Mudança de comportamento
Recentemente, a Organização das Nações Unidas, em relatório elaborado
por seu grupo de trabalho sobre detenção arbitrária, expressou
preocupação sobre o uso excessivo da privação de liberdade no Brasil. De
acordo com o documento, privar as pessoas de sua liberdade é o recurso
mais comum utilizado no país, tanto em termos de detenção administrativa
quanto no sistema de Justiça Criminal.
“Existe uma cultura do uso de privação de liberdade como norma e não como uma medida excepcional reservada para delitos graves, conforme exigido pela normas internacionais de direitos humanos”, afirmou o especialista em Direitos Humanos Roberto Garretón, ao fim da visita oficial de dez dias no Brasil.
Dados publicados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, mostram que até junho de 2012, última data de publicação no site, a quantidade total de presos era de 508 mil, sendo 191 mil provisórios. Já o número de vagas era de 309 mil.
Para o promotor de Justiça em Minas Gerais André Luis Melo, a solução para amenizar a situação dos presídios é simples e está nas mãos do Ministério Público. E melhor, pode ser feita sem custos. O promotor sugere sete medidas que, implantadas por meio de mudanças legislativas, reduziriam as prisões provisórias em 50%: permitir ao Ministério Público colocar, fundamentadamente, em liberdade presos em caso de prescrição, atipicidade material ou formal e quando couber pena alternativa; possibilitar ao MP o arquivamento do caso quando, fundamentadamente, não vislumbrar ofensividade que justifique uma ação penal; ampliar a possibilidade de acordo entre MP e réu para delitos com pena de até quatro anos de prisão, nos termos do artigo 44 do Código Penal (pena concreta no esboço de dosimetria); prever a prescrição virtual quando o esboço prévio da dosimetria permitir essa conclusão; autorizar o Ministério Público a oferecer proposta de suspensão condicional do processo nos delitos com pena mínima de até dois anos, se cometidos sem violência e com reparação prévia do dano, e com bons antecedentes; permitir ao MP o arquivamento provisório dos casos menos graves para priorizar os casos mais graves, independentemente de ser réu preso ou não; e, nos furtos de objetos de até um salário mínimo, prever a representação da vítima (ação penal pública condicionada).
Para o promotor, essas medidas reduziriam as prisões provisórias pela metade e o número de audiências em 80%. Na prática, a mudança mais importante seria o fim da obrigação do MP de ajuizar ações penais em relação aos crimes apurados. Segundo o promotor, o mecanismo impede que o MP escolha os casos em que vai atuar, mas não faz o mesmo em relação à Polícia.
“Enquanto formos manter o mito da obrigatoriedade plena da ação penal, o único setor que se beneficia é a defesa. Nem a sociedade é beneficiada, pois a Polícia prioriza apenas casos com pobres e mais fáceis, exceto algum que esteja na mídia ou algum flagrante”, explica.
Apesar de mostrar receio com algumas das sugestões, o advogado e professor da USP Pierpaolo Cruz Bottini, do escritório Bottini Tamasauskas Advogados, e ex-secretário da Reforma do Judiciário, afirma que toda proposta voltada à desencarcerização merece simpatia. “Os números e as condições dos presídios são assombrosos e revelam o fracasso da prisão como instrumento de reabilitação. Embora preocupem propostas como a permissão para que o Ministério Público escolha arquivar casos menos graves para priorizar os mais graves sem que haja uma criteriosa regulamentação, como toda proposta bem intencionada, as ideias merecem análise e reflexão”, avalia.
Para o presidente da Academia Paulista de Direito Criminal (APDCrim), Romualdo Sanches Calvo Filho, é necessária a adoção das medidas elencadas pelo promotor para diminuir ao máximo as penas privativas de liberdade e proporcionar ao delinquente, ainda que em potencial, rever sua conduta e adotar comportamento diferente. “O cárcere deve ser a última razão de ser da punição, devendo o Estado, por meio de seus órgãos constituídos, estar em constante barganha com o infrator. A prisão deve ser adotada de maneira excepcionalmente necessária e desde que esgotados todos os meios dissuasivos da reincidência.”
Já para o advogado David Rechulski, do escritório David Rechulski Advogados, as propostas que envolvem apenas a atuação direta do Ministério Público, com a supressão do figura do magistrado, são incabíveis e exorbitam de sua competência. “O juiz tem papel fundamental no Estado Democrático de Direito, que dele não pode prescindir, sobretudo em questões que envolvam a liberdade”, afirma.
