Megaoperação nacional
Ao que parece, a deflagração simultânea
de diversas “megaoperações anticorrupção” foi uma manobra de
autopromoção. Na terça-feira (8/4), ação integrada do Ministério Público
Federal com MPs estaduais, tribunais de contas, Controladoria-Geral da
União, Polícia Federal e Receita Federal prendeu 93 pessoas em 12
estados por diversos crimes. As acusações vão de corrupção e desvio de
recursos públicos a sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.
Nenhuma das ações se relaciona. Cada uma tem nome próprio e estrutura independente. O ponto em comum são as instituições federais envolvidas, principalmente o MPF. E os louros foram para o MPF. No mesmo dia, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse em reportagem transmitida pela TV Globo que as operações serviram para mostrar à sociedade como a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 37 pode prejudicar o país.
A PEC 37, em trâmite no Congresso Nacional, pretende definir que os poderes investigatórios pertencem exclusivamente à Polícia. Ministérios Públicos são contra. Acreditam que, pelo fato de a Polícia estar mal aparelhada e sofrer de déficit de pessoal, permitir que o MP investigue é medida salutar para o combate ao crime. Outro argumento comumente levantado por promotores e procuradores é que o MP, por definição, é mais independente que a Polícia — e, portanto, mais apto a investigar.
Literalmente, o que Gurgel disse à Globo foi: “O Ministério Público está se mobilizando em todo o país, e mobilizando acima de tudo a sociedade brasileira, no sentido de mostrar que o que se deseja com a PEC 37, com a concentração das investigações em um único órgão do Estado — a Polícia —, representará, sem dúvida nenhuma, um retrocesso gigantesco para a persecução penal no país e para o combate à corrupção de um modo geral”.
O atirador
Para quem assistiu pela televisão às prisões cinematográficas seguidas pela declaração de Gurgel, ficou a dúvida: a intenção do orquestramento das deflagrações foi combater a corrupção ou chamar atenção para os perigos da PEC em tramitação?
O criminalista Alberto Zacharias Toron não tem dúvida. “Essa megaoperação foi feita por conta e ordem da discussão da PEC 37. Utilizaram o poder repressivo para satisfação de seus interesses corporativos”, afirma.
Também advogado criminalista, Paulo Sérgio Leite Fernandes resumiu a situação com uma precisa metáfora: “Isso é mais ou menos como um pistoleiro juntar 50 suspeitos de bandidagem e atirar nos 50 ao mesmo tempo para mostrar que é um bom atirador”. Para ele, a postura do MP nessa situação “tem intenção extremamente política e é de caráter demagógico”. “Mostrar que sabe atirar não leva a nada. Ele mostra ao vilarejo que tem tiro certo e o vilarejo fica acreditando que ele é o xerife-mor, mas, na verdade, ele é um gajo querendo mostrar que atira bem.”
Pouco eficaz
A mesma opinião tem o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Para ele, é “evidentemente estranhíssimo que o procurador-geral da República tenha admitido que fez uma mobilização no Brasil inteiro com o intuito de marcar uma posição numa PEC. A manifestação dele é extremamente infeliz”.
Kakay se preocupa com o destino dessas operações espetaculares. No caso das ações da última terça, foram 93 presos, 333 mandados de busca e apreensão e 112 órgãos investigados. “Sou contra essas megaoperações, elas não resultam no objetivo que têm. No fim, poucos dos presos são de fato denunciados. Amplia-se demais, perde-se o foco e quando a operação termina, se divide em vários inquéritos, e a coisa se perde”, avalia.
Em nota, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) lamentou a declaração de Gurgel. A entidade afirmou que “não se deve misturar uma investigação criminal com ações políticas de interesses outros que não o compromisso com o enfrentamento eficiente e eficaz à criminalidade”.
Famoso por defender acusados em algumas dessas megaoperações, Kakay se vê na curiosa posição de concordar com a Polícia Federal: “Não é uma discussão sobre o poder de investigar do MP. O fato é que o procurador-geral não pode usar a instituição do MP para defender uma bandeira”.
Poder de investigar
A reclamação do Ministério Público, como instituição, é que a PEC 37 lhe tiraria poderes. Conclusão errada, segundo o que se depreende da fala do desembargador Adilson Vieira Macabu, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que já foi convocado para julgar no Superior Tribunal de Justiça e derrubou operações célebres. Ele explica que a Constituição Federal diz, no artigo 129, inciso VIII, que é papel “exclusivo” do Ministério Público “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais”. “Requisitar não é fazer”, pontua Macabu.
Para o ministro, a luta contra a PEC “não faz sentido”. Ele entende que a proposta “está tentando legitimar o que já está legitimado na Constituição”. O MP, diz ele, tem o papel de acusar, de conduzir a Ação Penal e requerer a investigação, mas nunca de fazê-la.
