Nas
semanas que se passaram, mais uma vez vieram à tona discussões
jurídicas acaloradas, envolvendo os desdobramentos do julgamento pelo
Supremo Tribunal Federal da Ação Penal 470, na qual foram condenados
réus considerados responsáveis pela operacionalização do que se
convencionou denominar de mensalão.
No caso específico, a discussão girou em torno da possibilidade, ou não, dos condenados a penas privativas de liberdade em regime semiaberto poderem trabalhar fora do estabelecimento prisional, em local de livre escolha dos apenados.
O ministro relator da AP 470 acabou por indeferir o exercício de atividades laborais remuneradas externas. Com esteio, precipuamente, no argumento de que alguns dos condenados, mesmo que tenham iniciado o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semiaberto, precisariam integralizar o cumprimento de um sexto da pena para que só então pudessem usufruir dessa benesse. Apesar de muitos terem se insurgido contra esta decisão proferida pelo ministro Joaquim Barbosa, o fato é que, nos temos da lei, essa decisão está correta.
Para se chegar a essa conclusão, faz-se necessário o exame conjugado do Código Penal e da Lei de Execuções Penais. Assim é que o Código Penal, depois de indicar quais são os três regimes de cumprimento das penas privativas de liberdade, traz algumas regras inerentes a cada um destes regimes, nos artigos 33 ao 36, abaixo reproduzidos para uma melhor compreensão do raciocínio:
Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.
...
Regras do regime fechado
Art. 34 - O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da execução.
§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno.
§ 2º - O trabalho será em comum dentro do estabelecimento, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena.
§ 3º - O trabalho externo é admissível, no regime fechado, em serviços ou obras públicas.
Regras do regime semiaberto
Art. 35 - Aplica-se a norma do art. 34 deste Código, caput, ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto.
§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.
§ 2º - O trabalho externo é admissível, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.
Regras do regime aberto
Art. 36 - O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado.
§ 1º - O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga...
Por sua vez, a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84) traz normas adicionais, mais detalhadas, acerca da execução penal. Sendo que, na Seção III, no artigo 37, expressamente elenca quais são os requisitos para que se possa cogitar da possibilidade de autorização para o trabalho externo. Dentre os quais, a imperiosidade de cumprimento de pelo menos um sexto da pena:
Art. 36. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.
...
Art. 37. A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena...
Neste diapasão, verifica-se que, irretorquivelmente, dois são os requisitos a serem atendidos para a fruição do benefício do trabalho externo, a saber: subjetivo, concernentes ao merecimento; e objetivo, referente ao percentual temporal de cumprimento de pena. Como, aliás, esclarece Flávio Marcão, na obra “Curso de Execução Penal”, 7ª edição, 2009, Saraiva, p. 29, style="font-size: 1.06em;">in verbis:
“O trabalho externo submete-se à satisfação de dois requisitos. Um subjetivo, qual seja, a disciplina e responsabilidade, que a nosso ver devem ser apuradas em exame criminológico, e outro objetivo, consistente na obrigatoriedade de que tenha o preso cumprido o mínimo de um sexto de sua pena.
Não basta, assim, o atendimento a apenas um dos requisitos. A autorização está condicionada à conjugação dos requisitos subjetivo e objetivo.
Consoante a Súmula 40 do Superior Tribunal de Justiça, “Para obtenção dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de regime semiaberto por progressão, na avaliação do requisito objetivo indispensável para a concessão do benefício, computa-se o tempo de pena cumprido no regime fechado. Em outras palavras, ingressando no regime semiaberto por progressão, na avaliação do requisito objetivo indispensável para a concessão do benefício, computa-se o tempo de pena cumprido no regime fechado.”
Inquestionável, portanto, a necessidade de cumprimento de pelo menos um sexto da pena, para que se possa cogitar da possibilidade do trabalho externo, para aqueles que estão nos regimes fechado e semiaberto. Não valendo essa assertiva para aqueles que estão no regime aberto (seja como corolário do avanço na execução penal, em razão da progressão do cumprimento da pena, ou mesmo por ter sido o condenado alocado, desde o início, nessa fase mais avançada e branda da execução penal).
