O livro "A distância entre nós", da escritora indiana Thrity Umrigar,
conta a estória de duas mulheres na Índia, de castas diferentes, uma
patroa, outra empregada doméstica. Nada havia em comum na vida das duas,
salvo que ambas eram vítimas da violência dos maridos. Foi isso que as
uniu no sentimento de gênero, tudo o mais as diferenciava.
No Dia Internacional da Mulher é possível lembrar outros pontos em comum
entre as mulheres: a discriminação nos empregos e salários; serviços
domésticos a que estão obrigadas, mesmo quando têm trabalho fora de
casa; responsabilidades maiores no cuidado com os filhos; e assédios
sexuais e todas as formas de "bullying" machista. Mas, além dessas
semelhanças, que justificam o Dia Internacional da Mulher, é preciso
lembrar o quanto as mulheres são diferentes em uma sociedade como a
brasileira.
Todos os dias, milhares delas são obrigadas a "abandonar"
provisoriamente suas crianças para cuidar dos filhos de outras mulheres.
Algumas mulheres têm seus filhos com brinquedos e estímulos
intelectuais desde a primeira infância, outras veem seus filhos
desperdiçando o período mais importante de sua formação. Um filme
americano - "Histórias cruzadas" - mostra o sentimento de uma empregada
que cuida dos filhos de outras mulheres, rodeados de todo o conforto e
brinquedos, enquanto seus filhos estão abandonados. São duas mulheres,
duas posições tão diferenciadas que nos permitem perguntar se as duas
devem comemorar o mesmo dia. O filme é situado no Sul dos EUA, início
dos anos 60, mas se aplica perfeitamente ao Brasil de hoje.
A diferença não se limita à primeira infância, continua ao longo do
processo educacional. Uma parte das mulheres tem seus filhos em escolas
com qualidade; outras têm seus filhos fora da escola, ou em
pseudoescolas, que não os preparam para o futuro.
Entre as mulheres brasileiras, cerca de 500 mil têm filhos presos. Elas
sabem que seus filhos caíram no crime menos por maldade do que por falta
de oportunidade na vida. São analfabetos ou não concluíram as primeiras
quatro séries de estudo. No Brasil, 35.596 mulheres passaram o Dia da
Mulher atrás das grades, e quase todas também por falta de chance no
passado.
Centenas de milhares de mães passaram o dia 8 de março carregando filhos
sem alimentação em uma fila de atendimento médico, sabendo que não
seriam atendidas por médicos ou hospitais públicos. E, se atendidas, não
saberiam se conseguiriam dinheiro para os remédios.
Muitas mulheres estiveram no dia 8 de março na situação de viúvas de
maridos vivos, distantes de casa, nem sempre por abandono, tão comum
hoje em dia, mas porque estão tentando ganhar a vida onde surgem
empregos.
Por tudo isso e outras diferenças, o dia 8 de março não deve ser visto
como "Dia da Mulher", mas como "Dia das Mulheres", sem esquecer o que há
em comum entre elas, nem esconder o muito que há de diferença, apesar
da identidade de gênero.
Cristovam Buarque, senador (PDT-DF)
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