Como a empresa de investimentos em criptomoedas BWA Brasil Tecnologia Digital não tem patrimônio suficiente para garantir suas obrigações, a 3ª Vara Cível de Santos (SP) desconsiderou sua personalidade jurídica e condenou seis sócios da companhia a ressarcir os prejuízos de uma médica, no valor de R$ 136.871,72, e indenizá-la por dano moral em R$ 10 mil. A decisão é de 14 de outubro.
“Essa regra encontra exceções na legislação vigente, com destaque para o Direito do Consumidor e do Meio Ambiente, que admitem a desconsideração da personalidade jurídica pura e simplesmente quando ela representar obstáculo ao ressarcimento de danos causados, respectivamente, aos consumidores e ao meio ambiente”, fundamentou o juiz Gustavo Antonio Pieroni Louzada.
Conforme os artigos 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor, e 4º da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), para a desconsideração da personalidade jurídica basta a inexistência de patrimônio suficiente para garantir o cumprimento das obrigações da pessoa jurídica, independentemente do seu uso abusivo. Louzada destacou na sentença que este entendimento é conhecido como “teoria menor”.
“Ao caso dos autos, que envolve relação de consumo, aplica-se a chamada teoria menor, sendo suficiente a verificação da inexistência de bens em nome da pessoa jurídica para garantir a satisfação da obrigação, o que está mais do que caracterizado diante da inconteste conduta de não pagamento dos valores aos consumidores”, apontou o juiz. Para ele, está “evidenciado que haverá obstáculo ao ressarcimento do prejuízo”.
A aplicação do CDC também foi justificada pelo juiz, “nos moldes de seus artigos 2° e 3°, caput e parágrafo 2°, na medida em que as rés prestam serviços de intermediação na compra e venda de criptomoeda, mediante remuneração, a destinatário final”.
Louzada ainda se valeu do CDC (artigo 51, inciso IV) para afastar cláusula que limita a responsabilidade da BWA a 10% do montante aplicado, na hipótese de condenação judicial. “Sua abusividade é ululante, uma vez que representa onerosidade excessiva, colocando o consumidor em nítida desvantagem, além de ferir a boa-fé contratual”.
Crédito no aplicativo
A médica celebrou contrato com a empresa para o investimento e
intermediação de compra e venda de criptomoedas. Ela investiu R$ 130 mil
e, inicialmente, recebia os rendimentos mensais. Porém, a partir de
novembro de 2019, a empresa deixou de pagar os créditos sob a alegação
de problema na plataforma digital. Na época, surgiram rumores de que
outros investidores não conseguiam resgatar os valores aplicados.
A autora tentou resgatar o seu saldo integral, que era de R$136.871,72 em novembro de 2019, segundo informação do aplicativo da BWA. Sem sucesso, ela ajuizou a ação requerendo a resolução contratual, o pagamento do saldo decorrente do investimento com a devida correção monetária e indenização por danos morais. A BWA pediu a suspensão do processo por passar por recuperação judicial, mas o pleito foi indeferido.
Os sócios da BWA foram regularmente citados e não apresentaram contestação. O juiz presumiu verdadeiras as alegações contidas na petição inicial e julgou a ação procedente.
Ele fixou a indenização por dano moral em R$ 10 mil por entender ser esta quantia suficiente para compensar os transtornos sofridos pela autora e satisfazer o caráter punitivo aos causadores do dano, inibindo futuras condutas semelhantes.
Os réus também deverão arcar com as despesas processuais e os honorários dos advogados da médica, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação.
Esquema de pirâmide
Investigada na esfera criminal por suspeita de promover pirâmide
disfarçada de investimentos em criptomoedas, a BWA tem diversas ações
cíveis ajuizadas contra si e ingressou com pedido de recuperação
judicial. Porém, um advogado nomeado pelo juízo da 2ª Vara de Falências e
Recuperações Judiciais de São Paulo para administrar a empresa nesta
fase já emitiu parecer pela conversão da recuperação judicial em
falência.
Relatório elaborado pela própria empresa e apresentado no processo de recuperação judicial contabilizou 1.897 investidores que fariam jus a R$ 295.412.752,63. Um lesado relatou à polícia que a BWA contava com uma rede de “consultores”, geralmente do mesmo círculo social e/ou profissional dos potenciais clientes, para atraí-los a investir em criptomoedas. A promessa era de remuneração superior às de outras aplicações.
Clique aqui para ler a decisão
Processo 1000437-89.2020.8.26.0562
Eduardo Velozo Fuccia é jornalista.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 31 de outubro de 2021, 14h02
Nenhum comentário:
Postar um comentário