Publicado por Endireitados
O Site migalhas apresentou uma matéria bem interessante sobre o surgimento do Exame de Ordem. Matéria esta, que você pode conferir abaixo.
Em
março de 1968, o juiz de Direito Ennio Bastos de Barros, da 10ª vara
Cível de SP, devolvia à seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil a
petição subscrita por um profissional despreparado para o ofício da
advocacia.
O advogado, que "se revelou de um primarismo palmar", entrava naquele momento para o rol de operadores do Direito de "ignóbil nível de conhecimento jurídico", com erros crassos de português e sem "o mínimo de formação cultural".
Com
grifos que apontavam para "denumciados", "vestijos", "emediatos" e
"posivel", o magistrado encaminhou a mensagem abaixo à direção da
seccional:
"Como essa entidade, nos termos do art. 1º da Lei 4.215,
de 27 de abril de 1963, é 'órgão de seleção disciplinar e de defesa da
classe dos advogados', acredito seja de seu interesse apurar as razões
da inépcia desse integrante de seus quadros."
Na época, o antigo Estatuto da Ordem (lei 4.215/63)
dizia que era necessário aos que quisessem se inscrever no órgão de
classe, além do diploma de bacharel, certificado de comprovação do
exercício de estágio ou de habilitação no exame de Ordem. Ou seja, o
famigerado exame era facultativo.
Para entender esse complexo
quadro e avaliar a importância da prova é preciso remontar ao século XIX
e compreender, de migalha em migalha, porque o exame é um "instrumento
de defesa do interesse público". Com a palavra, dr. Cid Vieira de Souza, ex-bâtonnier da advocacia paulista.
"O
Exame de Ordem não constitui um segundo vestibular, nem se compara,
pela simplicidade das questões que versa, aos concursos de ingresso nas
carreiras de especialização profissional, como vem sendo afirmado pelos
que combatem a medida moralizadora. As matérias submetidas aos
candidatos são simples (...) Trata-se de problemas rotineiros e
singelos, perfeitamente ao alcance de um advogado principiante, desde
que seu curso de bacharelado tenha sido regular e correto (...) É um
sistema destinado a verificar se o candidato reúne as condições mínimas
para o exercício de tão nobre profissão, sem o qual pessoas
despreparadas intelectualmente estarão patrocinando mal questões
relacionadas com o patrimônio, a honra, a liberdade e a própria vida dos
clientes que as procurem."
(Exame de Ordem como instrumento de defesado interesse público - OAB/SP, 1971)
Proliferação de cursos jurídicos
Os cursos jurídicos surgiram no Brasil Império, em 1827. Decreto de Dom Pedro I determinava que "crear-se-ão dous Cursos de sciencias jurídicas e sociais, um na cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda", com duração de cinco anos – crucial para a consolidação da vida política e intelectual da nação.
Em
São Paulo, já na década de 1970, o então presidente da OAB/SP, Cid
Vieira de Souza demonstrava preocupação com os destinos da advocacia,
diante da proliferação das Faculdades de Direito (em 1971, eram 34
Academias de Direito no Estado de SP). "Com a média de 500 vagas
por Faculdade, haverá, anualmente, 17.000 novos bacharéis em Direito,
muitos dos quais de equívoca formação cultural."
(O Estado de S. Paulo, 10 de dezembro de 1969 - clique aqui)
(O Estado de S. Paulo, 11 de agosto de 1968 - clique aqui)
A
adequada formação e qualificação dos profissionais, entretanto, segundo
Vieira de Souza, não estava acompanhando o ritmo de crescimento das
Faculdades, de modo que frequentemente petições lastimáveis de advogados
eram enviadas à Ordem.
"Petições subscritas por advogados
regularmente inscritos na OAB constituem motivo de chacota por parte de
juízes, promotores e serventuários da Justiça, de tal forma ridícula e
grotesca são elas redigidas", informava o então presidente da OAB/SP.
Neste
cenário, a seleção de profissionais por meio do estágio ou exame foi
apontada como uma saída para a preservação das tradições éticas e
culturais da advocacia.
(Acórdão pela reprovação de bacharel no exame de Ordem)
Lei 4.215/63
Em 1963, surgiu a lei 4.215, que representou o "coroamento
da luta da classe em favor de uma regulamentação do ingresso nos
quadros da Ordem, compatível com as exigências do atual quadro do ensino
jurídico".
Art. 47. A Ordem dos Advogados do
Brasil Compreende os seguintes quadros:(...) III - certificado de
comprovação do exercício e resultado do estágio, ou de habilitação no
Exame de Ordem (arts. 18, inciso VIII, letras a e "'b" e 53);
A
lógica, então, era simples: não bastava, para o ingresso nos quadros da
Ordem, a mera apresentação do diploma; as faculdades deveriam
reaparelhar e melhorar seus currículos, para compatibilizá-los com a
nova realidade. Caso contrário, naufragariam na falta de alunos, os
quais optariam por dar preferência àquelas com altos índices de
aprovação.
"Ao contrário do que possa parecer, a exigência
do Estágio ou Exame de Ordem não constitui qualquer desprestígio para as
Faculdades sérias, pois é necessário que se acabe de uma vez por todas
com a falsa ideia de que as Faculdades de Direito formam advogados."
Para
não acrescentar mais de dois anos ao currículo do candidato a advogado,
adotou-se essa fórmula transacional ao sistema dominante nos Estados
Unidos e na Europa, ainda mais rigoroso que o estabelecido no
anteprojeto que deu origem à norma.