Ora, a regra para o regime fechado e semiaberto é o trabalho em ambiente interno. Sendo que, no caso do regime semiaberto, essa faina deveria ser realizada em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. Sendo o trabalho externo admitido excepcionalmente e apenas após o cumprimento do interstício temporal de um sexto da pena.
Não se afigurando correto, with all due respect (com todo o respeito devido), os argumentos em favor da dispensabilidade do cumprimento deste lapso temporal de um sexto para a realização de trabalhos externos.
Abandono ao texto legal
É bem verdade que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou precedente (HC 8.725/RS) pelo qual o artigo 37 da Lei de Execuções Penais somente seria aplicável ao regime fechado e, portanto, aqueles que estivessem no regime semiaberto, não precisariam integralizar esse requisito (lembrando que para o regime aberto a regra obviamente não se aplica, porque o trabalho externo já é a regra). Desde então, não sem dissonância, a jurisprudência do STJ vem se posicionando desta maneira.
Mas isto, data maxima venia, não é o que dispõe a legislação de regência. Esta linha de orientação sufragada pelo STJ veio na esteira de outras tantas decisões (de questionável juridicidade) que pretendem enfrentar os problemas relacionados à execução penal (especialmente no que se refere à falta de vagas e às péssimas condições dos estabelecimentos prisionais), utilizando-se de interpretações elásticas, que se desgarram das premissas dos textos legais. Criaram, como resultado, diretrizes legais alinhavadas pelo Poder Judiciário, e não pelo Legislador.
Noutros dizeres, o STJ abandonou o texto legal e criou uma forma variante de execução penal. Algo que vem se tornando corriqueiro e vem sendo rotulado de ativismo judicial, pelo qual o Judiciário cada vez mais vem inovando na ordem jurídica (apesar de não ter competência legislativa), sob artifícios jurídicos os mais variados possíveis.
Ademais, esse entendimento do STJ não está em sintonia com os precedentes do Supremo Tribunal Federal. Como se infere da leitura do julgado abaixo transcrito:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. LEI DE EXECUÇÃO PENAL. PRETENSÃO DE DEFERIMENTO DO TRABALHO EXTERNO QUANDO DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE: EXIGÊNCIA DE REQUISITO TEMPORAL. QUESTÃO AFETA AO JUIZ DA EXECUÇÃO. REGIME SEMIABERTO. CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME ABERTO À FALTA DE ESTABELECIMENTO ADEQUADO. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. 1. A pretensão de deferimento do trabalho externo quando da prolação da sentença não pode ser acatada, por incompatibilidade lógica, dada a necessidade do cumprimento do requisito temporal de 1/6 da pena. Logo, a análise do pedido compete ao juiz da execução penal. 2. Conhecimento e concessão da ordem, de ofício, para determinar o início do cumprimento da pena no regime semiaberto, conforme estipulado na sentença, ou no regime aberto se não houver estabelecimento adequado”.
(HC 86199, Relator (a): Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 18/04/2006, DJ 25-08-2006 PP-00053 EMENT VOL-02244-03 PP-00466).
Bem assim, ainda é indispensável a aferição dos requisitos subjetivos, pois o preenchimento do requisito do lapso temporal, por si só, não permite a concessão da autorização para trabalho externo.
Nesse ponto, ao que consta, alguns dos condenados do mensalão aparentemente (pelo que foi noticiado pela mídia) não atenderam o pressuposto subjetivo, relativo ao merecimento pois, pelas informações que foram divulgadas, estariam tendo tratamento privilegiado no estabelecimento prisional. Ilustrativamente, tendo direito a visitas em qualquer horário, e sem qualquer limitação, e acesso a telefones celulares.
Respeitando aqueles que pensam em contrário, o que alguns estão pretendendo é distorcer a regulamentação do regime semiaberto. Seja com base em fundamentos de política criminal (visando evitar que o condenado fique encarcerado por entenderem que a segregação não auxilia na ressocialização), seja por mera conveniência (para se evitar o aprisionamento de figuras renomadas no meio político).