A advogada Luiza Moreira Peregrino Ferreira concorda. Segundo ela, é preciso cautela nas ações para melhorar a situação dos presídios. “Permitir que o Ministério Público atue como se magistrado fosse soa totalmente desarrazoado”, diz.
Para Rechulski, as propostas que repercutem cenários de prescrição só seriam factíveis num contexto distinto do atual. “Caso contrário, ter-se-á um cenário de impunidade e consequente reiteração criminosa”, diz. Porém, ele elogia as sugestões sobre as possibilidades de acordo e suspensão condicional do processo para penas menores, bem como de ação penal pública condicionada. “Estão em linha com o escopo da proposta e outras premissas sociológicas e legais de nosso ordenamento jurídico penal e processual penal.”
O mesmo pensa Luiz Ferreira. Ela destaca que a celebração de acordos propostos diretamente pelo promotor é uma medida factível, considerando que esses mesmos defensores brasileiros que prestarão assistência aos investigados ao longo do processo serão aqueles que os auxiliarão a firmar um acordo com o Parquet.
Luiza destaca que a questão da ineficácia da pena de prisão é preocupante e a reforma da Lei de Execução Penal deve buscar soluções alternativas. “Não podemos esquecer que há tempos nossas prisões não apenas deixam de atingir o objetivo para que foram criadas, mas principalmente estão servindo como 'degrau' para o já elevado nível de criminalidade dos condenados, que muitas vezes deixam os presídios ainda mais voltados à prática criminosa do que quando entraram”, diz.
Eduardo Antônio Lucho Ferrão, do escritório Eduardo Antônio Lucho Ferrão - Advogados Associados, critica a maioria das propostas destacadas. “Fornecer o poder de soltar a quem tem o poder de acusar é uma excrescência do sistema inquisitório, onde as funções de acusação e julgamento se concentravam em apenas uma pessoa”, lembra. Para Ferrão, não é necessário dar ao órgão acusador o poder de soltar, considerando que 99% das prisões cautelares são requerimento do próprio MP ou delegado sob fiscalização do MP. Segundo o advogado, “basta cobrar uma melhor análise dos casos que o MP conduz, deixando de pedir prisão nas hipóteses aqui relacionadas”.
Quanto à possibilidade de o MP arquivar o caso quando não vislumbrar ofensividade que justifique ação penal, o advogado observa que o Código de Processo Penal deixa claro que o MP não é obrigado a oferecer uma denúncia que, em tese, será rejeitada. “Simples questão de bom senso e economia processual, não se fazendo necessária nenhuma outra norma para tal conclusão. Vale ressaltar que a baixa incidência de pedidos de arquivamento, por parte do MP, ocorre por questões ideológicas, e não por questões jurídicas em sentido estrito”, critica.
Já quanto à maior possibilidade de acordos, suspensão condicional do processo e ações penais condicionadas, o advogado é a favor. “E vou além. O furto, seja qual for o valor do objeto furtado, deve ser submetido à ação penal condicionada. Trata-se de crime contra patrimônio privado, cuja pena não ultrapassa quatro anos em sua modalidade básica, e cujo resultado danoso — o prejuízo financeiro —, pode ser buscado através das ações cíveis competentes”, afirma.
Ele explica que a ação penal, além de não trazer para a vítima vantagens “novas” — uma vez que a indenização já existe na ação civil —, gera, muitas vezes, o prejuízo financeiro de se ter que comparecer em audiências, o prejuízo psicológico de se ter de reviver o momento ruim cada vez que se encontra o infrator e, por vezes, a revitimização, uma vez que, se houver dúvida, o infrator será absolvido, ainda que a vítima tenha a certeza sobre o caso.
Já para o advogado Leonardo Magalhães Avelar, do escritório Moraes Pitombo Advogados, as possibilidades de acordo e de suspensão condicional do processo para crimes de penas menores podem se tornar mais um método equivocado de dispensar as autoridades públicas do necessário juízo de admissibilidade do procedimento criminal. Ele explica que a possibilidade de acordo entre MP e réu é prevista no artigo 76 da Lei Federal 9.099/1995. “Essa lei foi criada com o louvável objetivo de desafogar o Poder Judiciário. Entretanto, em muitos casos, tem se mostrado inócua em seu mister, na medida em que condutas criminais atípicas são destinadas ao Juizado Especial Criminal, sem que seja realizada mínima análise de sua admissibilidade”, pondera.
