Responsabilidade civil
O
Colégio Brasileiro de Cirurgiões revela que 14% dos médicos brasileiros
já foram processados sob a alegação de erro médico. Destes processos,
58% são ações cíveis, nos quais se pede indenização; 30% são queixas nos
Conselhos Regionais de Medicina (CRM); e 12 % envolvem queixas no
âmbito criminal.
Entre os anos de 2000 e 2006, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) verificou um crescimento no volume de denúncias contra profissionais da saúde de cerca de 75%. Já no Superior Tribunal de Justiça, o número de processos por erro médico recebidos entre os anos de 2010 e 2014 cresceu 140%.
Dos mais variados tipos de procedimentos médicos levados a litígio, a maioria dos casos envolve supostos erros em cirurgias estéticas, obstétricas e bariátricas. Há também questões relacionadas a erros de diagnóstico, tratamentos equivocados, entre outros.
O aumento do número de processos em que se questiona a responsabilidade dos profissionais de saúde por falhas no tratamento de seus pacientes pode ser analisada sob muitos aspectos — e nenhum deles excludente dos demais: a má qualidade de ensino oferecida por muitas instituições de ensino; as condições precárias de trabalho encontradas por muitos profissionais e que naturalmente impactam sobre o atendimento prestado; um maior acesso à informação dos próprios pacientes, que passam a ser mais questionadores e conscientes de seus direitos, etc.
A verdade é que uma situação envolvendo um erro médico, por si só traz uma carga dramática que lhe é inerente, tanto para o paciente, possível vítima de uma falha; como para o médico, que tem sua conduta questionada.
Por certo que a noção da responsabilidade civil guarda em si um sentimento social e humano, que fundamenta, no plano moral, a sujeição do causador de um dano à reparação da lesão. No entanto, esta concepção social não pode — e nem deve — conduzir ao afastamento ou esquecimento dos princípios jurídicos que norteiam a responsabilidade civil.
Na concepção social, sempre que alguém causar um dano, deverá repará-lo, mas esta concepção deve ser enquadrada nos ditames jurídicos, para que efetivamente surja o dever de reparação e a sua correta imputação. Esse enquadramento exige, tecnicamente, o preenchimento de determinados pressupostos e a identificação do fundamento adequado da responsabilidade civil no caso concreto.
Como bem aponta a professora Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva “(...) a identificação exata do significado de pressupostos e de fundamentos leva à organização das ideias e à clareza do raciocínio lógico na apreciação do caso concreto. Note-se que não se trata de firula terminológica a distinção entre pressupostos e fundamentos, mas de utilização de instrumental técnico-jurídico indispensável na responsabilidade civil” [1].
Passemos então a uma rápida análise de tais pressupostos.
Como regra, o profissional de saúde assume em relação ao seu paciente uma "obrigação de meio" e não uma "obrigação de resultado". Isto porque a obrigação do médico, naturalmente, não é (e nem poderia ser), garantir o resultado de cura do paciente. Ao contrário, sua obrigação é de usar todo o seu conhecimento e meios técnicos disponíveis para, na medida do possível, alcançar a cura.
Assim, para que se possa falar em ocorrência de erro médico e eventual responsabilização do profissional, é essencial que, no caso concreto, se possa identificar uma conduta considerada ilícita, incorreta, em desacordo com a boa prática médica, que demonstre a desídia, a negligência, a imprudência na condução do caso do paciente. Eis, portanto, o primeiro pressuposto para caracterização da responsabilidade civil: uma ação (ou omissão) ilícita.
O segundo pressuposto para caracterização da responsabilidade civil é o dano, que pode ser definido como toda lesão a um bem juridicamente protegido, causando prejuízo de ordem patrimonial ou extrapatrimonial.
Rui Stoco[2] preleciona: “O dano é, pois, elemento essencial e indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato ilícito ou de inadimplemento contratual, independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva”.