A advogada criminalista Heloisa Estellita, sócia de Alberto Toron, é da mesma opinião. "É relevantíssima a atuação do Ministério Público na investigação e no combate à corrupção. O que tem causado desconforto no meio jurídico, e está sendo debatido no Supremo Tribunal Federal, são os limites desse poder de investigação e suas regras. Creio que todos concordam que não se pode admitir, em um Estado que vive sob a regra do devido processo legal, que o Ministério Público possa escolher quais casos quer investigar e que tais investigações não se submetam a normas jurídicas.”
O ministro Adilson Macabu entende que a reivindicação do MP por poderes investigatórios é legítima, já que é um direito democrático. Principalmente porque, segundo conta, investigar sempre foi uma demanda do MP, inclusive manifestada na Assembleia Constituinte. Mas sua opinião é que “os poderes que o Ministério Público tem, dados pela Constituição, já são mais do que suficientes para que exerçam plenamente suas atribuições mais do que relevantes para a sociedade”.
“Não se pode forçar uma situação, porque, acima de tudo, o MP é o fiscal da lei, deve buscar sempre a verdade dos fatos. Não pode nunca ter interesse político no exercício de sua função institucional. Até porque se o Judiciário entender que determinada ação não está em conformidade com esses valores, ela é anulada”, arremata o ministro.
Leia abaixo a nota da ADPF:
ADPF critica a politização da “Ação Nacional contra a Corrupção” pelo Ministério Público
Delegados temem consequências processuais negativas:
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) lamenta a utilização demagógica e política do Ministério Público com a denominada “Ação Nacional contra a Corrupção”.
Não se deve misturar investigação criminal com ações políticas de interesse outros que não o compromisso com o enfrentamento eficiente e eficaz à criminalidade. Combinar a deflagração nacional, no mesmo dia, de ações envolvendo os mais diversos crimes, locais e alvos, inclusive com a execução antecipada e inadequada de medidas, mostra uma preocupação exclusivamente midiática e não com a investigação criminal.
Em franca campanha contra a aprovação da PEC-37, o Ministério Público orquestrou a operação com o objetivo claro de figurar como protagonista numa ação política institucional em detrimento do trabalho colaborativo desenvolvido com as demais instituições e órgãos públicos.
Não é a primeira vez que isso ocorre. Nas investigações do “Mensalão”, o MP bradou que sem eles o trabalho teria terminado em “pizza”, menosprezando a atuação da Polícia Federal, da CPMI dos Correios, dos Ministros do STF, da imprensa e da opinião pública. A ADPF espera uma postura mais agregadora do MP, que não afaste os parceiros e não inviabilize o trabalho colaborativo, imprescindível para o enfrentamento à criminalidade.
O futuro irá dizer as consequências processuais negativas dessa "ação nacional". Não basta um dia de espetáculo. A sociedade brasileira quer um compromisso diário e permanente de todas as instituições no enfrentamento ao mal da corrupção no país.
Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF)
Nenhuma das ações se relaciona. Cada uma tem nome próprio e estrutura independente. O ponto em comum são as instituições federais envolvidas, principalmente o MPF. E os louros foram para o MPF. No mesmo dia, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse em reportagem transmitida pela TV Globo que as operações serviram para mostrar à sociedade como a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 37 pode prejudicar o país.
A PEC 37, em trâmite no Congresso Nacional, pretende definir que os poderes investigatórios pertencem exclusivamente à Polícia. Ministérios Públicos são contra. Acreditam que, pelo fato de a Polícia estar mal aparelhada e sofrer de déficit de pessoal, permitir que o MP investigue é medida salutar para o combate ao crime. Outro argumento comumente levantado por promotores e procuradores é que o MP, por definição, é mais independente que a Polícia — e, portanto, mais apto a investigar.
Literalmente, o que Gurgel disse à Globo foi: “O Ministério Público está se mobilizando em todo o país, e mobilizando acima de tudo a sociedade brasileira, no sentido de mostrar que o que se deseja com a PEC 37, com a concentração das investigações em um único órgão do Estado — a Polícia —, representará, sem dúvida nenhuma, um retrocesso gigantesco para a persecução penal no país e para o combate à corrupção de um modo geral”.
O atirador
Para quem assistiu pela televisão às prisões cinematográficas seguidas pela declaração de Gurgel, ficou a dúvida: a intenção do orquestramento das deflagrações foi combater a corrupção ou chamar atenção para os perigos da PEC em tramitação?
O criminalista Alberto Zacharias Toron não tem dúvida. “Essa megaoperação foi feita por conta e ordem da discussão da PEC 37. Utilizaram o poder repressivo para satisfação de seus interesses corporativos”, afirma.
Também advogado criminalista, Paulo Sérgio Leite Fernandes resumiu a situação com uma precisa metáfora: “Isso é mais ou menos como um pistoleiro juntar 50 suspeitos de bandidagem e atirar nos 50 ao mesmo tempo para mostrar que é um bom atirador”. Para ele, a postura do MP nessa situação “tem intenção extremamente política e é de caráter demagógico”. “Mostrar que sabe atirar não leva a nada. Ele mostra ao vilarejo que tem tiro certo e o vilarejo fica acreditando que ele é o xerife-mor, mas, na verdade, ele é um gajo querendo mostrar que atira bem.”