Avelar também vê com reservas a possibilidade de permitir ao MP o arquivamento provisório dos casos menos graves para priorizar os casos mais graves. “Não cabe ao Ministério Público o juízo de valoração sobre quais os procedimentos criminais devem ser priorizados em detrimento de outros. Os casos criminais possuem sujeitos passivos e ativos. Sendo que, para as pessoas envolvidas, aquelas questões possuem relevância própria, de modo que priorizar determinados processos não me parece uma solução efetiva”. Para ele, essa proposta é uma solução paliativa. “Esse arquivamento provisório seria até quando? Sem dúvida se perpetuaria e se tornaria um arquivamento permanente nos acervos do Poder Judiciário.”
O advogado Ricardo Pages reforça a tese de que o Ministério Público não pode colocar presos provisórios em liberdade diretamente. “Se entende o promotor de Justiça que o preso provisório deve ser posto em liberdade, ou que não há justa causa para o inquérito ou ação penal, requeira, pois, ao magistrado competente a expedição do alvará de soltura ou o imediato arquivamento do procedimento”, ressalva.
Para ele, porém, a possibilidade de o Ministério Público celebrar acordos com os réus visando a aplicação imediata de penas alternativas é uma opção de política criminal. “Certamente, muitos processos seriam abreviados, mas a que custo, haja vista o déficit quantitativo e qualitativo dos defensores brasileiros?”, questiona. Outra medida que o advogado considera positiva é a ampliação do benefício da suspensão condicional do processo para delitos com pena mínima de até dois anos. Ele também vê com bons olhos a proposta de tornar condicionada à representação da vítima o início da ação penal por furtos de objetos com valores de até um salário-mínimo.
Quanto ao cálculo da prescrição virtual antes de se ajuizar as ações, o advogado Marcelo Crespo lembra que a Justiça já rejeitou a possibilidade. “Foi o Superior Tribunal de Justiuça que sumulou (Súmula 438) o entendimento de que não se aplica a prescrição virtual, instituto que, apesar de não previsto na lei, vinha sendo requerido pelo MP e muitas vezes aplicado pelo Judiciário”, diz.
Para Crespo, o arquivamento provisório dos casos menos graves para priorizar os mais graves não faz sentindo. “Se os casos ditos 'menores' poderiam ficar provisoriamente arquivados, que sejam arquivados em definitivo. Há muitos casos que são tocados para a frente pelo MP porque não há preocupação e dedicação em entender o caso. Estudar o caso, conhecê-lo e se manifestar nos autos após maior estudo é obrigação do MP que, no entanto, raramente o faz.”
Mas concorda que furtos de pequeno valor dependam de representação da vítima. “Seriam evitadas investigações sobre fatos considerados socialmente de menor relevância, embora não se interfira diretamente na relação de número de presos.”
Clique aqui para ler o relatório da ONU.
“Existe uma cultura do uso de privação de liberdade como norma e não como uma medida excepcional reservada para delitos graves, conforme exigido pela normas internacionais de direitos humanos”, afirmou o especialista em Direitos Humanos Roberto Garretón, ao fim da visita oficial de dez dias no Brasil.
Dados publicados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, mostram que até junho de 2012, última data de publicação no site, a quantidade total de presos era de 508 mil, sendo 191 mil provisórios. Já o número de vagas era de 309 mil.
Para o promotor de Justiça em Minas Gerais André Luis Melo, a solução para amenizar a situação dos presídios é simples e está nas mãos do Ministério Público. E melhor, pode ser feita sem custos. O promotor sugere sete medidas que, implantadas por meio de mudanças legislativas, reduziriam as prisões provisórias em 50%: permitir ao Ministério Público colocar, fundamentadamente, em liberdade presos em caso de prescrição, atipicidade material ou formal e quando couber pena alternativa; possibilitar ao MP o arquivamento do caso quando, fundamentadamente, não vislumbrar ofensividade que justifique uma ação penal; ampliar a possibilidade de acordo entre MP e réu para delitos com pena de até quatro anos de prisão, nos termos do artigo 44 do Código Penal (pena concreta no esboço de dosimetria); prever a prescrição virtual quando o esboço prévio da dosimetria permitir essa conclusão; autorizar o Ministério Público a oferecer proposta de suspensão condicional do processo nos delitos com pena mínima de até dois anos, se cometidos sem violência e com reparação prévia do dano, e com bons antecedentes; permitir ao MP o arquivamento provisório dos casos menos graves para priorizar os casos mais graves, independentemente de ser réu preso ou não; e, nos furtos de objetos de até um salário mínimo, prever a representação da vítima (ação penal pública condicionada).
Para o promotor, essas medidas reduziriam as prisões provisórias pela metade e o número de audiências em 80%. Na prática, a mudança mais importante seria o fim da obrigação do MP de ajuizar ações penais em relação aos crimes apurados. Segundo o promotor, o mecanismo impede que o MP escolha os casos em que vai atuar, mas não faz o mesmo em relação à Polícia.
