A
chamada operação "lava-jato”, desencadeada pela Polícia Federal, gerou o
mais importante caso de apuração de crimes da história do Brasil. As
notícias são diárias, as pessoas envolvidas ocupam posições de destaque
na área econômica e política, os valores altíssimos. Contudo, não é
fácil compreender os diversos pontos do que está sendo apurado e a
importância dos resultados para o futuro do Brasil.
O primeiro passo é saber que a operação "lava-jato” não consiste em uma ação penal, como a 470 no Supremo Tribunal Federal, conhecida como mensalão. Na verdade, ela está dividida em 10 ações penais, as quais têm andamento independente. Portanto, umas podem ser sentenciadas logo, outras podem demorar, tudo a depender das provas a serem produzidas.
Em um segundo momento, a pergunta é qual o motivo para todos os fatos estarem sendo processados na Justiça Federal em Curitiba, PR. Afinal, as acusações de corrupção atingem fatos ocorridos no Rio de Janeiro, Pernambuco e outros pontos do território nacional, .
A resposta é simples. A investigação começou em 2013, a partir de uma acusação de crimes praticados contra a administração pública e lavagem de dinheiro, na cidade de Londrina, PR, na qual foram denunciados Carlos Habib Chater, Alberto Youssef e outros. A partir desta investigação, através de interceptações telefônicas, começaram a aparecer outros fatos, de igual ou maior gravidade. E, entre as pessoas envolvidas, surgiu Paulo Roberto Costa, então ocupando o elevado cargo de Diretor da Petrobrás.
Pois bem, sendo os fatos conexos, acabaram, por prevenção, sendo denunciados sempre para a mesma Vara, conforme artigos 76, 78, “c” e 79 do Código de Processo Penal. Prevenção nada mais é do que uma regra de bom senso, significa que se os fatos são conexos, relacionados entre si, devem ser julgados por um só juiz, evitando-se decisões conflitantes.
Esclarecida a competência da Vara Federal de Curitiba (13ª. Vara), cumpre esclarecer a participação do STF no caso. A resposta é simples. O juiz federal Sérgio Moro atua nos inquéritos policiais ou ações penais comuns. Quando surge o nome de uma autoridade com direito a ser processada no STF (p. ex. deputado federal), o juiz envia o processo (eletrônico) para o exame do Ministro Teori Zavaski, no Supremo.
Vejamos agora a delação premiada de Paulo Roberto Costa. Mas, antes de analisar seu depoimento, vejamos o que é delação premiada. Tudo começa em 1992, com o assassinato do juiz Giovanni Falcone pela Máfia, em Palermo, Itália. Tal fato resultou na Convenção de Palermo, celebrada em 2000, cuja proposta foi a de combater o crime organizado transnacional. Apesar da delação premiada não constar do texto, ela veio a ser prevista em 2003, na Convenção de Mérida, art. 37. E no Brasil foi sacramentada pela Lei 12.850, de 2.8.2013, artigos 4º a 8º, com o nome de colaboração premiada.
Há quem acuse esta prova de imoral, já que estimula a acusação. Seria uma traição estimulada pelo Estado. A meu ver, no mundo dos anjos, ela seria mesmo uma atitude condenável. Porém, como vivemos no mundo dos homens, a mim ela parece indispensável. Fora da delação não há como fazer-se prova de sofisticados crimes contra a ordem econômica. Ninguém os confessa voluntariamente e ninguém cogita de coagir um acusado a confessá-los. O corruptor não acusa o corrupto, porque responderá pela prática de corrupção ativa (Cód. Penal, art. 333).
Paulo Costa, preso por ordem do juiz Sérgio Moro, deve ter refletido sobre o seu futuro. Mirando-se no ocorrido com Marcos Valério Fernandes, que no caso “Mensalão” ficou mudo e recebeu 37 anos, 5 meses e 6 dias de prisão, enquanto os demais réus receberam penas bem menores, conseguindo prisão domiciliar pouco tempo depois, ele optou por contar tudo o que sabia.
Uma vez preso, Costa, que na Suíça tinha cinco contas no valor de 26 milhões de dólares (Estado, 28.11.2014, A10, aos 27.8.2014) confessou a sua atuação e comprometeu-se a fornecer dados sobre a participação de todos os envolvidos nas operações fraudulentas, em troca de prisão domiciliar e pena reduzida, valendo-se de benefício de progressão de regime (de fechado para semiaberto). Sua cooperação foi homologada em 29.9.2014 pelo Ministro Teori Zavaski, do STF.
Aos 14.11.2014, cumprindo ordem judicial, a Polícia Federal prendeu 18 pessoas e cumpriu 39 mandados de busca e apreensão. Executivos, acostumados a ambientes refinados, tiveram que dividir a cela nas dependências do DPF. Assustados com a prisão e o depoimento de Paulo Costa, dispuseram-se a colaborar com a Polícia Federal e o Ministério Público. Por exemplo, Erton Fonseca, da Galvão Engenharia, afirmou que o ex-diretor da Petrobrás, Renato Duque, recebeu R$ 8,863 milhões de reais (Gazeta do Povo, 25.11.2014, p.11).
