Publicado por Luiz Flávio Gomes
João Ubaldo, depois de todas essas pregnantes perguntas, acrescentou: “Não sabemos as respostas, mas temos o consolo, se bem que parco, de lembrar que não somos os primeiros, nem os únicos, nem os últimos, a encarar estas indagações, nos muitos espelhos que nos defrontam todos os dias, como os que nos oferece Arte de furtar (o mais brilhante exemplo de prosa barroca panfletária em nossa língua e uma joia literária sob qualquer critério)”. Concebida a palavra furtar em seu sentido mais vulgar (ladroagem, roubalheira, gatunagem, rapinagem, bandalheira, corrupção), todos os dias a mídia noticia um ou mais de um desses atos lesivos da res pública. Os mais sérios (como o caso da Petrobras) são praticados pelos vários crimes organizados que se espalharam pelo País, sob a estrutura P6: Parceria Público/Privada para a Pilhagem do Patrimônio Público.
Alguns exemplos: o prefeito de SP (Haddad-PT) nomeou três amigos do seu filho Frederico para ocuparem o cargo comissionado de assessor técnico no seu gabinete (R$ 3,3 por mês de salário, para cada um); é a chamada “cota do Fred”! Falou-se em nepotismo indireto (na verdade se trata do empreguismo, motivado, no caso, pelo amiguismo). Mais um uso indevido da coisa pública como se fosse patrimônio particular. Isso se chama patrimonialismo, que é o primeiro dos 7 vícios originais. Suely Campos (PP-RR) nomeou 19 parentes (parentismo, nepotismo e filhotismo). Também o nepotismo trocado virou moda no território nacional. Usa-se o dinheiro público no Brasil da forma mais aberrante possível. E tudo, normalmente, impune. Porque tudo isso faz parte da cultura.
7 vícios de origem
Os sete vícios que apresentaremos estão presentes em nossa formação social, econômica, política e cultural desde a origem. São eles:
(1) patrimonialismo: é a confusão entre o público e o privado, é o uso indevido da res pública como se fosse coisa privada. Ele abarca o estatismo (intromissão desnecessária em muitas áreas), o empreguismo (especialmente por razões políticas, não por mérito), o paternalismo (proteção estatal aos protegidos, aos apaniguados), o corporativismo (cada classe ou cada categoria busca tirar proveito do Estado), o fisiologismo (troca de favores, benesses dadas a um partido ou a um político em busca de apoio), o clientelismo (tratar o indivíduo não como cidadão e sim como um cliente a quem se deve ajudar – o Bolsa Família segue essa lógica, com grave prejuízo para a legitimidade da democracia), o nepotismo (empregar filhos ou parentes: filhotismo e parentismo), o “onguismo” (apoio dado a algumas ONGs com o propósito de buscar apoio eleitoral ou financeiro), o “emendismo” (é uma espécie de clientelismo praticado pelos parlamentares que conseguem direcionar parte dos recursos públicos para seus “currais” eleitorais), o novo peleguismo (apoio a sindicatos e entidades de classe, com a finalidade de apaziguar suas reinvindicações); é ainda a cooptação de vários setores da mídia (escrita, falada, televisada ou compartilhada), o aparelhamento do Estado (capilaridade partidária); o uso eleitoreiro do assistencialismo (médico, por exemplo), do bolsismo educativo (programas universitários), das cotas raciais etc.; outro efeito pernicioso do patrimonialismo (ou seja: da supervaloração do Executivo) consiste no “nanismo legislativo” (um poder apequenado, que faz dos políticos nada mais que intermediários de interesses, que normalmente não são os comuns, coletivos).
