Pátria deseducadora
Publicado por Luiz Flávio Gomes
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Nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX todos eram discursivamente contra a escravidão, mas ninguém acabava com ela (ao contrário, todos que podiam, incluindo as classes médias, tinham escravos em casa e não queriam, de verdade, mudar nada). Nos séculos XX e XXI todos somos discursivamente a favor da educação de qualidade, em período integral, mas ninguém a implanta. Por isso se diz (E. Giannetti) que a educação nos séculos XX e XXI é o equivalente moral da escravidão. Será que um dia teremos a Princesa Isabel da educação?
Praticamente nada do que apregoamos no século XXI já não foi diagnosticado e reivindicado no século XX. O Manifesto por uma Educação Nova no Brasil, assinado por intelectuais como Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Roquete Pinto e Cecília Meireles, é de 1932 (veja O Globo de 28/3/32).[1]. O que se postulava na época (qualidade no ensino, valorização dos professores, educação em período integral etc.) é tudo o que consta do Plano Nacional da Educação (PNE) elaborado no século XXI. Ou seja: continuamos girando em círculo. Ainda estamos na fase de aspirações, desejos, metas não cumpridas. Houve evolução? Sim, mas os problemas essenciais perduram (analfabetismo absoluto – mais de 10 milhões -, analfabetismo funcional – ¾ da população -, falta de qualidade nas escolas públicas, universidades em frangalhos, mão de obra desqualificada etc.). Consequências: povo, em geral, sem consciência crítica, país não competitivo, baixa produtividade (são necessários quatro brasileiros para se equiparar à produtividade de um norte-americano), graves problemas éticos, violência epidêmica, corrupção sistêmica etc.
“Na hierarquia dos problemas nacionais – dizia o Manifesto -, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação”. Depois de 43 anos de República [agora já contamos com 126 anos] “se verifica que não lograram ainda criar um sistema de organização escolar à altura das necessidades modernas e das necessidades do país”. O documento ainda dizia: “É preciso dar aos professores formação e remuneração equivalentes que lhes permitam manter, com eficiência no trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores” (apenas 75% dos professores possuem titulação superior; apenas 57% deles recebem a média das demais carreiras universitárias; tão-somente 12% dos alunos estudam em período integral; 2,9 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos estão fora da escola etc.).
O Brasil continua sendo (em termos sociais) uma nação fracassada (69º lugar no ranking do IDH; 12º país mais violento do planeta; das 50 cidades que mais matam, 19 estão aqui; campeão mundial no item violência contra professores etc.) porque perdeu vários bondes da História (o da educação, por exemplo; e agora está perdendo o da tecnologia). As bandas podres das classes dominantes, eminentemente extrativistas, não permitem nenhum tipo de política inclusiva. Cultura da exclusão. Não se pensa na vida em sociedade (em comunidade). Cada um procura extrair (do Estado e dos outros) o máximo de acumulação possível: excesso de egoísmo, parasitismo, desigualdade extrema, corrupção, violência e vingança. Esse é o retrato preponderante do atraso brasileiro. Não será com lideranças extrativistas (os políticos são eleitos pela população alienada: seja porque as classes intermediárias odeiam a política, seja porque as classes populares não contam com consciência crítica) que vamos sair do atoleiro econômico, social, educacional e comunitário em que nos encontramos. Assim pensam os realistas. Os pessimistas dizem que a tragédia descomunal está apenas começando.
[1] Ver O Globo 31/5/15, p. 14.
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