais não estão?
Tucci — São muitas! Lembraria, como exemplos expressivos, a estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, prevista no artigo 304; a nova redação do artigo 18, que tem levado a uma interpretação permito-me dizer absurda. Imagine, há processualistas que, partindo da nova redação desse dispositivo, chegam a admitir uma espécie de legitimidade extraordinária convencional! O artigo 85, que instituiu novo regime para a fixação dos honorários advocatícios de sucumbência, tem sido fonte de muitas discussões e divergências. Ademais, ressalto igualmente que o artigo 190, que ampliou a possibilidade de as partes estabelecerem algumas alterações no procedimento, dependendo das exigências da demanda, tem sido muito mal interpretado, até porque muitos imaginam que não havia, sob a égide do Código de 1973, a possibilidade de os litigantes celebrarem convenções processuais.   

ConJur — Um dos principais pilares do CPC é a solução consensual de conflitos, com ênfase na conciliação e mediação. A ideia seria diminuir o número de casos efetivamente judicializados. O plano tem dado certo?
Tucci — Não tenho estatísticas para responder corretamente a essa indagação. Aliás, diferentemente de outras experiências jurídicas avançadas, o Brasil legisla, na maioria das vezes, sem se valer de quaisquer dados estatísticos. É sempre no "achômetro", como diria o saudoso Professor José Carlos Barbosa Moreira. Todavia, entendo que o legislador andou bem, ao dar ênfase, isto é, apostar na meios de solução consensual dos conflitos, que tem dado bons resultados, especialmente, no campo do direito de família.

ConJur — Uma espécie de política nacional sobre custas judiciais é bem-vinda (a exemplo da proposta feita pelo CNJ), como forma de, por um lado, garantir acesso à Justiça por quem dela precisa, mas não tem condições financeiras para tanto; e, por outro, tentar impedir a litigância abusiva?
Tucci — Realmente, pela minha experiência, sempre achei que uma disciplina uniforme sobre custas judiciais seria bem-vinda, até para que os jurisdicionados sejam tratados de forma isonômica em todo território nacional. Há distorções graves nesse terreno. No entanto, dever-se-ia sempre considerar o seguinte: custas razoáveis para o ingresso no Judiciário, mas, de outro lado, multas mais severas para quem abusa do processo. Entendo, nesse particular, que hoje, em nosso país, há verdadeira banalização da demanda judicial. Litiga-se por qualquer coisa, sem um juízo prévio de razoabilidade. A solução consensual extrajudicial sempre deve prevalecer, antes que o cidadão resolva bater às portas do Judiciário.

ConJur — Outra inovação do CPC foi dar ênfase aos precedentes, aproximando, de certo modo, nossa tradição da de common law. Como o senhor vê esse fenômeno? Ele tem feito bem a nosso sistema de Justiça?
Tucci — Não há novidade alguma acerca dessa questão. De fato, o Código deu ênfase aos precedentes judiciais, em particular, no artigo 927, visando à interpretação e aplicação tanto quanto possível uniforme do nosso direito positivo. Tenha-se presente, contudo, que a nossa tradição do velho direito lusitano já conhecias os "assentos" da Casa da Suplicação, que tinham força obrigatória.

Tenho, contudo, absoluta convicção de que os nossos tribunais em geral não são vocacionados ao sistema de precedentes judiciais estabelecido pelo vigente Código de Processo Civil, visto que a praxe forense revela, dia após dia, flagrante desobediência, qualquer que seja o grau de jurisdição, às teses pretorianas já consolidadas, com ou sem eficácia vinculante.

ConJur — Mas em nossa tradição de civil law, é possível vincular instâncias inferiores a decisões de tribunais superiores?
Tucci — Ainda, sobre essa questão, devo confessar que não consigo entender como um juiz inferior consegue julgar, desprezando precedente de tribunal superior, independentemente de ser vinculante ou meramente persuasivo. Trata-se de um dever quando nada funcional. A rigor, nós somente teremos uma justiça coerente e segura quando os magistrados entenderem que o juiz inferior "deve" se orientar pela jurisprudência consolidada pelos órgãos jurisdicionais de grau superior. Se assim não for, de nada vale o esforço de consolidar o entendimento pretoriano, fato que gera sensível insegurança jurídica.