Semelhantemente com o que ocorreu com a chamada “prisão domiciliar”, que, apesar de ter regramento específico (exemplos: CPP, art. 317/318; LEP, art. 117, Lei 9.605/98, art. 8°, V; Lei 8.906/94, art. 7°, V), vem sendo utilizada como uma espécie de coringa na execução penal, permitindo-se que os condenados fiquem “presos” em suas residências, em situações não previstas na legislação. Notadamente no caso de falta de vagas em regime de cumprimento de pena mais brando, como o semiaberto ou o aberto.
Nem se diga que face ao primado constitucional da individualização da pena (CF, art. 5°, XLVI), o Juízo da Execução estaria autorizado a estabelecer formas distintas de execução, para situações diferenciadas. Esse princípio constitucional não tem essa amplitude, de permitir a desconsideração das regras estabelecidas para a execução penal. A não ser que se tratasse de situação fragrantemente desproporcional ou arbitrária, o que, evidentemente, não está presente nessa hipótese.
O que se espera, portanto, é que a lei seja cumprida. Boa ou ruim, a lei oferece segurança jurídica, permitindo que se saiba quais serão as consequências legais. Do contrário, se for autorizado o não cumprimento das prescrições legais (ainda que sob sofismáticas vertentes hermenêuticas), o que se terá é a insegurança jurídica, permitindo-se que cada um interprete e aplique a lei de acordo com sua convicção.
Concluindo, pode dizer-se que, por mais que o julgamento do mensalão possa não ter sido um exemplo de julgamento (em razão dos vários empecilhos, discussões públicas e improvisações que ocorreram no julgamento), o fato é que representa um marco contra a impunidade. Mas que corre o risco de acabar esvaziado se a execução penal for desacreditada, com a concessão de benefícios que descaracterizam os rigores que devem estar presentes no cumprimento de penas, decorrentes da prática de crimes de alta gravidade para a nação.
No caso específico, a discussão girou em torno da possibilidade, ou não, dos condenados a penas privativas de liberdade em regime semiaberto poderem trabalhar fora do estabelecimento prisional, em local de livre escolha dos apenados.
O ministro relator da AP 470 acabou por indeferir o exercício de atividades laborais remuneradas externas. Com esteio, precipuamente, no argumento de que alguns dos condenados, mesmo que tenham iniciado o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semiaberto, precisariam integralizar o cumprimento de um sexto da pena para que só então pudessem usufruir dessa benesse. Apesar de muitos terem se insurgido contra esta decisão proferida pelo ministro Joaquim Barbosa, o fato é que, nos temos da lei, essa decisão está correta.
Para se chegar a essa conclusão, faz-se necessário o exame conjugado do Código Penal e da Lei de Execuções Penais. Assim é que o Código Penal, depois de indicar quais são os três regimes de cumprimento das penas privativas de liberdade, traz algumas regras inerentes a cada um destes regimes, nos artigos 33 ao 36, abaixo reproduzidos para uma melhor compreensão do raciocínio:
Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.
...
Regras do regime fechado
Art. 34 - O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da execução.
§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno.
§ 2º - O trabalho será em comum dentro do estabelecimento, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena.
§ 3º - O trabalho externo é admissível, no regime fechado, em serviços ou obras públicas.
Regras do regime semiaberto
Art. 35 - Aplica-se a norma do art. 34 deste Código, caput, ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto.
§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.
§ 2º - O trabalho externo é admissível, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.
Regras do regime aberto
Art. 36 - O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado.
§ 1º - O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga...
Por sua vez, a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84) traz normas adicionais, mais detalhadas, acerca da execução penal. Sendo que, na Seção III, no artigo 37, expressamente elenca quais são os requisitos para que se possa cogitar da possibilidade de autorização para o trabalho externo. Dentre os quais, a imperiosidade de cumprimento de pelo menos um sexto da pena:
Art. 36. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.
...
