Deputado e condenado
A
decisão da Câmara dos Deputados de manter o mandato do deputado Natan
Donadon, condenado pelo Supremo Tribunal Federal pelos crimes de
peculato e formação de quadrilha, causa perplexidade, mas está amparada
na legalidade. A avaliação é da maioria dos constitucionalistas ouvidos
pela revista Consultor Jurídico.
Donadon foi
eleito deputado federal pelo PMDB de Rondônia, mas, com a condenação,
foi expulso do partido. Em 2010, o Supremo o condendou a 13 anos e
quatro meses de prisão em regime fechado. Hoje, com o trânsito em
julgado da decisão, ele cumpre pena na prisão da Papuda, no Distrito
Federal, onde está desde junho deste ano. Com a condenação veio a
discussão sobre se ele deveria ou não perder o mandato de deputado.
A
questão está posta no artigo 55 da Constituição Federal e seus incisos e
parágrafos. O artigo trata dos casos em que o parlamentar perde o
mandato, e o inciso VI fala da condenação criminal como um deles. Só que
o parágrafo 2º diz que, no caso do inciso VI, cabe ao Senado ou à
Câmara decidir, por voto secreto e maioria absoluta, sobre a cassação.
No
o julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, o Supremo
decidiu pela perda dos mandatos dos deputados João Paulo Cunha (PT-SP),
Pedro Henry (PP-MT), José Genoíno (PT-SP) e Valdemar Costa Neto (PT-SP).
Por maioria, os ministros entenderam que o inciso IV do artigo 55
ensejaria a cassação. O dispositivo diz que perderá o mandato o deputado
ou senador que tiver seus direitos políticos suspensos. E o artigo 15
da Constituição afirma que a condenação criminal acarreta na suspensão
dos direitos políticos.
Mas, quando condenou o senador Ivo Cassol
(PP-RO), novamente por maioria, o Supremo entendeu que a decisão da
perda do mandato caberia ao Senado. A decisão foi de que se aplica a
esses casos o parágrafo 2º do artigo 55, e o Senado ainda não se
decidiu. O problema do caso de Donadon foi que, depois de condenado, a
Câmara o manteve o deputado federal.
Texto claro
Só que, para os especialistas ouvidos pela ConJur, não
há nada de atípico na situação de Natan Donadon. “Por mais absurdo que
possa parecer, a interpretação mais harmoniosa com o texto
constitucional é a de que a perda de mandato depende da votação da
Câmara”, sintetiza Edson Nobre, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados.
O mesmo entendimento tem Carlos Ari Sundfeld,
professor de Direito Constitucional da FGV: “A Constituição não quis
dar à Justiça o poder de tirar o mandato do deputado”. Ele explica que,
quando a regra foi feita, logo após a ditadura militar, buscou-se evitar
condenações por processos políticos. “A Constituição não confiou
inteiramente na Justiça e quis dar à Câmara a última palavra.”
Sundfeld
também criticou o posicionamento do STF na AP 470. “O que o Supremo fez
no mensalão foi forçar a barra para responder uma opinião pública
insatisfeita com o sistema em geral”, afirma. “Essa interpretação não
faz o menor sentido. Se existe uma regra expressa para o caso dos
deputados, então a perda não é automática. Fazer interpretação para
eliminar norma é um abuso.”
Seundfeld defende que, se o Supremo
está incomodado com as regras atuais, deveria propor uma Emenda
Constitucional para alterá-las, já que tem poder para isso. “Por que os
ministros não se reúnem, propõem uma emenda, fazem um discurso à nação e
um ato político que encurrale o Congresso?”, indaga.
Falta de clareza
O constitucionalista Ives Gandra da Silva Martins diz
que a Constituição não é clara quanto ao ponto em questão. “A
interpretação poderia ser de um lado ou de outro”, afirma. Apesar disso,
ele acredita que a decisão da Câmara está respaldada pelo
posicionamento recente do STF, que deixou claro, nos casos de Cassol e
Donadon, que o Legislativo é quem deve decidir. Mas defende que nesses
casos a perda de mandato deveria ser automática: “Um mandato que não
pode ser exercido é como se não existisse”.
Já Daniel Gerber,
criminalista do escritório Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados
Associados, avalia que os crimes decorrentes da função deveriam implicar
na perda de cargo. “Se o crime decorre da má utilização do cargo, o
cargo deve ser cassado”. Assim, ele defende que a perda de mandato
deveria ter sido decidida pelo STF.
Sundfeld avalia que a decisão
da Câmara é uma resposta ao sistema atual e que os agentes públicos
estão acossados na Justiça por uma infinidade de processos. “Há muitas
oportunidades para mover ações contra pessoas que exercem funções
públicas, e em muitas situações com toda razão. Mas também existe o uso
político: o Ministério Público movendo ações meio vagas e juízes que
julgam com sentimento político. Os políticos acham que o sistema está
mal montado e estão sendo perseguidos.”