“Enquanto formos manter o mito da obrigatoriedade plena da ação penal, o único setor que se beneficia é a defesa. Nem a sociedade é beneficiada, pois a Polícia prioriza apenas casos com pobres e mais fáceis, exceto algum que esteja na mídia ou algum flagrante”, explica.
Apesar de mostrar receio com algumas das sugestões, o advogado e professor da USP Pierpaolo Cruz Bottini, do escritório Bottini Tamasauskas Advogados, e ex-secretário da Reforma do Judiciário, afirma que toda proposta voltada à desencarcerização merece simpatia. “Os números e as condições dos presídios são assombrosos e revelam o fracasso da prisão como instrumento de reabilitação. Embora preocupem propostas como a permissão para que o Ministério Público escolha arquivar casos menos graves para priorizar os mais graves sem que haja uma criteriosa regulamentação, como toda proposta bem intencionada, as ideias merecem análise e reflexão”, avalia.
Para o presidente da Academia Paulista de Direito Criminal (APDCrim), Romualdo Sanches Calvo Filho, é necessária a adoção das medidas elencadas pelo promotor para diminuir ao máximo as penas privativas de liberdade e proporcionar ao delinquente, ainda que em potencial, rever sua conduta e adotar comportamento diferente. “O cárcere deve ser a última razão de ser da punição, devendo o Estado, por meio de seus órgãos constituídos, estar em constante barganha com o infrator. A prisão deve ser adotada de maneira excepcionalmente necessária e desde que esgotados todos os meios dissuasivos da reincidência.”
Já para o advogado David Rechulski, do escritório David Rechulski Advogados, as propostas que envolvem apenas a atuação direta do Ministério Público, com a supressão do figura do magistrado, são incabíveis e exorbitam de sua competência. “O juiz tem papel fundamental no Estado Democrático de Direito, que dele não pode prescindir, sobretudo em questões que envolvam a liberdade”, afirma.
A advogada Luiza Moreira Peregrino Ferreira concorda. Segundo ela, é preciso cautela nas ações para melhorar a situação dos presídios. “Permitir que o Ministério Público atue como se magistrado fosse soa totalmente desarrazoado”, diz.
Para Rechulski, as propostas que repercutem cenários de prescrição só seriam factíveis num contexto distinto do atual. “Caso contrário, ter-se-á um cenário de impunidade e consequente reiteração criminosa”, diz. Porém, ele elogia as sugestões sobre as possibilidades de acordo e suspensão condicional do processo para penas menores, bem como de ação penal pública condicionada. “Estão em linha com o escopo da proposta e outras premissas sociológicas e legais de nosso ordenamento jurídico penal e processual penal.”
O mesmo pensa Luiz Ferreira. Ela destaca que a celebração de acordos propostos diretamente pelo promotor é uma medida factível, considerando que esses mesmos defensores brasileiros que prestarão assistência aos investigados ao longo do processo serão aqueles que os auxiliarão a firmar um acordo com o Parquet.
Luiza destaca que a questão da ineficácia da pena de prisão é preocupante e a reforma da Lei de Execução Penal deve buscar soluções alternativas. “Não podemos esquecer que há tempos nossas prisões não apenas deixam de atingir o objetivo para que foram criadas, mas principalmente estão servindo como 'degrau' para o já elevado nível de criminalidade dos condenados, que muitas vezes deixam os presídios ainda mais voltados à prática criminosa do que quando entraram”, diz.
Eduardo Antônio Lucho Ferrão, do escritório Eduardo Antônio Lucho Ferrão - Advogados Associados, critica a maioria das propostas destacadas. “Fornecer o poder de soltar a quem tem o poder de acusar é uma excrescência do sistema inquisitório, onde as funções de acusação e julgamento se concentravam em apenas uma pessoa”, lembra. Para Ferrão, não é necessário dar ao órgão acusador o poder de soltar, considerando que 99% das prisões cautelares são requerimento do próprio MP ou delegado sob fiscalização do MP. Segundo o advogado, “basta cobrar uma melhor análise dos casos que o MP conduz, deixando de pedir prisão nas hipóteses aqui relacionadas”.
Quanto à possibilidade de o MP arquivar o caso quando não vislumbrar ofensividade que justifique ação penal, o advogado observa que o Código de Processo Penal deixa claro que o MP não é obrigado a oferecer uma denúncia que, em tese, será rejeitada. “Simples questão de bom senso e economia processual, não se fazendo necessária nenhuma outra norma para tal conclusão. Vale ressaltar que a baixa incidência de pedidos de arquivamento, por parte do MP, ocorre por questões ideológicas, e não por questões jurídicas em sentido estrito”, critica.
