Para que erros da espécie não
se repitam mais reproduzo matéria veiculada na revista “O Cruzeiro”, edição de
junho de 1972, dando conhecimento ao mundo do valor histórico da inédita
coleção Tapajó amealhada ao longo de décadas pelo saudoso advogado Ignácio
Ubirajara Bentes, republicada recentemente no blog do meu sobrinho (ignacioneto.blogspot.com.br),
vendida por preço irrisório, face a necessidade do colecionador, para outras plagas, em razão da inércia do poder
público local e estadual.
"Em
Santarém, Pará, ao lado do Hotel Nova Olinda, há um escritório de advocacia de
características exclusivas no Brasil: ali se acha a maior coleção de arte
tapajó do mundo. O dr.
Ubirajara Bentes, natural de Belém, onde se formou em direito, reside em
Santarém desde 1940, quando iniciou sua fabulosa coleção, hoje com mais de 30
mil peças. Para se fazer uma idéia do que isso significa, basta dizer que é
mais do dobro do que possui o Museu Emílio Goeldi, de Belém, especializado na
matéria.
Nossos
índios e sua arte
Durante
muito tempo, foi dito que os nossos índios tinham uma cultura pobre, atrasada
e, portanto, nada tinham produzido em obras de arte. De todo o Brasil, apontava-se
como exceção única a cultura marajoara.
Um dia,
em 1923, Unkel Nimuendaju, cientista alemão do Museu de Bonn, descobriu que, no
vale do Rio Tapajós, houve civilizações pré-cabalinas à altura daquelas do
México e do Peru. Suas pesquisas no local enfrentaram alguns obstáculos e até
incidentes tristes e pitorescos. Conta-se em Santarém que, certa noite, um
português, observando o cientista alemão cavando incansavelmente nos arredores
da cidade, concluiu que aquela “louça velha” era um pretexto: o alemão estava
procurando ouro. E, aguardando que o alemão ser retirasse, iniciou suas
escavações. Naquela noite, centenas de cerâmicas de valor inestimável
foram destruídas pela picareta do Manuel.
Uma
teoria das migrações
De tanto
estudar a vida indígena, o advogado Ubirajara Bentes tornou-se expert no
assunto. E construiu teorias próprias. A das migrações, por exemplo:
- As
raças humanas são provenientes de duas raízes principais: uma imediatamente
acima do Equador e outra imediatamente abaixo. Essas duas correntes emigrarão
sempre horizontalmente, sem nunca se tocarem.
Ubirajara
apresenta provas. Entre outras, o fato de as flechas de todas as tribos
encontradas abaixo do Equador serem idênticas, dentro de cada tipo.
A noticia
mais antiga que se tem dos índios da região dos Tapajós foi legada por
Batendorf que, no século XVII, escreveu a crônica de um missão jesuíta por
aquelas bandas: “As mulheres carregavam o vinho até uma clareira chamada
Terreiro do Diabo, onde eram obrigadas a agachar-se e tapar os olhos para não
verem os homens que dançavam e bebiam cerimonialmente. Os feiticeiros então
tomavam a palavra, fazendo acreditar tratar-se da voz do próprio diabo”.
(Note-se que o vinho em questão era feito de arroz. Quanto a mulheres tapando
os olhos, são bastante comuns na estatuaria primitiva.
Coleção
vale um milhão
A
cerâmica Tapajó se divide em cinco grandes estilos, cada um correspondendo a
uma época diferente e, provavelmente, também a tribos diferentes. As mais
primitivas são as peças pertencentes ao grupo da pedra preta e do barro bruto.
Seguem-se o barro preto, o barro amarelo e o barro pintado. Tais cerâmicas são
facilmente distinguíveis da arte marajoara: os motivos são mais realistas,
geralmente zoomórficos ou antropormóficos, enquanto que a cerâmica de Marajó
quase sempre apresenta formas não realistas ou estilizadas.
A coleção
de Ubirajara é farta em exemplos de todos esses estilos e suas variações. Mas o
colecionador luta com um problema: falta de espaço. Há caixotes de peças que
ele nunca mais abriu, desde o dia em que foram arrancadas da terra. E o que
esta exposto fica em prateleiras pequenas e inadequadas, o que torna sua
exibição trabalhos e mesmo perigosa: há sempre alguém querendo furtar as
preciosidades.
Preciosidades,
literalmente. Basta dizer que uma instituição americana ofereceu um milhão de
dólares pela coleção de Ubirajara Bentes. Ele diz que não vende, é claro. Não
deseja ver aquelas peças saírem do Brasil. Gostaria, sim, de ver sua coleção
adquirida pelo próprio governo brasileiro, para preservar, intacto e inseparável,
esse patrimônio de enorme valor cultural."
Fonte: Revista O Cruzeiro - julho de 1972
Fonte: Revista O Cruzeiro - julho de 1972
Temos perdido tantas preciosidades históricas e culturais, pelo total desinteresse da sociedade.
ResponderExcluirLi a outra matéria do Dutra.Penso que o poder público devia bancar uma exposição de peças representativas(emprestadas da Usp)para avivar o interesse nessa cultura pré colombiana,tavez milenar.Que tal a cada 5 anos?
ResponderExcluirExcelente matéria.Li também a do Dutra,de 35 anos atrás.Seria elogiável se o poder público bancasse uma exposição de 5 em 5 anos de peças representativas(emprestadas da USP)para avivar o interesse no estudo dessa civilização pré colombiana,talvez milenar.
ResponderExcluirNinguém melhor que a gente pra cuidar do que é nosso. Minha irresignação reside na imppossibilidade de resgate dessa relíquia!
ResponderExcluirUma recompra seria inimaginável.Uma ação de embargo à venda seria viável?Afinal as peças não podem sair do país...não vale também para saída para outro estado?Ah... A lei.
ResponderExcluirSó vejo uma alternativa para o resgate da relíquia que nos pertence de fato. Por via do diálogo entre a UFOPA e a USP, inclusive com a reaquisição da coleção, porquanto existe curso de arqueologia na federal de Santarém. Os políticos com assento no congresso poderiam ajudar tbm.
ResponderExcluirZronaldo...moleque eu já sabia que a coleção poderia ser um grandioso BEM para a história.o lance do portuga me feriu o coração.o lance da carggil(??)deveria ser precedido de uma grande varredura.agora não tem mais jeito.alguém..quem sabe um pré candidato(vc seria o meu prefeferido)deve levantar essa bandeira: pelo menos dividir peças repetidas.um abraço José Ronaldo .Sou seu fã.
ResponderExcluirE o dr. Ubirajara Bentes, como fica nessa história? Pode até ser um patrimônio cultural nacional mas ele é o proprietário da coleção com todos os direitos à posse e usufrutos.
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