Todos
os dias recebemos informações sobre as medidas sanitárias de prevenção
que devem ser adotadas em razão do coronavírus. Nesta
ConJur, José Rogério Tucci publicou
texto
bastante interessante sobre a matéria voltado aos advogados. Sigo outro
caminho. Analiso os aspectos econômicos, financeiros e tributários
decorrentes da crise pandêmica. O que está ocorrendo lembra aquela
música do Chico Buarque,
O malandro,
na qual um calote dado no gole de cachaça no bar gera implicações
mundiais, até com os “ianques, com seus tanques”, que ficam proibidos de
beber. Troque “o malandro” pelo coronavírus e a imagem fica mais
nítida.
Comecemos pela economia. Parece inegável que a atividade
econômica vai ser fortemente reduzida com as pessoas consumindo menos.
Grande parte da população, corretamente, está em seus lares, sem
circular por bares, restaurantes, lojas, shoppings etc. Os
estabelecimentos de ensino fecharam suas atividades presenciais, o que,
no setor público se agrava ainda mais em face da ausência da merenda
escolar. Na ponta da produção, as indústrias estão desacelerando e o
agronegócio luta para manter o abastecimento normalizado. Isso aponta
para menos faturamento em toda a cadeia econômica de bens e serviços.
Haverá
uma queda substancial do PIB nacional, o que impactará as contas
públicas e toda a sociedade. Não afetará apenas o Brasil, mas todo o
mundo. Trata-se de uma pandemia, o que não respeita fronteiras
nacionais.
As empresas sofrerão pesadamente os efeitos da crise.
Infelizmente, com menor faturamento, haverá menos dinheiro para o
pagamento das despesas correntes, sendo várias delas adiadas. Usualmente
as empresas possuem as seguintes espécies de despesas: salários,
financeiras (desconto de duplicatas, pagamento do capital de giro ou
empréstimos em geral), tributos e fornecedores.
A prioridade devem
ser os salários e a preservação da equipe – afinal, essa crise vai
passar e os negócios voltarão a fluir, sendo necessário ter o capital
humano preservado. Afinal, aumentar o desemprego só piorará a situação
nacional, fazendo crescer o exército de 12 milhões de desempregados já
existentes. Em um primeiro momento Isso implica em menor impacto para as
famílias, que devem estar confinadas em seus lares e desacostumadas de
estar tanto tempo obrigatoriamente juntos, sem sequer a possibilidade de
irem até a esquina para tomar um café ou uma cerveja com os amigos. Os
fornecedores devem vir em segundo lugar neste momento, caso contrário a
reação negativa em cadeia se propagará, tal qual o vírus. Pagamento de
bancos e tributos serão postergados.
Deve-se estimular fortemente o
teletrabalho e as vendas on line – as equipes do setor de comércio e de
serviços devem ser redirecionadas para essa modalidade de negócios.
Entre partes privadas, será feita a recomposição da dívidas. Credores e
devedores ajustarão procedimentos de pagamento com descontos ou prazos.
Na advocacia, por exemplo, a atividade de litigância será fortemente
reduzida, mas a consultoria on line será incrementada.
Passemos
para o tributário. Isso implica em menor arrecadação, considerado o
pagamento normal dos tributos ICMS, IR, CSLL, ISSI, PIS e Cofins. De
forma correta os diversos governos estão adotando providências para
adiar o recebimento dos tributos – ainda bastante tímidas -, tais como a
postergação do pagamento da parte da União no Simples Nacional por seis
meses (
Resolução CGSN 152/2020);
a suspensão por três meses das medidas de cobrança, especialmente
protesto e exclusão de parcelamento e novo parcelamento extraordinário,
em até 84 parcelas, com 1% de entrada a ser pago em três meses, com a
primeira parcela a ser paga apenas em junho de 2020 (
Portaria MF 103 e
7.821/2020);
e o estabelecimento de isenções e facilidades relacionadas diretamente a
equipamentos médicos, tais como o afastamento do IPI, do II e
simplificação de despacho aduaneiro.
Existem outras medidas que
foram anunciadas e ainda não publicadas, tais como a postergação por
três meses do pagamento do FGTS e a redução, pelos próximos três meses,
de 50% das contribuições ao Sistema S. E existem ainda pleitos não
analisados, visando a prorrogação de validade de Certidões de
Regularidade Fiscal e adiamento do prazo de entrega de
IRPF.