Já quanto à maior possibilidade de acordos, suspensão condicional do processo e ações penais condicionadas, o advogado é a favor. “E vou além. O furto, seja qual for o valor do objeto furtado, deve ser submetido à ação penal condicionada. Trata-se de crime contra patrimônio privado, cuja pena não ultrapassa quatro anos em sua modalidade básica, e cujo resultado danoso — o prejuízo financeiro —, pode ser buscado através das ações cíveis competentes”, afirma.
Ele explica que a ação penal, além de não trazer para a vítima vantagens “novas” — uma vez que a indenização já existe na ação civil —, gera, muitas vezes, o prejuízo financeiro de se ter que comparecer em audiências, o prejuízo psicológico de se ter de reviver o momento ruim cada vez que se encontra o infrator e, por vezes, a revitimização, uma vez que, se houver dúvida, o infrator será absolvido, ainda que a vítima tenha a certeza sobre o caso.
Já para o advogado Leonardo Magalhães Avelar, do escritório Moraes Pitombo Advogados, as possibilidades de acordo e de suspensão condicional do processo para crimes de penas menores podem se tornar mais um método equivocado de dispensar as autoridades públicas do necessário juízo de admissibilidade do procedimento criminal. Ele explica que a possibilidade de acordo entre MP e réu é prevista no artigo 76 da Lei Federal 9.099/1995. “Essa lei foi criada com o louvável objetivo de desafogar o Poder Judiciário. Entretanto, em muitos casos, tem se mostrado inócua em seu mister, na medida em que condutas criminais atípicas são destinadas ao Juizado Especial Criminal, sem que seja realizada mínima análise de sua admissibilidade”, pondera.
Avelar também vê com reservas a possibilidade de permitir ao MP o arquivamento provisório dos casos menos graves para priorizar os casos mais graves. “Não cabe ao Ministério Público o juízo de valoração sobre quais os procedimentos criminais devem ser priorizados em detrimento de outros. Os casos criminais possuem sujeitos passivos e ativos. Sendo que, para as pessoas envolvidas, aquelas questões possuem relevância própria, de modo que priorizar determinados processos não me parece uma solução efetiva”. Para ele, essa proposta é uma solução paliativa. “Esse arquivamento provisório seria até quando? Sem dúvida se perpetuaria e se tornaria um arquivamento permanente nos acervos do Poder Judiciário.”
O advogado Ricardo Pages reforça a tese de que o Ministério Público não pode colocar presos provisórios em liberdade diretamente. “Se entende o promotor de Justiça que o preso provisório deve ser posto em liberdade, ou que não há justa causa para o inquérito ou ação penal, requeira, pois, ao magistrado competente a expedição do alvará de soltura ou o imediato arquivamento do procedimento”, ressalva.
Para ele, porém, a possibilidade de o Ministério Público celebrar acordos com os réus visando a aplicação imediata de penas alternativas é uma opção de política criminal. “Certamente, muitos processos seriam abreviados, mas a que custo, haja vista o déficit quantitativo e qualitativo dos defensores brasileiros?”, questiona. Outra medida que o advogado considera positiva é a ampliação do benefício da suspensão condicional do processo para delitos com pena mínima de até dois anos. Ele também vê com bons olhos a proposta de tornar condicionada à representação da vítima o início da ação penal por furtos de objetos com valores de até um salário-mínimo.
Quanto ao cálculo da prescrição virtual antes de se ajuizar as ações, o advogado Marcelo Crespo lembra que a Justiça já rejeitou a possibilidade. “Foi o Superior Tribunal de Justiuça que sumulou (Súmula 438) o entendimento de que não se aplica a prescrição virtual, instituto que, apesar de não previsto na lei, vinha sendo requerido pelo MP e muitas vezes aplicado pelo Judiciário”, diz.
Para Crespo, o arquivamento provisório dos casos menos graves para priorizar os mais graves não faz sentindo. “Se os casos ditos 'menores' poderiam ficar provisoriamente arquivados, que sejam arquivados em definitivo. Há muitos casos que são tocados para a frente pelo MP porque não há preocupação e dedicação em entender o caso. Estudar o caso, conhecê-lo e se manifestar nos autos após maior estudo é obrigação do MP que, no entanto, raramente o faz.”
Mas concorda que furtos de pequeno valor dependam de representação da vítima. “Seriam evitadas investigações sobre fatos considerados socialmente de menor relevância, embora não se interfira diretamente na relação de número de presos.”
Clique aqui para ler o relatório da ONU.
Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
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