Problemática
Diante de decisões injustas de nossos órgãos
jurisdicionais, pergunta-se: devemos nos contentar, dentro de uma visão
fechada, com uma sentença notadamente injusta/ilegal, por estar acobertada pela
coisa julgada, em função da segurança nas relações sociopolítico-jurídicas?
Comentando
A jurisdição tem como característica a
definitividade, o que significa dizer que a sentença, mais cedo ou mais tarde,
pela ausência de recurso ou pelo esgotamento deles, tende a se tornar
definitiva, como sendo, imutável.
O Direito, como verdadeira ciência social
hermenêutica, projetora de comportamentos, inclina-se sempre no sentido de
perseguir o mundo ideal, meta do dever ser, de natureza eminentemente
axiológica, numa incessante busca da verdade real, como sendo, na perene
explicação evolutiva dos diversos fenômenos sociais.
Partindo daí, o ideal seria que o binômio
axiológico do direito - segurança e justiça - convivesse sempre; contudo, às
vezes a segurança se impõe à justiça para manter a ordem jurídica, tendo em
vista preferir-se a aceitação excepcional de uma injustiça isolada, localizada, a uma
insegurança generalizada, o que certamente redundaria num processo ''ad eternum'',
trazendo instabilidade social.
Oportuno lembrarmos que o processo, como
instrumento de atuação da jurisdição, cujo escopo é a aplicação concreta da
norma, ou melhor do direito, eis que o direito não se resume na norma, tem como
finalidade a justa e efetiva composição do conflito, desde que garantidos os
direitos das partes na dialética processual.
Desta forma, a sentença injusta e/ou ilegal,
acobertada pela coisa julgada, ordinariamente não causa perplexidade aos
operadores do direito (advogado, juiz e promotor), em razão do tecnicismo.
Contudo, aos leigos, estes absurdos jurídicos saltam aos olhos, deixando-os
confusos e estupefatos. Torna-se incompreensível ao homem médio o impediente
causado pela coisa julgada, por exemplo, privando alguém de ter como pai aquele
que realmente o é, ou impondo a alguém um suposto filho que realmente não o é,
antes do advento do DNA.
Para solucionar o problema, que comprovadamente
acontece, é de bom alvitre admitir-se a possibilidade de se rever a coisa
julgada em caráter excepcional, quando a injustiça ou ilegalidade na decisão for
categoricamente provada através de ação autônoma, como ocorre com os atos
jurídicos em geral.
Se no processo penal a justiça prevalece à
segurança, autorizando a revisão da sentença a qualquer tempo, mediante o
manejo de ação autônoma impugnativa (ação revisional), por que no processo
civil ocorre o inverso, quando a jurisdição, como expressão da soberania
estatal é una e indivisível e o processo seu instrumento de exteriorização?
Muito embora sejam os recursos, como extensão do
próprio direito de ação, a forma natural de se impugnar ato ou provimento judicial (decisão
interlocutória, sentença e acórdão), o direito positivo admite, por intermédio de ação
autônoma constitutiva negativa (art. 485 do CPC), a rescisão da sentença
meritória já sob o manto da coisa julgada, flexibilizando a imutabilidade deste
instituto, desde que dita ação/impugnação seja proposta no curso de dois anos
do trânsito em julgado, sob pena de decadência.
Por via oblíqua, admite também o Código de Ritos
a revisão da coisa julgada quando a decisão estiver deitada sobre um processo
absolutamente nulo, como na hipótese do art. 741, I, do CPC, pelo manejo de
Embargos do Devedor, que, embora defesa, tem natureza de ação cognitiva
incidental (verdadeiro parêntese cognitivo instaurado no curso da
execução), com o objetivo de desconstituir a eficácia do título executivo ou
nulificá-lo.
Mas a ação rescisória é apenas o protótipo de
ação autônoma impugnativa, porquanto a doutrina e a jurisprudência pátria, em
caráter extraordinário, vêm aceitando a impetração de mandado de segurança, bem
como a propositura de ação anulatória com o mesmo fim.
Por todo o exposto, deve-se afrouxar o nó para
permitir, excepcionalmente, o ataque à coisa julgada, pois não é crível, lógico,
nem razoável sepultar-se, sob o pretexto de garantir a estabilidade das
relações jurídicas, um processo que mantém vivo e palpitante uma injustiça,
como inegavelmente ocorre na prática forense, para o descrédito da própria
jurisdição.
Entretanto, para se mexer com a coisa julgada
material, deve-se privilegiar o princípio do ''in dubio pro judicato'', o que
significa afirmar que a coisa julgada, até prova irretocável, permanece
imutável.
Enfim, não se está pretendendo, através do
presente trabalho, proclamar a desvalorização da ''auctoritas rei judicatae'', mas tão-somente destacar a necessidade de se corrigir flagrantes injustiças
excepcionalmente acobertadas pelo instituto da coisa julgada, restabelecendo,
orientado pelo critério do justo e do equitativo, a ordem jurídica que
permanecia absurdamente atrofiada.
Portanto, encontrar o equilíbrio entre as duas
aspirações do Direito - Segurança e Justiça - com a prevalência da ética, sem
olvidar a economia, deve ser uma preocupação do jurista moderno, fazendo com
que esse binômio axiológico conviva harmonicamente em todo o provimento
jurisdicional, como sói ocorrer na jurisdição penal, através da ação
revisional, posto que a justiça deve ser tida como um valor excelso a orientar
a elaboração e aplicação do direito, não podendo de forma alguma ser
sacrificada.
* Matéria da lavra do subscritor do blog, publicada na Revista Síntese Trabalhista n° 166; Boletim Adcoas n° 37; Boletim Doutrina Adcoas n° 38, e; Informativo Jurídico: ''in'' consulex.
* Matéria da lavra do subscritor do blog, publicada na Revista Síntese Trabalhista n° 166; Boletim Adcoas n° 37; Boletim Doutrina Adcoas n° 38, e; Informativo Jurídico: ''in'' consulex.
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