Assim, ainda que tenha havido conduta equivocada do médico, se não houve prejuízo ou dano concreto ao paciente, não há que se cogitar em responsabilidade civil do profissional.
Como exemplo, mencione-se o caso de um paciente que, ao apresentar manchas de pele, procurou um dermatologista que o diagnosticou erroneamente com vitiligo. Em seguida, ao consultar outro profissional para segunda opinião, chegou-se ao diagnóstico correto de lúpus, sendo que após o tratamento adequado, as manchas na pele desaparecem sem maiores complicações.
Naturalmente houve uma falha por parte do primeiro profissional. No entanto, não há que se falar em ocorrência de dano, posto que o paciente obteve posteriormente correto diagnóstico e tratamento eficaz não havendo sequelas.
Perceba-se, portanto, que ainda que tenha havido falha do médico que realizou o primeiro atendimento, não houve dano concreto ao paciente e, portanto, ausente pressuposto a ensejar reparação civil.
Por fim, o terceiro pressuposto para caracterização do dever de indenizar é justamente o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano dela decorrente. Conforme preleciona Silvio de Salvo Venosa, o nexo causal "(...) é o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida"[3].
Imagine-se a hipótese em que um cirurgião esquece uma gaze no interior do corpo do paciente. O paciente, por sua vez, vem a falecer em virtude de infarto agudo do miocárdio. Embora clara a existência de conduta culposa por parte do médico, o evento morte não guarda qualquer relação com a atuação do médico.
Neste caso, por mais que esteja evidente a falha do profissional, tecnicamente, não se caracteriza a responsabilidade civil deste em virtude da ausência do pressuposto de nexo causal entre sua conduta e o resultado morte.
Uma correta análise técnica dos pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil é essencial tanto para melhor embasar pleitos legítimos de pacientes, como para permitir uma sólida defesa de médicos que, porventura, venham a ter sua conduta profissional questionadas.
Entre os anos de 2000 e 2006, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) verificou um crescimento no volume de denúncias contra profissionais da saúde de cerca de 75%. Já no Superior Tribunal de Justiça, o número de processos por erro médico recebidos entre os anos de 2010 e 2014 cresceu 140%.
Dos mais variados tipos de procedimentos médicos levados a litígio, a maioria dos casos envolve supostos erros em cirurgias estéticas, obstétricas e bariátricas. Há também questões relacionadas a erros de diagnóstico, tratamentos equivocados, entre outros.
O aumento do número de processos em que se questiona a responsabilidade dos profissionais de saúde por falhas no tratamento de seus pacientes pode ser analisada sob muitos aspectos — e nenhum deles excludente dos demais: a má qualidade de ensino oferecida por muitas instituições de ensino; as condições precárias de trabalho encontradas por muitos profissionais e que naturalmente impactam sobre o atendimento prestado; um maior acesso à informação dos próprios pacientes, que passam a ser mais questionadores e conscientes de seus direitos, etc.
A verdade é que uma situação envolvendo um erro médico, por si só traz uma carga dramática que lhe é inerente, tanto para o paciente, possível vítima de uma falha; como para o médico, que tem sua conduta questionada.
Por certo que a noção da responsabilidade civil guarda em si um sentimento social e humano, que fundamenta, no plano moral, a sujeição do causador de um dano à reparação da lesão. No entanto, esta concepção social não pode — e nem deve — conduzir ao afastamento ou esquecimento dos princípios jurídicos que norteiam a responsabilidade civil.
Na concepção social, sempre que alguém causar um dano, deverá repará-lo, mas esta concepção deve ser enquadrada nos ditames jurídicos, para que efetivamente surja o dever de reparação e a sua correta imputação. Esse enquadramento exige, tecnicamente, o preenchimento de determinados pressupostos e a identificação do fundamento adequado da responsabilidade civil no caso concreto.