Art. 37. A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena...
Neste diapasão, verifica-se que, irretorquivelmente, dois são os requisitos a serem atendidos para a fruição do benefício do trabalho externo, a saber: subjetivo, concernentes ao merecimento; e objetivo, referente ao percentual temporal de cumprimento de pena. Como, aliás, esclarece Flávio Marcão, na obra “Curso de Execução Penal”, 7ª edição, 2009, Saraiva, p. 29, style="font-size: 1.06em;">in verbis:
“O trabalho externo submete-se à satisfação de dois requisitos. Um subjetivo, qual seja, a disciplina e responsabilidade, que a nosso ver devem ser apuradas em exame criminológico, e outro objetivo, consistente na obrigatoriedade de que tenha o preso cumprido o mínimo de um sexto de sua pena.
Não basta, assim, o atendimento a apenas um dos requisitos. A autorização está condicionada à conjugação dos requisitos subjetivo e objetivo.
Consoante a Súmula 40 do Superior Tribunal de Justiça, “Para obtenção dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de regime semiaberto por progressão, na avaliação do requisito objetivo indispensável para a concessão do benefício, computa-se o tempo de pena cumprido no regime fechado. Em outras palavras, ingressando no regime semiaberto por progressão, na avaliação do requisito objetivo indispensável para a concessão do benefício, computa-se o tempo de pena cumprido no regime fechado.”
Inquestionável, portanto, a necessidade de cumprimento de pelo menos um sexto da pena, para que se possa cogitar da possibilidade do trabalho externo, para aqueles que estão nos regimes fechado e semiaberto. Não valendo essa assertiva para aqueles que estão no regime aberto (seja como corolário do avanço na execução penal, em razão da progressão do cumprimento da pena, ou mesmo por ter sido o condenado alocado, desde o início, nessa fase mais avançada e branda da execução penal).
Ora, a regra para o regime fechado e semiaberto é o trabalho em ambiente interno. Sendo que, no caso do regime semiaberto, essa faina deveria ser realizada em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. Sendo o trabalho externo admitido excepcionalmente e apenas após o cumprimento do interstício temporal de um sexto da pena.
Não se afigurando correto, with all due respect (com todo o respeito devido), os argumentos em favor da dispensabilidade do cumprimento deste lapso temporal de um sexto para a realização de trabalhos externos.
Abandono ao texto legal
É bem verdade que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou precedente (HC 8.725/RS) pelo qual o artigo 37 da Lei de Execuções Penais somente seria aplicável ao regime fechado e, portanto, aqueles que estivessem no regime semiaberto, não precisariam integralizar esse requisito (lembrando que para o regime aberto a regra obviamente não se aplica, porque o trabalho externo já é a regra). Desde então, não sem dissonância, a jurisprudência do STJ vem se posicionando desta maneira.
Mas isto, data maxima venia, não é o que dispõe a legislação de regência. Esta linha de orientação sufragada pelo STJ veio na esteira de outras tantas decisões (de questionável juridicidade) que pretendem enfrentar os problemas relacionados à execução penal (especialmente no que se refere à falta de vagas e às péssimas condições dos estabelecimentos prisionais), utilizando-se de interpretações elásticas, que se desgarram das premissas dos textos legais. Criaram, como resultado, diretrizes legais alinhavadas pelo Poder Judiciário, e não pelo Legislador.
Noutros dizeres, o STJ abandonou o texto legal e criou uma forma variante de execução penal. Algo que vem se tornando corriqueiro e vem sendo rotulado de ativismo judicial, pelo qual o Judiciário cada vez mais vem inovando na ordem jurídica (apesar de não ter competência legislativa), sob artifícios jurídicos os mais variados possíveis.