Castanheira Neves, expoente da Universidade de Coimbra, lutou durante toda sua vida para explicar que o juiz inferior, mesmo nos sistemas de civil law, como o nosso, deve necessariamente, guiando-se por um "dever de hierarquia funcional", nortear-se pelos precedentes dos tribunais superiores, afastando-se naturalmente quando se tornarem eles obsoletos. É por esta razão que, em toda decisão, o juiz tem o ônus da argumentação, explicando de forma simples e direta a razão pela qual determinado precedente não pode ser aplicado num determinado caso concreto. Vejam, não é tão difícil como pode parecer!

ConJur — E o que dizer, por exemplo, dos atritos entre tribunais superiores e as justiças de alguns estados? Em suma, ministros do STJ têm afirmado que alguns tribunais, como o de São Paulo, não seguem os entendimentos do STF e do próprio STJ, principalmente em matéria penal.
Tucci — A esse respeito, escrevi recentemente, em minha coluna "Paradoxo da Corte", na Conjur, um artigo sobre essa questão.  Com efeito, enorme foi a perplexidade gerada por um recente pronunciamento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, por apertada maioria, do Recurso Especial 1.815.055-SP, da relatoria da ministra Nancy Andrighi, o qual não apenas contraria normas legais expressas, como, à evidência, o enunciado da Súmula Vinculante 47, do Supremo Tribunal Federal.

A rigor, antes de criticar o Tribunal de Justiça de São Paulo, o Superior Tribunal de Justiça deveria cuidar de uniformizar o seu próprio entendimento sobre determinadas matérias. É dizer: a uniformização da jurisprudência intramuros é o primeiro passo para dar exemplo seguro às outras cortes de Justiça da nação.

ConJur — O livre convencimento motivado dos magistrados de primeira e segunda instância deveria ter limite?
Tucci — Tem limite! O juiz é livre para fundamentar o seu julgamento, mas deve pagar, na motivação, o preço dessa liberdade. Daí, o valioso princípio consagrado no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, que impõe aos magistrado o dever de motivação de qualquer ato decisório sob pena de nulidade do processo.

ConJur — Qual a sua opinião sobre o uso de inteligência artificial no Judiciário, principalmente em relação aos repetitivos? Ela deve ser incentivada ou há riscos em seu uso?
Tucci — É um tema importante! Seria relevante se tivéssemos um mecanismo eletrônico que pudesse catalogar os casos aparentemente análogos, vale dizer, repetidos, para que pudessem, na medida do possível, ser julgados de uma única vez e, sobretudo, de forma simétrica. Com isso, não apenas haveria sensível economia de tempo, como também celeridade processual.

ConJur — Originalmente, o CPC previa que haveria o prazo de um ano para que fosse julgada a questão afetada, sob pena de, decorrido o prazo, cessar a afetação e a suspensão dos processos (parágrafo 5º do artigo 1.037). Mas esse dispositivo foi revogado. Ele tem feito falta?
Tucci — Não, não tem feito falta, uma vez que tem havido um compromisso, diria moral, de julgar rapidamente estes processos que têm questão afetada.

ConJur — Outro ponto do CPC que tem causado certa controvérsia é a previsão do artigo 139, inciso IV. Alguns entendem que o dispositivo tem sido usado de maneira abusiva, com apreensão de documentos, CNH, passaporte etc. O que pensa a respeito? O processo brasileiro vinha desequilibrando o jogo em favor do devedor?
Tucci — Questão interessante, que continua gerando acentuada polêmica em nosso meio jurídico, decorre de atos decisórios impositivos, como medida indutiva atípica, da suspensão da carteira nacional de habilitação, da restrição ao passaporte e, outrossim, do cancelamento dos cartões de crédito do executado e da proibição de prestar concurso público, até a comprovação do pagamento do débito em aberto.

