segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Flexibilização/Relativização da Coisa Julgada

Problemática

Diante de decisões injustas de nossos órgãos jurisdicionais, pergunta-se: devemos nos contentar, dentro de uma visão fechada, com uma sentença notadamente injusta/ilegal, por estar acobertada pela coisa julgada, em função da segurança nas relações sociopolítico-jurídicas?

Comentando

A jurisdição tem como característica a definitividade, o que significa dizer que a sentença, mais cedo ou mais tarde, pela ausência de recurso ou pelo esgotamento deles, tende a se tornar definitiva, como sendo, imutável.

O Direito, como verdadeira ciência social hermenêutica, projetora de comportamentos, inclina-se sempre no sentido de perseguir o mundo  ideal, meta do dever ser, de natureza eminentemente axiológica, numa incessante busca da verdade real, como sendo, na perene explicação evolutiva dos diversos fenômenos sociais.

Partindo daí, o ideal seria que o binômio axiológico do direito - segurança e justiça - convivesse sempre; contudo, às vezes a segurança se impõe à justiça para manter a ordem jurídica, tendo em vista preferir-se a aceitação excepcional de uma injustiça isolada, localizada, a uma insegurança generalizada, o que certamente redundaria num processo ''ad eternum'', trazendo instabilidade social.

Oportuno lembrarmos que o processo, como instrumento de atuação da jurisdição, cujo escopo é a aplicação concreta da norma, ou melhor do direito, eis que o direito não se resume na norma, tem como finalidade a justa e efetiva composição do conflito, desde que garantidos os direitos das partes na dialética processual.

Desta forma, a sentença injusta e/ou ilegal, acobertada pela coisa julgada, ordinariamente não causa perplexidade aos operadores do direito (advogado, juiz e promotor), em razão do tecnicismo. Contudo, aos leigos, estes absurdos jurídicos saltam aos olhos, deixando-os confusos e estupefatos. Torna-se incompreensível ao homem médio o impediente causado pela coisa julgada, por exemplo, privando alguém de ter como pai aquele que realmente o é, ou impondo a alguém um suposto filho que realmente não o é, antes do advento do DNA.

Para solucionar o problema, que comprovadamente acontece, é de bom alvitre admitir-se a possibilidade de se rever a coisa julgada em caráter excepcional, quando a injustiça ou ilegalidade na decisão for categoricamente provada através de ação autônoma, como ocorre com os atos jurídicos em geral. 

Se no processo penal a justiça prevalece à segurança, autorizando a revisão da sentença a qualquer tempo, mediante o manejo de ação autônoma impugnativa (ação revisional), por que no processo civil ocorre o inverso, quando a jurisdição, como expressão da soberania estatal é una e indivisível e o processo seu instrumento de exteriorização?

Muito embora sejam os recursos, como extensão do próprio direito de ação, a forma natural de se impugnar ato  ou provimento judicial (decisão interlocutória, sentença e acórdão), o direito positivo admite, por intermédio de ação autônoma constitutiva negativa (art. 485 do CPC), a rescisão da sentença meritória já sob o manto da coisa julgada, flexibilizando a imutabilidade deste instituto, desde que dita ação/impugnação seja proposta no curso de dois anos do trânsito em julgado, sob pena de decadência.

Por via oblíqua, admite também o Código de Ritos a revisão da coisa julgada quando a decisão estiver deitada sobre um processo absolutamente nulo, como na hipótese do art. 741, I, do CPC, pelo manejo de Embargos do Devedor, que, embora defesa, tem natureza de ação cognitiva incidental (verdadeiro parêntese cognitivo instaurado no curso da execução), com o objetivo de desconstituir a eficácia do título executivo ou nulificá-lo.

Mas a ação rescisória é apenas o protótipo de ação autônoma impugnativa, porquanto a doutrina e a jurisprudência pátria, em caráter extraordinário, vêm aceitando a impetração de mandado de segurança, bem como a propositura de ação anulatória com o mesmo fim.

Por todo o exposto, deve-se afrouxar o nó para permitir, excepcionalmente, o ataque à coisa julgada, pois não é crível, lógico, nem razoável sepultar-se, sob o pretexto de garantir a estabilidade das relações jurídicas, um processo que mantém vivo e palpitante uma injustiça, como inegavelmente ocorre na prática forense, para o descrédito da própria jurisdição.

Entretanto, para se mexer com a coisa julgada material, deve-se privilegiar o princípio do ''in dubio pro judicato'', o que significa afirmar que a coisa julgada, até prova irretocável, permanece imutável.

Enfim, não se está pretendendo, através do presente trabalho, proclamar a desvalorização da ''auctoritas rei judicatae'', mas tão-somente destacar a necessidade de se corrigir flagrantes injustiças excepcionalmente acobertadas pelo instituto da coisa julgada, restabelecendo, orientado pelo critério do justo e do equitativo, a ordem jurídica que permanecia absurdamente atrofiada.

Portanto, encontrar o equilíbrio entre as duas aspirações do Direito - Segurança e Justiça - com a prevalência da ética, sem olvidar a economia, deve ser uma preocupação do jurista moderno, fazendo com que esse binômio axiológico conviva harmonicamente em todo o provimento jurisdicional, como sói ocorrer na jurisdição penal, através da ação revisional, posto que a justiça deve ser tida como um valor excelso a orientar a elaboração e aplicação do direito, não podendo de forma alguma ser sacrificada.

* Matéria da lavra do subscritor do blog, publicada na Revista Síntese Trabalhista n° 166; Boletim Adcoas n° 37; Boletim Doutrina Adcoas n° 38, e; Informativo Jurídico: ''in'' consulex.









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