Isto demonstra a quantidade de dinheiro envolvido na corrupção. No Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Felix Fischer, ao julgar habeas corpus impetrado a favor de João P. Almeida Prado, afirmou: “Acho que nenhum outro país viveu tamanha roubalheira. Pelo valor das devoluções, algo gravíssimo aconteceu” (Folha de São Paulo, 26.11.2014).
Mas como eram praticadas as fraudes? Basicamente é possível dizer que foram criadas empresas de fachada, como a MO Consultoria, que celebravam contratos com as empreiteiras, comprometendo-se a prestar serviços de assessoria técnica. As empreiteiras pagavam estas empresas, Alberto Youssef, devidamente autorizado por elas, recebia os valores e distribuía-os a terceiros mediante comissão. Assim, licitações da Petrobrás acabavam contratando as empreiteiras que efetuaram os pagamentos.
Além do benefício econômico recebido pelas empreiteiras, por dirigentes da Petrobrás e por intermediários como Youssef, há ainda acusação de que políticos do PT, PMDB e PP teriam recebido de 1% a 3% sobre os valores dos contratos assinados (Folha de S. Paulo, 23.11.2014, A8).
E agora? Quais os próximos capítulos do caso? Quais as consequências? Bem, as consequências não podem ser previstas milimetricamente, mas, basicamente, consistirão no seguinte:
Em suma, estamos diante de um caso inédito, algo está mudando. Nele estamos definindo a utilidade do sistema, se ele tem condições de combater a macro criminalidade ou se ele serve apenas para combater crimes praticados por criminosos de pouca cultura e baixo nível social.
O primeiro passo é saber que a operação "lava-jato” não consiste em uma ação penal, como a 470 no Supremo Tribunal Federal, conhecida como mensalão. Na verdade, ela está dividida em 10 ações penais, as quais têm andamento independente. Portanto, umas podem ser sentenciadas logo, outras podem demorar, tudo a depender das provas a serem produzidas.
Em um segundo momento, a pergunta é qual o motivo para todos os fatos estarem sendo processados na Justiça Federal em Curitiba, PR. Afinal, as acusações de corrupção atingem fatos ocorridos no Rio de Janeiro, Pernambuco e outros pontos do território nacional, .
A resposta é simples. A investigação começou em 2013, a partir de uma acusação de crimes praticados contra a administração pública e lavagem de dinheiro, na cidade de Londrina, PR, na qual foram denunciados Carlos Habib Chater, Alberto Youssef e outros. A partir desta investigação, através de interceptações telefônicas, começaram a aparecer outros fatos, de igual ou maior gravidade. E, entre as pessoas envolvidas, surgiu Paulo Roberto Costa, então ocupando o elevado cargo de Diretor da Petrobrás.
Pois bem, sendo os fatos conexos, acabaram, por prevenção, sendo denunciados sempre para a mesma Vara, conforme artigos 76, 78, “c” e 79 do Código de Processo Penal. Prevenção nada mais é do que uma regra de bom senso, significa que se os fatos são conexos, relacionados entre si, devem ser julgados por um só juiz, evitando-se decisões conflitantes.
Esclarecida a competência da Vara Federal de Curitiba (13ª. Vara), cumpre esclarecer a participação do STF no caso. A resposta é simples. O juiz federal Sérgio Moro atua nos inquéritos policiais ou ações penais comuns. Quando surge o nome de uma autoridade com direito a ser processada no STF (p. ex. deputado federal), o juiz envia o processo (eletrônico) para o exame do Ministro Teori Zavaski, no Supremo.
Vejamos agora a delação premiada de Paulo Roberto Costa. Mas, antes de analisar seu depoimento, vejamos o que é delação premiada. Tudo começa em 1992, com o assassinato do juiz Giovanni Falcone pela Máfia, em Palermo, Itália. Tal fato resultou na Convenção de Palermo, celebrada em 2000, cuja proposta foi a de combater o crime organizado transnacional. Apesar da delação premiada não constar do texto, ela veio a ser prevista em 2003, na Convenção de Mérida, art. 37. E no Brasil foi sacramentada pela Lei 12.850, de 2.8.2013, artigos 4º a 8º, com o nome de colaboração premiada.
Há quem acuse esta prova de imoral, já que estimula a acusação. Seria uma traição estimulada pelo Estado. A meu ver, no mundo dos anjos, ela seria mesmo uma atitude condenável. Porém, como vivemos no mundo dos homens, a mim ela parece indispensável. Fora da delação não há como fazer-se prova de sofisticados crimes contra a ordem econômica. Ninguém os confessa voluntariamente e ninguém cogita de coagir um acusado a confessá-los. O corruptor não acusa o corrupto, porque responderá pela prática de corrupção ativa (Cód. Penal, art. 333).
Paulo Costa, preso por ordem do juiz Sérgio Moro, deve ter refletido sobre o seu futuro. Mirando-se no ocorrido com Marcos Valério Fernandes, que no caso “Mensalão” ficou mudo e recebeu 37 anos, 5 meses e 6 dias de prisão, enquanto os demais réus receberam penas bem menores, conseguindo prisão domiciliar pouco tempo depois, ele optou por contar tudo o que sabia.