Como bem aponta a professora Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva “(...) a identificação exata do significado de pressupostos e de fundamentos leva à organização das ideias e à clareza do raciocínio lógico na apreciação do caso concreto. Note-se que não se trata de firula terminológica a distinção entre pressupostos e fundamentos, mas de utilização de instrumental técnico-jurídico indispensável na responsabilidade civil” [1].
Passemos então a uma rápida análise de tais pressupostos.
Como regra, o profissional de saúde assume em relação ao seu paciente uma "obrigação de meio" e não uma "obrigação de resultado". Isto porque a obrigação do médico, naturalmente, não é (e nem poderia ser), garantir o resultado de cura do paciente. Ao contrário, sua obrigação é de usar todo o seu conhecimento e meios técnicos disponíveis para, na medida do possível, alcançar a cura.
Assim, para que se possa falar em ocorrência de erro médico e eventual responsabilização do profissional, é essencial que, no caso concreto, se possa identificar uma conduta considerada ilícita, incorreta, em desacordo com a boa prática médica, que demonstre a desídia, a negligência, a imprudência na condução do caso do paciente. Eis, portanto, o primeiro pressuposto para caracterização da responsabilidade civil: uma ação (ou omissão) ilícita.
O segundo pressuposto para caracterização da responsabilidade civil é o dano, que pode ser definido como toda lesão a um bem juridicamente protegido, causando prejuízo de ordem patrimonial ou extrapatrimonial.
Rui Stoco[2] preleciona: “O dano é, pois, elemento essencial e indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato ilícito ou de inadimplemento contratual, independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva”.
Assim, ainda que tenha havido conduta equivocada do médico, se não houve prejuízo ou dano concreto ao paciente, não há que se cogitar em responsabilidade civil do profissional.
Como exemplo, mencione-se o caso de um paciente que, ao apresentar manchas de pele, procurou um dermatologista que o diagnosticou erroneamente com vitiligo. Em seguida, ao consultar outro profissional para segunda opinião, chegou-se ao diagnóstico correto de lúpus, sendo que após o tratamento adequado, as manchas na pele desaparecem sem maiores complicações.
Naturalmente houve uma falha por parte do primeiro profissional. No entanto, não há que se falar em ocorrência de dano, posto que o paciente obteve posteriormente correto diagnóstico e tratamento eficaz não havendo sequelas.
Perceba-se, portanto, que ainda que tenha havido falha do médico que realizou o primeiro atendimento, não houve dano concreto ao paciente e, portanto, ausente pressuposto a ensejar reparação civil.
Por fim, o terceiro pressuposto para caracterização do dever de indenizar é justamente o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano dela decorrente. Conforme preleciona Silvio de Salvo Venosa, o nexo causal "(...) é o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida"[3].
Imagine-se a hipótese em que um cirurgião esquece uma gaze no interior do corpo do paciente. O paciente, por sua vez, vem a falecer em virtude de infarto agudo do miocárdio. Embora clara a existência de conduta culposa por parte do médico, o evento morte não guarda qualquer relação com a atuação do médico.
Neste caso, por mais que esteja evidente a falha do profissional, tecnicamente, não se caracteriza a responsabilidade civil deste em virtude da ausência do pressuposto de nexo causal entre sua conduta e o resultado morte.
Uma correta análise técnica dos pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil é essencial tanto para melhor embasar pleitos legítimos de pacientes, como para permitir uma sólida defesa de médicos que, porventura, venham a ter sua conduta profissional questionadas.
[1] TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz (Coord.) Responsabilidade civil na área da saúde. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009
[2] STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed.. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2007.
[3] VENOSA,
Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 5ª ed. São
Paulo. Ed. Atlas. (coleção Direito Civil, v. 4), p.53.
Autor do texto: Luciano Correia Bueno Brandão é
advogado titular do Escritório Bueno Brandão Advocacia, especializado
em Direito à Saúde. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo
(AASP) e membro efetivo da Comissão de Estudos sobre Planos de Saúde e
Assistência Médica da OAB, secção São Paulo.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de julho de 2015
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