“O
relator parte de uma premissa de que nesse colegiado, embora de nível
muito elevado, todos têm de aderir, talvez cegamente, ao que colocado
por Sua Excelência. Isso é muito ruim”. As palavras são do ministro
Marco Aurélio, criticando o destempero do relator da Ação Penal 470, o
processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, em relação às
divergências colocadas pelo revisor, Ricardo Lewandowski. Marco Aurélio
criticou a postura do colega na noite desta quarta-feira (26/9) por
conta de discussões travadas em plenário.
Relator e revisor
voltaram a discutir na retomada da sessão de julgamento do item 6 da
denúncia. O ministro Joaquim Barbosa criticou de forma ostensiva as
divergências abertas pelo revisor Ricardo Lewandowski, a ponto de os
demais ministros terem de intervir.
“Policie a sua linguagem,
ministro!”, disse o colega Marco Aurélio, ao criticar os ataques do
relator ao revisor. Em voto longo, iniciado ainda na sexta-feira (21/9),
Ricardo Lewandowski absolveu alguns dos réus e afastou a maioria das
imputações por lavagem de dinheiro, por concluir que o Ministério
Público não discriminou condutas isoladas que justificassem a condenação
por lavagem. Depois de discussões no início da tarde, o ministro
Joaquim Barbosa, irritado, fechou o dia questionando o fato de
Lewandowski discordar de algumas imputações.
“Vamos respeitar os
colegas. Vossa Excelência não está respeitando a instituição”, disse
Marco Aurélio ao censurar a postura do ministro relator. “Fazer uma
observação ao revisor, que tem o papel de revisar o meu trabalho, não me
parece que seja desrespeito”, replicou Barbosa, ao que Marco Aurélio
respondeu: “Com agressividade, ministro. Com agressividade”.
Na
segunda parte da sessão de julgamento desta quarta-feira (26/9), o
ministro Ricardo Lewandowski encerrou seu voto referente a subitens do
sexto capítulo da peça de acusação, que trata de imputações contra
parlamentares que teriam recebido propina para apoiar o governo do PT a
partir de 2003. O revisor votou pela absolvição do primeiro-secretário
do PTB, Ermeson Palmieri e condenou o ex-deputado do PTB federal Romeu
Queiroz apenas por corrupção passiva, o absolvendo de crime de lavagem
de dinheiro.
Joaquim Barbosa não gostou das conclusões do revisor,
que considerou frágeis as provas contra Emerson Palmieri. O relator
disse que Lewandowski “negava” a realidade ao absolver Palmieiri. O
presidente da corte, ministro Ayres Britto tentou intervir, mas Barbosa
insistiu que o revisor “contornava a realidade”. “Não, não está
contornando, Excelência. Cuidado. Cuidado com as palavras”, interrompeu o
ministro Marco Aurélio. E a discussão se acirrou.
Joaquim Barbosa: Eu respondo pelas minhas palavras, ministro!
Marco Aurélio: Mas Vossa Excelência está num colegiado de alto nível.
Barbosa: Leia-me!
Marco: Eu li. Eu tenho o voto aqui sublinhado, de Vossa Excelência. Está aqui, olha! Em caneta vermelha!
Barbosa: Eu não gosto de hipocrisia, sabe...
O ministro Ayres
Britto, mais uma vez, tentou acabar com a discussão, afirmando que o
conjunto de fatos em apreciação “comportam leituras distintas”. Foi
seguido pelo decano da corte, ministro Celso de Mello, que afirmou que
“uma eventual contraposição dialética em torno da interpretação de fatos
ou de normas é parte do julgamento por um órgão colegiado”.
Barbosa,
então, insistiu que não se tratava de simples divergências, mas Celso
de Mello argumentou que discordâncias em Plenário eram normais. “O
princípio da colegialidade acolhe esses dissensos, que são naturais”,
disse.
Barbosa não se deu por vencido. “Se o revisor faz
colocações que vão inteiramente de encontro com o que o relator disse,
não tem o relator o direito de, pontualmente, chamar a sua atenção?”,
questionou. “O que eu fiz? Eu chamei a atenção para três depoimentos,
três documentos capitais do processo”, afirmou.