(2) Desigualdade, que é produto da plutocracia (Estado cogovernado pelas grandes riquezas). A concentração exagerada das riquezas nas mãos de poucos gera enormes desequilíbrios econômicos, sociais, culturais etc. O analfabetismo ou semianalfabetismo (analfabetismo funcional) é produto da desigualdade, tanto quanto o segregacionismo (apartheid) e o camorotismo. Ambos interferem diretamente na qualidade da cidadania, que é muito menos (no Brasil) que a “estatania”. A interferência promovida pelas grandes riquezas na legitimidade da democracia é mais do que visível, visto que são elas que “financiam” as campanhas políticas, em troca de benefícios futuros;
(3) parasitismo (ação de sugar o outro, o trabalho do outro; enriquecer com a energia corporal alheia, remunerando-a ridiculamente);
(4) autoritarismo, decorrente da formação hierarquizada e patriarcal da sociedade brasileira, por influência clara da Igreja nos séculos XVI-XX (teocratismo), de onde emana também o conservadorismo;
(5) acriticismo, que abarca o conformismo assim como a obediência e a submissão servis; por incontáveis razões não criticamos a injustiça da organização social brasileira: por falta de informação, por vínculos com o sistema de poder ou por falta de autonomia, pela tendência subserviente etc.;
(6) selvagerismo: violência interpessoal ou violação massiva dos direitos fundamentais (o Brasil é hoje o 12º país mais violento do planeta, com 29 assassinatos para cada 100 mil pessoas); ligados ao selvagerismo estão o militarismo e o inquisitorialismo;
(7) cleptocracia (Estado cogovernado por ladrões). A apropriação indevida da coisa alheia é algo generalizado no país, mas quando nos referimos à cleptocracia isso significa os grandes furtos, a grande corrupção (a que envolve o Estado).
Saiba mais
Dos sete pecados capitais (gula, avareza, inveja, vaidade, preguiça, ira e luxúria) cuidaram São Gregório Magno (Papa Gregório I, séc. VI) e São Tomás de Aquino. Todos os vícios citados (que o catolicismo catalogou como “pecados” para poder controlar e educar seus seguidores) tendem a ser causas de profunda infelicidade. Alguns podem até nos deixar felizes no princípio (gula, luxúria, preguiça), mas depois, normalmente, se convertem em fontes negativas. São João fez uma classificação dos sete pecados capitais (vícios), vinculando-os a três concupiscências (avidez, ganância, desejos descontrolados) como fonte de todos eles: “Tudo o que está no mundo é ou concupiscência da carne, ou concupiscência dos olhos, ou orgulho da vida” (I Jo 2,16). Fazem parte da concupiscência da carne: gula, luxúria e preguiça. A avareza é a concupiscência dos olhos. Os três últimos pecados (orgulho, inveja e ira) estão atrelados a outros sentimentos e emoções negativos dos seres humanos.
A lista dos nossos vícios de origem é enorme. Os que foram selecionados marcaram e assinalam a fisionomia da formação social, econômica, política e cultural do Brasil, desde o seu princípio (porque já trazidos pelos portugueses em suas bagagens e navios). O vínculo que podemos estabelecer entre tais vícios originais e os pecados capitais é o seguinte:
(1) o patrimonialismo (confusão entre o público e o privado, favores públicos em troca de votos ou apoios etc.) está atrelado à gula (quanto mais patrimonialista o Estado, mais “guloso” ele é);
(2) a plutocracia (Estado cogovernado pelas grandes riquezas que geram extremas desigualdades) tem ligação com a avareza;
(3) o parasitismo (sugar as pessoas em busca de alimento, de riqueza) nada mais é que a inveja exitosa (invejar é desejar o que o outro tem; o parasita deseja sugar o outro e quando consegue é o invejoso exitoso);
(4) o autoritarismo-patriarcalismo está vinculado com a vaidade ou soberba de mandar, de se sobrepor e de se impor;
(5) o acriticismo, quando atrelado aos que podem se informar e ter consciência crítica da realidade, faz par com a preguiça;
(6) o selvagerismo (a violência, a violação massiva dos direitos fundamentais) tem elo com a ira;
(7) a corrupção, a fraude, o furto etc. (a cleptocracia) está atrelado ao prazer da luxúria.
Faltam órgãos de controle (ou a eficácia deles) para fiscalizarem o princípio da impessoalidade, previsto na CF, art. 37. Lord Acton (1834-1902) dizia que “o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Poder absoluto é o poder sem controle. Não havendo freios, o poder político (Executivo, Legislativo e Poder econômico) tende a se corromper completamente (porque as “aspirações individuais são infinitas”, dizia Durkheim). A liberdade é uma condição necessária para atingir fins espirituais elevados. Ela não é “um meio para atingir um fim político mais elevado. Ela é o fim político mais elevado. Não é para realizar uma boa administração pública que a liberdade é necessária, mas sim para assegurar a busca dos fins mais elevados da sociedade civil e da vida privada” (Lord Acton).
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