Publicado por Francisco Hayashi
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Recentemente,
a Revista Veja publicou reportagem de capa destacando a “delação
premiada” do investigado Paulo Roberto Costa, ex-diretor de
abastecimento e refino da Petrobrás, preso na Operação Lava Jato da
Polícia Federal.
A delação premiada é uma técnica de investigação
consistente na oferta de benefícios pelo Estado àquele que confessar e
prestar informações úteis ao esclarecimento do fato delituoso. É mais
precisamente chamada “colaboração premiada” – visto que nem sempre
dependerá ela de uma delação. Essa técnica de investigação ganhou
notoriedade ao ser usada pelo magistrado italiano Giovanni Falcone para
desmantelar a Cosa Nostra.
A primeira lei a prever essa colaboração premiada no Brasil foi a Lei de Crimes Hediondos.
Previa-se a redução de um a dois terços da pena do participante ou
associado de quadrilha voltada à prática de crimes hediondos, tortura,
tráfico de drogas e terrorismo, que denunciasse à autoridade o grupo,
permitindo seu desmantelamento (art. 8º, parágrafo único, Lei 8.072/1990). Já no crime de extorsão mediante sequestro, o benefício dependia que fosse facilitada a libertação da vítima (art. 159, § 4º, Código Penal). Posteriormente, passou-se a prever a delação premiada também para crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e contra a ordem tributária (art. 16, parágrafo único, da Lei 8.137/1990, incluído pela Lei 9.080/1995) e crimes praticados por organização criminosa (art. 6º, Lei 9.034/1995).
Porém, o instituto somente foi reforçado e ganhou aplicabilidade prática com a Lei 9.613/1998,
de combate à lavagem de dinheiro. Essa lei passou a prever prêmios mais
estimulantes ao colaborador como a possibilidade de condenação a regime
menos gravoso (aberto ou semiaberto), substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos e até mesmo perdão judicial (art. 1º, § 5º, Lei 9.613/1998). No mesmo sentido caminhou a Lei 9.807/1999, que trata da proteção de testemunhas (arts. 13 e 14, Lei 9.807/1999).
Posteriormente, ainda foram editadas as Leis 11.343/2006, prevendo a colaboração premiada para crimes de tráfico de drogas (art. 41), e a Lei 12.529/2011,
que denominou a colaboração premiada de “acordo de leniência”, prevendo
sua aplicabilidade para infrações contra a ordem econômica (arts. 86 e
87).
À exceção dessa última, todas essas legislações pecavam por
não regulamentar essa técnica de investigação, o que sujeitava alguns
dos colaboradores ao risco de caírem em um limbo jurídico e ficarem
sujeitos ao decisionismo judicial. A Lei 12.529/2011,
regulamentou mais especificamente o “acordo de leniência”, prevendo,
além do evidente sigilo (art. 86, § 9º), que o colaborador identifique
os demais envolvidos e forneça informações e documentos que comprovem a
infração noticiada ou sob investigação (art. 86, I e II). Além disso, é
preciso que, por ocasião da propositura do acordo, não estejam
disponíveis com antecedência provas suficientes para assegurar a
condenação, a empresa confesse sua participação no ilícito e coopere
plena e permanentemente com as investigações (art. 86, § 1º).
Todavia, um procedimento completo foi previsto apenas na Lei 12.850/2013, que prevê medidas de combate às organizações criminosas.
Os benefícios variam de perdão judicial, redução da pena em até 2/3 e substituição por penas restritivas de direitos (art. 4º).
Exige-se
que a colaboração seja voluntária e efetiva (art. 4º). Esta é, aliás,
uma das características marcantes da colaboração premiada: o benefício
depende da efetividade da colaboração, isto é, de resultado. O resultado
pode ser a identificação de cúmplices e dos crimes por eles praticados,
a revelação da estrutura e funcionamento da organização criminosa, a
prevenção de novos crimes, a recuperação dos lucros obtidos com a
prática criminosa ou a localização de eventual vítima com sua
integridade física assegurada (art. 4º, I a V).
O juiz não deve
participar das negociações para formalização do acordo de colaboração.
Apenas o colaborador, seu advogado, o delegado de polícia e o
representante do Ministério Público participam (art. 4º, § 6º).
Negociado o acordo ele deve ser formalizado contendo o relato do
colaborador e eventuais resultados pretendidos, as condições da proposta
do Ministério Público e da autoridade policial, a declaração de
aceitação do colaborador e de seu defensor, as assinaturas de todos os
participantes e a especificação de medidas de proteção ao colaborador e
sua família (art. 6º).
O termo do acordo é então encaminhado, com
cópia da investigação e das declarações do colaborador, ao juiz, para
homologação (art. 4º, § 7º). Após a homologação, iniciam-se propriamente
as medidas de colaboração (art. 4º, § 9º). Parte fundamental do acordo é
que o colaborador renuncia ao seu direito ao silêncio e fica
compromissado a dizer a verdade (art. 4º, § 14). Além disso, a Lei 12.850/2013
exige a presença de advogado em todos os atos de negociação,
confirmação e execução da colaboração (art. 4º, 15º). A eficiência do
acordo é julgada pelo juiz, na sentença (art. 4º, § 11), que não pode
condenar apenas com base nas declarações do colaborador, devendo possuir
meios de prova diversos (art. 4º, § 16).
Apesar de já ser
aplicado desde a edição das primeiras leis que implantaram o instituto, a
colaboração premiada pode se tornar um instituto com maior visibilidade
e mais ampla utilização no processo penal brasileiro, a depender do
deslinde da Operação Lava Jato. Se a delação de Paulo Roberto Costa
gerar bons resultados, tanto para a administração da Justiça como para o
colaborador, a cultura de investigação e processamento de crimes
envolvendo grupos criminosos pode mudar bastante. A principal pergunta
dos investigadores poderá passar a ser: Quem falará primeiro?
Por Francisco Yukio Hayashi, advogado criminalista, sócio-fundador do Costa Ferreira & Hayashi Advocacia e Consultoria
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