Uma vez preso, Costa, que na Suíça tinha cinco contas no valor de 26 milhões de dólares (Estado, 28.11.2014, A10, aos 27.8.2014) confessou a sua atuação e comprometeu-se a fornecer dados sobre a participação de todos os envolvidos nas operações fraudulentas, em troca de prisão domiciliar e pena reduzida, valendo-se de benefício de progressão de regime (de fechado para semiaberto). Sua cooperação foi homologada em 29.9.2014 pelo Ministro Teori Zavaski, do STF.
Aos 14.11.2014, cumprindo ordem judicial, a Polícia Federal prendeu 18 pessoas e cumpriu 39 mandados de busca e apreensão. Executivos, acostumados a ambientes refinados, tiveram que dividir a cela nas dependências do DPF. Assustados com a prisão e o depoimento de Paulo Costa, dispuseram-se a colaborar com a Polícia Federal e o Ministério Público. Por exemplo, Erton Fonseca, da Galvão Engenharia, afirmou que o ex-diretor da Petrobrás, Renato Duque, recebeu R$ 8,863 milhões de reais (Gazeta do Povo, 25.11.2014, p.11).
Isto demonstra a quantidade de dinheiro envolvido na corrupção. No Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Felix Fischer, ao julgar habeas corpus impetrado a favor de João P. Almeida Prado, afirmou: “Acho que nenhum outro país viveu tamanha roubalheira. Pelo valor das devoluções, algo gravíssimo aconteceu” (Folha de São Paulo, 26.11.2014).
Mas como eram praticadas as fraudes? Basicamente é possível dizer que foram criadas empresas de fachada, como a MO Consultoria, que celebravam contratos com as empreiteiras, comprometendo-se a prestar serviços de assessoria técnica. As empreiteiras pagavam estas empresas, Alberto Youssef, devidamente autorizado por elas, recebia os valores e distribuía-os a terceiros mediante comissão. Assim, licitações da Petrobrás acabavam contratando as empreiteiras que efetuaram os pagamentos.
Além do benefício econômico recebido pelas empreiteiras, por dirigentes da Petrobrás e por intermediários como Youssef, há ainda acusação de que políticos do PT, PMDB e PP teriam recebido de 1% a 3% sobre os valores dos contratos assinados (Folha de S. Paulo, 23.11.2014, A8).
E agora? Quais os próximos capítulos do caso? Quais as consequências? Bem, as consequências não podem ser previstas milimetricamente, mas, basicamente, consistirão no seguinte:
- As investigações e as várias ações penais continuarão, grandes quantias serão sequestradas, as delações premiadas tendem a crescer em número e as provas dos autos dirão quem deve ser condenado e quem deve ser absolvido.
- O juiz federal Sérgio Moro continuará presidindo os processos. Nenhuma tentativa de desestabilizá-lo terá resultados, muito menos tentar afastá-lo do processo por impedimento ou suspeição. Referido magistrado age com discrição, goza do respeito na classe e no seu Tribunal (TRF4), tem sólida formação jurídica (é doutor e professor de processo penal na UFPR), tem vida pessoal inatacável e equilíbrio psicológico para enfrentar pressões.
- As empreiteiras do Brasil – não apenas as nove envolvidas - terão que alterar seus métodos de agir e, doravante, seus diretores terão medo de praticar atos ilegais. Para que se tenha uma ideia do volume de dinheiro envolvido, as nove empresas acusadas têm contratos com a Petrobrás no valor de 59 bilhões de reais (Folha, 23.11.2014, A8).
- O STF terá que definir de uma vez por todas se nas ações penais originárias julga apenas os que detêm foro especial ou se julga, no mesmo processo, terceiros. Décadas se passaram sem que isto ficasse claro. Na Ação Penal 470 (mensalão) o Supremo decidiu processar todos, daí a condenação de M. Valério. Porém, mais recentemente, decidiu em 13.2.2014 pelo desmembramento, ou seja, quem não tem foro especial responde na primeira instância (Inquérito 3515 AgR/SP, Pleno, Relator Min. Marco Aurélio). Esta definição dos limites da competência originária pelo STF é um dos aspectos mais relevantes. Se o Supremo resolver avocar os 10 processos que estão tramitando na Justiça Federal em Curitiba, terá contra si toda a sociedade, que verá no ato uma decisão política, para afastar o juiz Sérgio Moro, que hoje é conhecido e respeitado por todos. Sem falar na dificuldade que haveria para processar 10 complexas ações penais originárias.
Em suma, estamos diante de um caso inédito, algo está mudando. Nele estamos definindo a utilidade do sistema, se ele tem condições de combater a macro criminalidade ou se ele serve apenas para combater crimes praticados por criminosos de pouca cultura e baixo nível social.
Vladimir Passos de Freitas é
desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi
corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR,
pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de
Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito
da "International Association for Courts Administration - IACA", com
sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.
Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de 2014, 13h30
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