Sem contar com um mar de normas estaduais e municipais que vem sendo
editadas. A Confederação Nacional da Indústria divulgou um quadro com as
medidas já adotadas pelo governo federal (veja
aqui).
Por
ora, o foco de preocupações vem sendo as pequenas empresas, porém,
seguramente, serão também necessárias medidas para as médias e grandes.
Questões regulatórias referentes a alguns setores específicos, como o da
empresas de aviação, já estão sendo flexibilizadas.
Tudo indica
que o pagamento dos tributos irá para o final da fila dos pagamentos das
empresas, a despeito das altas multas que permanecem sendo aplicadas.
Os governos deveriam reduzir os altíssimos encargos fiscais para retirar
o sufoco que ocorrerá na retomada de crescimento, que ocorrerá.
Escuta-se,
aqui e ali, rumores de que seria criado um empréstimo compulsório para
quem ganha acima de R$ 10 mil/mês. Como se trata de uma ideia
estapafúrdia, que vai penalizar ainda mais as famílias em tempo de
crise, não merece nem mesmo maiores comentários.
Olhemos agora os
aspectos financeiros. Com menor arrecadação, o setor público sofrerá,
tendo necessariamente que rever prioridades, que deve ser centrada no
combate ao vírus, reforçando o setor da saúde pública. Até mesmo setores
igualmente prioritários deixarão, por ora, de ter tanto destaque, como o
da educação. A arrecadação também deve ser suficiente para manter o
pagamento da remuneração do funcionalismo, além das ações de saúde
pública.
Para o fim da fila deve ir o pagamento da dívida pública,
cujos credores podem esperar. O pedido de decretação de estado de
calamidade enviado pelo Poder Executivo federal e aprovado Congresso (
Decreto Legislativo 6/20)
segue essa lógica – tirar da prioridade a meta de superávit fiscal.
Pena que isso só tenha sido adotado agora – deveria ser o padrão,
conforme
críticas
feitas anos atrás. O corte das taxas de juros deve ser incrementado,
para auxiliar a economia como um todo e reduzir o peso da dívida
pública.
Esta dívida seguramente irá aumentar, mas isso é um
problema para ser tratado após, pois a prioridade deve ser a saúde das
famílias e a preservação de sua renda – já imaginaram como está sendo o
impacto dessa crise nas famílias de pessoas desempregadas; agora
imaginem como será na família de um recém desempregado; impactos
desastrosos para toda a sociedade. Exatamente por isso é que alguns
governos, mundo afora, estão bancando os salários dos trabalhadores
desmobilizados, estejam ou não desempregados, através de subsídios às
empresas. Em uma crise como essa a menor célula econômica é a das
famílias, e não diretamente as empresas; estas são veículos para a
manutenção daquelas. Nas médias e pequenas empresas, quase sempre a
célula familiar se confunde com empresa; nas grandes, a responsabilidade
dos dirigentes deve ser com a empregabilidade e a manutenção das
equipes, a fim de permitir que haja uma célere retomada dos negócios
após a crise. Deve-se lutar para que as famílias se mantenham
estruturadas, sob pena de advir um caos ainda maior – esse deve ser o
foco da ação governamental.
Vê-se que os governos estão avançando o
sinal referente ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de
concessão, em especial junto às concessionárias de água e luz. São
intervenções econômicas muitas vezes necessárias, porém deverá ser feita
a devida recomposição dessa equação posteriormente.
É
imprescindível que a intervenção do Estado na economia seja feita de
forma adequada pelos governos, evitando maiores danos. Precisamos de
governos eficientes, pelo menos na gestão de crises. O governo federal,
constata-se, está com a equipe acéfala, a despeito da qualificação de
alguns de seus membros. Alguns governos estaduais e municipais se
mostram melhor qualificados, a despeito de nenhum estar à altura do
presente desafio.
O problema é que toda essa crise se torna
circular, como na música do Chico Buarque, envolvendo economia,
tributação e finanças, gerando um efeito em cadeia. É preciso manter a
economia girando, e o papel dos governos é fundamental para isso.
Nada como uma crise para transformar liberais convictos em keynesianos aplicados.
Será
que aprenderemos que vivemos em um só planeta, e que o tilintar de um
sino em Lisboa pode matar um mandarim na China, como no
conto de Eça de Queirós?