Nesse particular, devo ressaltar que o processo não pode ser equiparado a uma fonte de tortura. Tudo dependerá da situação concreta. Admito que, em determinados casos, especialmente, no campo do direito de família, que se justificariam tais medidas judiciais. Mas sempre em caráter excepcional. E o juiz terá de fundamentar a sua respectiva decisão, a justificar o caminho pelo qual ele optou, diante do caso concreto.

ConJur — O Sisbajud tem conseguido acelerar as execuções ou ainda é cedo para diagnósticos?
Tucci — Acho que ainda é prematuro emitir uma opinião exata. Todavia, tenho a impressão de que haverá, com o passar do tempo, sensível melhora no desfecho das execuções e, principalmente, na satisfação do direito dos credores.

ConJur — Também gerou certo debate a alteração feita pelo artigo 1.015, que prevê rol em tese taxativo para cabimento de agravo de instrumento. Isso tem trazido problemas? Acha que o dispositivo deve ser mitigado?
Tucci — Essa é uma questão que me faz lembrar do Código de Processo Civil de 1939, que também tinha regra análoga.  É evidente que um rol taxativo jamais consegue inserir as circunstâncias que afloram em determinados casos. Ou seja, a dinâmica do processo sempre é mais rica do que a inteligência, por mais privilegiada que seja, do legislador. Diante desse evidente fenômeno, o Superior Tribunal de Justiça teve de aceitar muitas outras hipóteses que não se encontram no rol do artigo 1.015 do Código vigente. O mais curioso foi o argumento da "taxatividade mitigada"; é comi dizer "meio grávida"...

ConJur — A nova lei de abuso de autoridade, em relação às condutas passíveis de punição, veio em boa hora? Ela contém exageros?
Tucci — A prepotência sempre deve ser olhada com desprezo. Isso existe, de fato, no dia-a-dia da nossa sociedade. O famoso livro do sociólogo Roberto da Matta aborda de forma magistral essa questão, a partir da famigerada indagação: "sabe com quem tá falando?". No ambiente forense, não raro, a autoridade judicial confunde o seu poder. Agora, na minha experiência de advogado de mais de 40 anos, o que eu sempre notei é que o juiz que abusa de sua autoridade sempre o faz contra quem não tem, ou tem dificuldades, em se defender. É sempre contra o herói do cotidiano, vale dizer, por exemplo, aquele advogado anônimo, que não sabe ou não tem alguém para o defender à altura. Ora, isso, na verdade, é sinônimo de covardia! Por que um juiz que abusa de sua autoridade não escolhe um advogado de renome para fazê-lo?

A comunidade jurídica não tolera mais um magistrado que imagina ser o "rei da praia", como ocorreu meses atrás com aquele desembargador prepotente, que inclusive foi afastado de suas funções pelo CNJ. A lei veio, sim, em bora hora. Pelo menos faz com que a "autoridade" pense duas vezes!

ConJur — Ainda falta no Brasil disciplina que confirma mais transparência à maneira como são nomeados alguns auxiliares da Justiça, como peritos e administradores judiciais?
Tucci — Não vejo tanto problema nessa área. Não há outra forma de escolha. Vale aí a confiança que o magistrado deposita no auxiliar da justiça, que sempre pode ser controlado pelas partes. Há, portanto, mecanismos processuais que podem afastar determinado auxiliar se ele se desvia do objetivo de suas funções. De qualquer forma, reconheço que é um tema delicado.

Questões Polêmicas do Código de Processo Civil em Vigor: Da Teoria à Prática
Autor: José Rogério Cruz e Tucci
Editora: ConJur Editorial
Gênero: Direito Civil
Páginas: 95
ASIN: B08KTZMJ7T
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 é editor da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 1 de novembro de 2020, 7h41