Fonte: STJ
Colaboração premiada está sendo transformada em plea bargain sem apoio em lei, diz ministro Nefi Cordeiro
"Nosso sistema não é o da plea bargain, nosso sistema é muito diferente da plea bargain.
Podemos evoluir, sim, para algo mais parecido; até acho que isso seria
bom em alguma medida, porém é preciso tomar cuidado. A nossa realidade
está transformando a colaboração premiada em plea bargain sem apoio em lei."
A ponderação foi feita pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nefi Cordeiro nesta sexta-feira (11), último dia do 1º Curso Nacional Corrupção e os Desafios do Juiz Criminal,
promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados (Enfam) em parceria com o STJ, a Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
Sob a presidência do ministro Reynaldo Soares da Fonseca e tendo Nefi Cordeiro como palestrante, os debates trataram de plea bargain, corrupção e soluções negociadas. Também participou o ministro Herman Benjamin, diretor-geral da Enfam.
Princípios
Plea bargain
é um instituto jurídico presente no sistema norte-americano, que
consiste em um acordo pelo qual o réu confessa a culpa em troca de uma
pena reduzida. Foi proposto ao Congresso no pacote anticrime do governo,
mas ainda não existe legalmente no Brasil. Já a colaboração premiada,
prevista em diversas leis brasileiras, envolve um acordo em que o réu
ajuda na investigação, confessando seus próprios crimes e entregando os
corréus, em troca de algum benefício no processo.
Nefi Cordeiro
destacou que a negociação é indispensável no processo penal e que
institutos como o da colaboração premiada são meios válidos e úteis na
investigação, porém é necessário que se obedeça a princípios já
consolidados no ordenamento jurídico.
"É imprescindível a
observância dos princípios constitucionais da administração pública, dos
princípios jurídicos, das regras dos negócios jurídicos, das regras dos
contratos administrativos e da inafastabilidade de jurisdição."
O
magistrado ressaltou que tais acordos não podem servir como excludentes
do dever investigatório e probatório do Estado e que, como qualquer
ação estatal, exigem limites conhecidos e controláveis. "Na colaboração
premiada, não pode ter incidência ou interpretação divorciada das
garantias e limitações às demais ações penais", afirmou.
Voluntariedade
Nefi
Cordeiro lembrou também que uma das características da colaboração
premiada é a voluntariedade, podendo, ao seu ver, o Estado propor uma
colaboração, porém sem jamais coagir alguém a colaborar a partir da
decretação de prisão.
"A prisão preventiva fora das hipóteses
legais, especialmente quando utilizada como incentivo à colaboração, é
tortura. O Estado não pode fazer tortura para obter colaboração."
O
ministro defendeu que haja revisões nos acordos de colaboração premiada
dentro do próprio Ministério Público, a fim de garantir sempre os
direitos dos colaboradores. Além disso, asseverou que o Judiciário e o
Ministério Público devem trabalhar juntos na aplicação do instituto,
porém cada um com o papel que lhe foi destinado pela Constituição
Federal e pelas leis do país.
Natureza jurídica
O
ministro Herman Benjamin alertou que é delicado imputar à delação
premiada natureza jurídica contratual, em virtude das peculiaridades do
instituto. No entanto, para o magistrado, uma solução seria atribuir à
delação natureza de contrato sui generis, já que assim seria possível proceder aos devidos ajustes na negociação, caso necessário.
"Quando
se considera que a colaboração premiada tem natureza jurídica
contratual, deve-se lembrar que esse acordo bilateral possui condições
resolutivas, obrigações paralelas, entre elas a do acusado não reincidir
em novas modalidades criminosas", destacou o diretor-geral da Enfam.
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