Primeiras aplicações
O
Estado de São Paulo foi o primeiro a aplicar a prova, em 1971. O
certame foi realizado em duas fases e reuniu poucos candidatos. Passaram
a ser realizadas quatro edições por ano (março, julho, setembro e
dezembro).
Os bacharéis em Direito formados até 1973 ficaram
isentos de prestar o Exame, mas, em 1974, a prova passou a ser
obrigatória em todo o Estado. Durante este ano, se inscreveram 211
bacharéis, sendo aprovados 154.
Depoimentos de advogados que fizeram a prova em 1974 (Fonte OAB/SP):
Fábio Ferreira de Oliveira – Conselheiro da OAB/SP e Ex-presidente da AASP
"Não
me surpreende o alto grau de reprovação do Exame de Ordem atualmente.
Considero que a prova era mais fácil do que hoje, porque a média entre
as provas escrita e oral era de 5 pontos. Na escrita, fiz uma peça sobre
revisional de alimentos, que para mim foi fácil porque eu já estagiava e
tirei nota 9. Só precisava tirar 1 ponto na prova oral, mas também fui
bem e fiquei com média final alta."
Cícero Harada – Procurador do Estado aposentado e Ex-conselheiro da OAB/SP
"Não
tive dificuldades no Exame de Ordem porque meu pai, que era advogado,
me dizia para eu ler. Então eu lia muito, importava livros e lia. Tanto
que quando fui prestar concurso para procurador, passei sem estudar.
Hoje, os estudantes reclamam, mas percebemos (já fui professor) que, a
cada ano, a base educacional dos alunos é pior. Quando chegam à
faculdade, eles estão sem base e não conseguem acompanhar o programa da
faculdade. Eles não sabem interpretar uma lei, por exemplo, porque o
Direito parece fácil, mas não é. É preciso saber interpretar uma lei à
luz da Constituição, das leis complementares e da situação fática."
José Luiz da Silva Leme Taliberti – Advogado
"Quando
prestei o Exame de Ordem, a prova era mais voltada para o aspecto
prático da advocacia. Hoje, deixa a desejar nesse aspecto, mas entra em
questões mais profundas, testa o conhecimento e é preciso mesmo ser cada
vez mais forte porque os estudantes estão cada vez mais despreparados.
Não tive problemas para ser aprovado porque trabalhava desde o primeiro
ano da faculdade. E depois, por muitos anos, apliquei a prova oral no
Exame, mas acho que a prova é essencial."
Novas disposições
Em 1972, a lei foi modificada, dispensando do exame de Ordem e de comprovação de estágio os bacharéis que houvessem realizado "junto às respectivas faculdades, estágio de prática forense e organização judiciária".
Na
década de 1980, a crise no ensino jurídico foi intensificada pelo
significativo aumento na oferta de faculdades e de profissionais pouco
qualificados para o exercício da advocacia. Em 1994, então, entra em
vigor o Estatuto da Advocacia e a OAB (lei 8.906), que tornou definitivamente obrigatório o exame de Ordem.
Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:(...) IV - aprovação em Exame de Ordem;
A
partir daí, para ingressar nos quadros da OAB seria necessário ao
bacharel em Direito, entre outros quesitos, a aprovação na prova. Cada
Estado, no caso, tinha autonomia para aplicar os exames.
Unificação das provas
Em
2007, um novo movimento começava a ser visto nas OABs com relação ao
exame de Ordem. Neste ano, em abril, 17 seccionais realizaram pela
primeira vez a prova com conteúdo unificado. Quatro meses depois, em
agosto, este número subiu para vinte.
Posteriormente, as demais
seccionais aderiram à forma de aplicar o certame, que alcançou seu cume
no terceiro exame de 2009, quando todas as seccionais da OAB realizaram a
prova unificada.
O Conselho Federal da OAB aprovou, em 20 de
outubro de 2009, o provimento 136/09, que normatiza o exame de Ordem,
unificando conteúdo e aplicação da prova em todo o país.
Imprescindibilidade
Em
parecer, publicado pela Revista dos Tribunais, o advogado J. Nascimento
Franco, então membro do conselho seccional de SP da OAB, tratou da
questão ao analisar caso envolvendo inscrição de um candidato – o qual
repetiu cinco vezes o primeiro ano – de "desconhecimento quase completo do idioma pátrio, requisito mínimo para o exercício da advocacia".
Incitado pelo caso, Franco consignou: "Prestando
um serviço de extraordinária expressão social, o advogado não exerce
uma profissão aberta a todo e qualquer indivíduo que possa, com o pedido
de inscrição em seus quadros, exibir um atestado de bons antecedes
criminais e um diploma passado por qualquer escola formalmente
habilitada perante o Ministério da Educação."
"Para evitar (...) desmoralização total da advocacia, devem os Conselhos Seccionais agir decididamente, com base no art. 28, n. X, da Lei 4.215,
de 1963, e indeferir a inscrição aos candidatos que, por palavras, atos
ou escritos, se mostrem intelectualmente despreparados para o exercício
da profissão (...). É o mínimo que a Ordem poderá e deverá fazer na
realização dos seus fins, no aperfeiçoamento da Justiça, até que o
legislador se convença da necessidade de se instituir o 'exame de ordem'
já consagrado pelos povos mais cultos do mundo."
Fonte: Migalhas
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