Ademais, esse entendimento do STJ não está em sintonia com os precedentes do Supremo Tribunal Federal. Como se infere da leitura do julgado abaixo transcrito:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. LEI DE EXECUÇÃO PENAL. PRETENSÃO DE DEFERIMENTO DO TRABALHO EXTERNO QUANDO DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE: EXIGÊNCIA DE REQUISITO TEMPORAL. QUESTÃO AFETA AO JUIZ DA EXECUÇÃO. REGIME SEMIABERTO. CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME ABERTO À FALTA DE ESTABELECIMENTO ADEQUADO. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. 1. A pretensão de deferimento do trabalho externo quando da prolação da sentença não pode ser acatada, por incompatibilidade lógica, dada a necessidade do cumprimento do requisito temporal de 1/6 da pena. Logo, a análise do pedido compete ao juiz da execução penal. 2. Conhecimento e concessão da ordem, de ofício, para determinar o início do cumprimento da pena no regime semiaberto, conforme estipulado na sentença, ou no regime aberto se não houver estabelecimento adequado”.
(HC 86199, Relator (a): Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 18/04/2006, DJ 25-08-2006 PP-00053 EMENT VOL-02244-03 PP-00466).
Bem assim, ainda é indispensável a aferição dos requisitos subjetivos, pois o preenchimento do requisito do lapso temporal, por si só, não permite a concessão da autorização para trabalho externo.
Nesse ponto, ao que consta, alguns dos condenados do mensalão aparentemente (pelo que foi noticiado pela mídia) não atenderam o pressuposto subjetivo, relativo ao merecimento pois, pelas informações que foram divulgadas, estariam tendo tratamento privilegiado no estabelecimento prisional. Ilustrativamente, tendo direito a visitas em qualquer horário, e sem qualquer limitação, e acesso a telefones celulares.
Respeitando aqueles que pensam em contrário, o que alguns estão pretendendo é distorcer a regulamentação do regime semiaberto. Seja com base em fundamentos de política criminal (visando evitar que o condenado fique encarcerado por entenderem que a segregação não auxilia na ressocialização), seja por mera conveniência (para se evitar o aprisionamento de figuras renomadas no meio político).
Semelhantemente com o que ocorreu com a chamada “prisão domiciliar”, que, apesar de ter regramento específico (exemplos: CPP, art. 317/318; LEP, art. 117, Lei 9.605/98, art. 8°, V; Lei 8.906/94, art. 7°, V), vem sendo utilizada como uma espécie de coringa na execução penal, permitindo-se que os condenados fiquem “presos” em suas residências, em situações não previstas na legislação. Notadamente no caso de falta de vagas em regime de cumprimento de pena mais brando, como o semiaberto ou o aberto.
Nem se diga que face ao primado constitucional da individualização da pena (CF, art. 5°, XLVI), o Juízo da Execução estaria autorizado a estabelecer formas distintas de execução, para situações diferenciadas. Esse princípio constitucional não tem essa amplitude, de permitir a desconsideração das regras estabelecidas para a execução penal. A não ser que se tratasse de situação fragrantemente desproporcional ou arbitrária, o que, evidentemente, não está presente nessa hipótese.
O que se espera, portanto, é que a lei seja cumprida. Boa ou ruim, a lei oferece segurança jurídica, permitindo que se saiba quais serão as consequências legais. Do contrário, se for autorizado o não cumprimento das prescrições legais (ainda que sob sofismáticas vertentes hermenêuticas), o que se terá é a insegurança jurídica, permitindo-se que cada um interprete e aplique a lei de acordo com sua convicção.
Concluindo, pode dizer-se que, por mais que o julgamento do mensalão possa não ter sido um exemplo de julgamento (em razão dos vários empecilhos, discussões públicas e improvisações que ocorreram no julgamento), o fato é que representa um marco contra a impunidade. Mas que corre o risco de acabar esvaziado se a execução penal for desacreditada, com a concessão de benefícios que descaracterizam os rigores que devem estar presentes no cumprimento de penas, decorrentes da prática de crimes de alta gravidade para a nação.
Sérgio de Oliveira Netto é
procurador federal, mestre em Direito Internacional (Master of Law),
com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University —
Washington College of Law, especialista em Direito Civil e Processo
Civil e professor do curso de Direito da Universidade da Região de
Joinville — Univille (SC).
Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2014, 08:12h
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