RAZÕES E ENCANTOS DE UM ENCONTRO.
O encontro das águas dos rios Amazonas e Tapajós e do Solimões com
Negro não é só um espetáculo da natureza. Eles são um verdadeiro
encontro entre dois seres vivos, vibrantes com suas peculiaridades
físico-químicas, que em nós humanos, chamamos de personalidade.
Gabriel García Márquez dizia que “todos temos três vidas: a vida pública, a vida privada e uma vida secreta”.
Por sua vez, O frei Gaspar de Carvajal, quando desceu o rio Amazonas,
junto com Orellana em 1542, deixou escrito em seu diário : “vimos a
boca de outro grande rio que entrava pelo que navegávamos, pela margem
esquerda, cuja água era negra como tinta e, por isso, o denominamos rio
Negro. Suas águas corriam tanto e com tanta ferocidade que por mais de
vinte léguas faziam uma faixa na outra água, sem com ela misturar-se.”
Mas qual a relação Márquez com Carvajal e o encontro das águas? Vejamos.
Durante muito tempo, os relatos de Carvajal foram considerados
fantasiosos. Os estudos achavam que o solo da Amazônia, assim como seu
aporte de proteína, não era suficiente para alimentar grandes populações
indígenas sedentárias. As histórias dos rios gigantes e riquezas eram
vistos como exageros dos relatos para se conseguirem fundos junto ao
governo espanhol para manter as expedições.
Em 2007, um grupo de
cientistas franceses e brasileiros, coordenados por Alain Laraque, fez
um grande estudo do encontro das águas entre Negro e Solimões. Outro
estudo, chefiado por Jhan Carlo E. Villar, estudou vários rios, entre
eles o Tapajós e Amazonas. As principais conclusões dos estudos são
surpreendentes. As águas não se misturam logo que os rios se encontram
devido a vários fatores. Entre os principais estão a direção do curso
das águas. Os rios se encontram em quase angulo reto, ou seja noventa
graus. O Tapajós encontra uma verdadeira barragem hídrica que é o
Amazonas, o qual se torna responsável pelo nível das águas de seu
afluente. O Amazonas drena no oceano 20% de todas as águas doces do
mundo. Em frente a Óbidos, ele já possui 80 % do volume que corre para o
mar. A velocidade da corrente é bem diferente. O Amazonas, em média,
tem velocidade 3 vezes maior que Negro e Tapajós. A temperatura do
Amazonas é um grau Celsius abaixo que a do Tapajós e Negro, ou seja, o
Amazonas é mais frio. Não por que nasce nos andes, mas por ser mais
claro, absorvendo menos o calor do sol ( propriedade conhecido como
albedo). O pH dos rios são bem diferentes: Negro com 4.9, Solimões com
6.7, Amazonas 6.5 e Tapajós com 7.2. A densidade do amazonas é maior que
a do tapajós, fazendo que o Tapajós flutue sobre o Amazonas. Desta
forma, temos dois encontros das águas: um horizontal e outro vertical. O
encontro das águas vertical e o que vemos. Já o encontro horizontal não
enxergamos, pois está na profundeza dos rios. Os dois rios só se
misturam totalmente, a aproximadamente 110 km após se encontrarem (Negro
e Solimões) de acordo com o estudo de Laraque. O que impressiona é que
110 km corresponde a proximamente 20 léguas, tal qual descreveu Carvajal
em 1542 !
Com Márquez, o rio ganha vida. Ao contemplarmos o
encontro das águas de nosso cais estamos vendo um espetáculo da vida
pública de nossos rios. Mas eles também se reservam em uma vida privada
com seu encontro horizontal, um sobre o outro. E mantem segredo do que
muito temos que estudar.
Foto: Erik.
Referências:
Alain Laraque, Jean Loup Guyot and Naziano Filizola. Mixing processes
in the Amazon River at the confluences of the Negro and Solimões Rivers,
Encontro daságuas, Manaus, Brazil. Hydrological Processes. 23,
3131–3140 (2009).
Gerard M, Seyler P, Benedetti M.F, Alves
V.P, Boaventura G.R and Sondag F. Rare earth elements in the Amazon
basin. Hydrological Processes. 17, 1379–1392 (2003).
Jhan Carlo
Espinoza Villar , Jean Loup Guyot , Josyane Ronchail , Gérard
Cochonneau , Naziano Filizola , Pascal Fraizy , David Labat, Eurides de
Oliveira., Juan Julio Ordoñez , Philippe Vauchel. Contrasting regional
discharge evolutions in the Amazon basin (1974–2004). Journal of
Hydrology 375 (2009) 297–311.
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