sábado, 28 de março de 2015

Santarém de encantos mil...


RAZÕES E ENCANTOS DE UM ENCONTRO.

O encontro das águas dos rios Amazonas e Tapajós e do Solimões com Negro não é só um espetáculo da natureza. Eles são um verdadeiro encontro entre dois seres vivos, vibrantes com suas peculiaridades físico-químicas, que em nós humanos, chamamos de personalidade.

Gabriel García Márquez dizia que “todos temos três vidas: a vida pública, a vida privada e uma vida secreta”. Por sua vez, O frei Gaspar de Carvajal, quando desceu o rio Amazonas, junto com Orellana em 1542, deixou escrito em seu diário : “vimos a boca de outro grande rio que entrava pelo que navegávamos, pela margem esquerda, cuja água era negra como tinta e, por isso, o denominamos rio Negro. Suas águas corriam tanto e com tanta ferocidade que por mais de vinte léguas faziam uma faixa na outra água, sem com ela misturar-se.”

Mas qual a relação Márquez com Carvajal e o encontro das águas? Vejamos.

Durante muito tempo, os relatos de Carvajal foram considerados fantasiosos. Os estudos achavam que o solo da Amazônia, assim como seu aporte de proteína, não era suficiente para alimentar grandes populações indígenas sedentárias. As histórias dos rios gigantes e riquezas eram vistos como exageros dos relatos para se conseguirem fundos junto ao governo espanhol para manter as expedições.

Em 2007, um grupo de cientistas franceses e brasileiros, coordenados por Alain Laraque, fez um grande estudo do encontro das águas entre Negro e Solimões. Outro estudo, chefiado por Jhan Carlo E. Villar, estudou vários rios, entre eles o Tapajós e Amazonas. As principais conclusões dos estudos são surpreendentes. As águas não se misturam logo que os rios se encontram devido a vários fatores. Entre os principais estão a direção do curso das águas. Os rios se encontram em quase angulo reto, ou seja noventa graus. O Tapajós encontra uma verdadeira barragem hídrica que é o Amazonas, o qual se torna responsável pelo nível das águas de seu afluente. O Amazonas drena no oceano 20% de todas as águas doces do mundo. Em frente a Óbidos, ele já possui 80 % do volume que corre para o mar. A velocidade da corrente é bem diferente. O Amazonas, em média, tem velocidade 3 vezes maior que Negro e Tapajós. A temperatura do Amazonas é um grau Celsius abaixo que a do Tapajós e Negro, ou seja, o Amazonas é mais frio. Não por que nasce nos andes, mas por ser mais claro, absorvendo menos o calor do sol ( propriedade conhecido como albedo). O pH dos rios são bem diferentes: Negro com 4.9, Solimões com 6.7, Amazonas 6.5 e Tapajós com 7.2. A densidade do amazonas é maior que a do tapajós, fazendo que o Tapajós flutue sobre o Amazonas. Desta forma, temos dois encontros das águas: um horizontal e outro vertical. O encontro das águas vertical e o que vemos. Já o encontro horizontal não enxergamos, pois está na profundeza dos rios. Os dois rios só se misturam totalmente, a aproximadamente 110 km após se encontrarem (Negro e Solimões) de acordo com o estudo de Laraque. O que impressiona é que 110 km corresponde a proximamente 20 léguas, tal qual descreveu Carvajal em 1542 !

Com Márquez, o rio ganha vida. Ao contemplarmos o encontro das águas de nosso cais estamos vendo um espetáculo da vida pública de nossos rios. Mas eles também se reservam em uma vida privada com seu encontro horizontal, um sobre o outro. E mantem segredo do que muito temos que estudar.




Foto: Erik.


Referências:


Alain Laraque, Jean Loup Guyot and Naziano Filizola. Mixing processes in the Amazon River at the confluences of the Negro and Solimões Rivers, Encontro daságuas, Manaus, Brazil. Hydrological Processes. 23, 3131–3140 (2009).


Gerard M, Seyler P, Benedetti M.F, Alves V.P, Boaventura G.R and Sondag F. Rare earth elements in the Amazon basin. Hydrological Processes. 17, 1379–1392 (2003).


Jhan Carlo Espinoza Villar , Jean Loup Guyot , Josyane Ronchail , Gérard Cochonneau , Naziano Filizola , Pascal Fraizy , David Labat, Eurides de Oliveira., Juan Julio Ordoñez , Philippe Vauchel. Contrasting regional discharge evolutions in the Amazon basin (1974–2004). Journal of Hydrology 375 (2009) 297–311.

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