Pouco eficaz
A mesma opinião tem o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Para ele, é “evidentemente estranhíssimo que o procurador-geral da República tenha admitido que fez uma mobilização no Brasil inteiro com o intuito de marcar uma posição numa PEC. A manifestação dele é extremamente infeliz”.
Kakay se preocupa com o destino dessas operações espetaculares. No caso das ações da última terça, foram 93 presos, 333 mandados de busca e apreensão e 112 órgãos investigados. “Sou contra essas megaoperações, elas não resultam no objetivo que têm. No fim, poucos dos presos são de fato denunciados. Amplia-se demais, perde-se o foco e quando a operação termina, se divide em vários inquéritos, e a coisa se perde”, avalia.
Em nota, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) lamentou a declaração de Gurgel. A entidade afirmou que “não se deve misturar uma investigação criminal com ações políticas de interesses outros que não o compromisso com o enfrentamento eficiente e eficaz à criminalidade”.
Famoso por defender acusados em algumas dessas megaoperações, Kakay se vê na curiosa posição de concordar com a Polícia Federal: “Não é uma discussão sobre o poder de investigar do MP. O fato é que o procurador-geral não pode usar a instituição do MP para defender uma bandeira”.
Poder de investigar
A reclamação do Ministério Público, como instituição, é que a PEC 37 lhe tiraria poderes. Conclusão errada, segundo o que se depreende da fala do desembargador Adilson Vieira Macabu, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que já foi convocado para julgar no Superior Tribunal de Justiça e derrubou operações célebres. Ele explica que a Constituição Federal diz, no artigo 129, inciso VIII, que é papel “exclusivo” do Ministério Público “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais”. “Requisitar não é fazer”, pontua Macabu.
Para o ministro, a luta contra a PEC “não faz sentido”. Ele entende que a proposta “está tentando legitimar o que já está legitimado na Constituição”. O MP, diz ele, tem o papel de acusar, de conduzir a Ação Penal e requerer a investigação, mas nunca de fazê-la.
A advogada criminalista Heloisa Estellita, sócia de Alberto Toron, é da mesma opinião. "É relevantíssima a atuação do Ministério Público na investigação e no combate à corrupção. O que tem causado desconforto no meio jurídico, e está sendo debatido no Supremo Tribunal Federal, são os limites desse poder de investigação e suas regras. Creio que todos concordam que não se pode admitir, em um Estado que vive sob a regra do devido processo legal, que o Ministério Público possa escolher quais casos quer investigar e que tais investigações não se submetam a normas jurídicas.”
O ministro Adilson Macabu entende que a reivindicação do MP por poderes investigatórios é legítima, já que é um direito democrático. Principalmente porque, segundo conta, investigar sempre foi uma demanda do MP, inclusive manifestada na Assembleia Constituinte. Mas sua opinião é que “os poderes que o Ministério Público tem, dados pela Constituição, já são mais do que suficientes para que exerçam plenamente suas atribuições mais do que relevantes para a sociedade”.
“Não se pode forçar uma situação, porque, acima de tudo, o MP é o fiscal da lei, deve buscar sempre a verdade dos fatos. Não pode nunca ter interesse político no exercício de sua função institucional. Até porque se o Judiciário entender que determinada ação não está em conformidade com esses valores, ela é anulada”, arremata o ministro.
Leia abaixo a nota da ADPF:
ADPF critica a politização da “Ação Nacional contra a Corrupção” pelo Ministério Público
Delegados temem consequências processuais negativas:
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) lamenta a utilização demagógica e política do Ministério Público com a denominada “Ação Nacional contra a Corrupção”.
Não se deve misturar investigação criminal com ações políticas de interesse outros que não o compromisso com o enfrentamento eficiente e eficaz à criminalidade. Combinar a deflagração nacional, no mesmo dia, de ações envolvendo os mais diversos crimes, locais e alvos, inclusive com a execução antecipada e inadequada de medidas, mostra uma preocupação exclusivamente midiática e não com a investigação criminal.
Em franca campanha contra a aprovação da PEC-37, o Ministério Público orquestrou a operação com o objetivo claro de figurar como protagonista numa ação política institucional em detrimento do trabalho colaborativo desenvolvido com as demais instituições e órgãos públicos.
Não é a primeira vez que isso ocorre. Nas investigações do “Mensalão”, o MP bradou que sem eles o trabalho teria terminado em “pizza”, menosprezando a atuação da Polícia Federal, da CPMI dos Correios, dos Ministros do STF, da imprensa e da opinião pública. A ADPF espera uma postura mais agregadora do MP, que não afaste os parceiros e não inviabilize o trabalho colaborativo, imprescindível para o enfrentamento à criminalidade.
O futuro irá dizer as consequências processuais negativas dessa "ação nacional". Não basta um dia de espetáculo. A sociedade brasileira quer um compromisso diário e permanente de todas as instituições no enfrentamento ao mal da corrupção no país.
Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF)
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 11 de abril de 2013
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