Lewandowski disse
que, a exemplo de jornalistas, que observam os mesmos atos e “escrevem
reportagens diametralmente opostas”, ele extraía suas conclusões do
exame que fazia das provas.
“Estou trazendo minhas dúvidas, mas
não minhas convicções. Estou, inclusive, trazendo provas que militam
contra meu raciocínio”, inisistiu Lewandowski, que se referiu ainda ao
conteúdo dos autos como “prova caledoscópica”. “A cada pagamento, fui
procurar uma prova que subsidiasse a acusação”, disse o revisor.
“Para
ajudá-los, eu distribuo meu voto, ministro. Para ajudar os jornalistas,
para prestar contas à sociedade, eu distribuo meu voto. Seria bom que
vossa excelência fizesse o mesmo”, disparou, mais uma vez, Joaquim
Barbosa. O ministro criticou ainda as conclusões do revisor em relação à
viagem realizada pelos réus a Portugal em 2003. Lewandowski havia
afirmado que o mote da viagem do grupo liderado por Marcos Valério era
os bastidores da privatização da Brasil Telecom. Barbosa respondeu
dizendo nenhum dos réus estava autorizado a falar oficialmente em nome
do governo brasileiro.
“Ministro Joaquim, os fatos comportam
leituras. E o ministro Lewandowski está fazendo uma leitura dos fatos. É
um direito dele”, disse o presidente do STF, em outro momento.
Barbosa,
contudo, passou a criticar o tamanho dos votos do ministro relator.
"Estou dizendo que é absolutamente heterodoxo um ministro ficar medindo o
tamanho do voto do relator para replicar", disse Barbosa.
Condenações
O ministro Lewandowski votou, ao todo, pela a condenação de
nove réus e absolvição de outros quatro no bloco do sexto capítulo da
denúncia, que trata das acusações contra políticos dos partidos PP, PL,
PTB e PMDB, além de sócios de corretoras de valores acusados de
favorecerem a lavagem do dinheiro repassados a parlamentares
corrompidos.
O revisor condenou o presidente do PTB, Roberto
Jefferson e o ex-deputado do partido Romeu Queiroz por corrupção
passiva, os absolvendo da acusação de lavagem de dinhero, assim como o
ex-líder do PMDB na Câmara, José Borba. O ministro absolveu de todas as
imputações o primeiro-secretário do PTB, Emerson Palmieri.
Assim,
revisor e relator do processo concordaram nas imputações de corrupção
passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha contra Waldemar
Costa Neto e Jacinto Lamas e na absolvição do ex-assessor parlamentar
Antonio Lamas, todos do extinto Partido Liberal (PL). Quanto a Bispo
Rodrigues, ex-deputado da legenda, acusado apenas de corrupção passiva e
lavagem, o ministro revisor divergiu do relator, o condendando apenas
pela imputação de corrupção passiva.
Lewandowski condenou os réus
do PP, Pedro Corrêa e João Claúdio Genú, por corrupção passiva e
formação de quadrilha, os absolvendo da acusação de lavagem, ao
contrário de Barbosa que os condenou pelas três imputações. Também
discordando de Barbosa, o revisor pediu pela absolvição integral do
deputado federal Pedro Henry (PP-MT). Dentro desse mesmo bloco,
Lewandowski condenou também o sócio da operadora Bônus Banval, Enivaldo
Quadrado, por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, acolhendo
voto do relator, mas absolvendo de todas as imputações Breno Fischberg.
Nesta
quinta-feira (27/9), os demais ministros devem votar sobre os crimes de
corrupção passiva descritos no item 6 da denúncia. Relator e revisor do
processo ocuparam duas sessões e meia, cada um, para votar apenas nesse
bloco. Se todos os ministros votarem nesta quinta, terão sido duas
semanas apenas para que o Supremo Tribunal Federal julgasse uma parte do
item 6. Depois que os ministros se manifestarem, o ministro relator
segue com a votação sobre a outra parte do mesmo item, relativa a
acusações de corrupção ativa contra dirigentes do PT e o grupo do
publicitário Marcos Valério.
Revista Consultor Jurídico, 26 de setembro de 2012