Do princípio da participação popular ambiental
Em
tempos de aquecimento global, catástrofes ambientais e de descaso com o
meio ambiente, um dos mais relevantes princípios do direito ambiental
nacional e internacional é o o princípio da participação popular[1], ou simplesmente da participação nas políticas públicas ambientais ou que possam afetar o meio ambiente.
Na
lição de Moreira Neto, "a democracia não pode mais ser considerada
apenas como um processo formal de escolha de quem nos deve governar,
mas, também, de uma escolha de como queremos ser governados",[2] pois o cidadão não perde a sua liberdade com a expressão de seu voto.[3]
Portanto, para além de uma perspectiva formal, a democracia exige
também concepção substancial, ou, conforme preleciona Rosanvallon, os
cidadãos, em uma "democracia de exercício", deixam de ser "soberanos de
um dia" para participar de forma mais constante no controle dos
governantes.[4]
Na medida em que o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal dispôs que o poder emana do povo e pode ser exercido diretamente,
"agrega a dimensão de uma democracia participativa, abrindo espaço para
a intervenção direta dos cidadãos brasileiros nas decisões políticas".[5]
O princípio da participação na tomada de decisões ambientais integra um dos três pilares[6] do Princípio 10 da Declaração do Rio de 1992, segundo o qual:
A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos.
Esses
pilares foram posteriormente desenvolvidos pela "Convenção de Aahrus
sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada
de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente",[7] de 1998, pela qual a
(...) melhoria do acesso do público à informação e a sua mais ampla participação nos processos de tomada de decisões e no acesso à justiça são instrumentos essenciais para garantir a sensibilização do público para as questões ambientais e para promover uma melhor execução e aplicação da legislação ambiental. Tal contribui para reforçar e tornar mais eficazes as políticas de ambiente.
Assim,
em nível nacional, cada pessoa deve ter a possibilidade de participar
no processo de tomada de decisões (administrativas e judiciais), até
porque o artigo 225 da Constituição Federal reputou o meio ambiente
ecologicamente equilibrado como "bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida", impôs sua defesa e preservação não apenas ao
Poder Público, como também à coletividade, e, no §1º, inciso VI,
prescreveu como dever do Poder Público "promover a educação ambiental em
todos os níveis de ensino e conscientização pública para preservação do
meio ambiente".
A legislação brasileira consagra diversos mecanismos participativos em questões ambientais, tais como:
a) o artigo 5º da Lei nº 7.802/89,
ao enumerar entidades com legitimidade para requerer o cancelamento ou a
impugnação, em nome próprio, do registro de agrotóxicos e afins,
arguindo prejuízos ao meio ambiente, à saúde humana e dos animais;
b)
a previsão de realização de audiências públicas em licenciamentos para
empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente
causadoras de significativa degradação do meio, hipótese em que se
exigirá, também, o estudo de impacto ambiental;[8]
c) a positivação da ação civil públicae da própria ação popular[9]
para apurar a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados
ao meio ambiente e a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico;
d) a
possibilidade de qualquer pessoa, constatando infração ambiental,
dirigir representação às autoridades competentes para efeito do
exercício do seu poder de polícia;[10]
e)
o acolhimento de diversas diretrizes de participação da sociedade
civil, das populações locais, organizações não governamentais, de
organizações privadas e pessoas físicas no Sistema Nacional de Unidades
de Conservação da Natureza;[11]
e) a previsão da educação ambiental como princípio[12] da Política Nacional do Meio Ambiente;
f) a instituição do princípio da “gestão democrática” na proteção e na utilização do Bioma Mata Atlântica;[13]
g) a determinação de observância, na Política Nacional de Mudança do Clima, do princípio da “participação cidadã”;[14]
h)
a definição, como princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos,
da “cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor
empresarial e demais segmentos da sociedade”, e do “direito da sociedade
à informação e ao controle social”;[15]
i)
a possibilidade de participação da sociedade civil em órgãos públicos
com competência para regulação ambiental, sendo o Conama o caso mais
emblemático, o qual é composto por cinco setores, a saber: órgãos
federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil.
O
ordenamento jurídico brasileiro é farto, portanto, na concessão de
instrumentos aptos a concretizar o princípio da participação popular
ambiental. Estes mecanismos permitem que a cidadania possa fiscalizar
os grandes poluidores privados, os processos licitatórios, as políticas
públicas e, ainda, para que tome parte, com voz ativa, e exerça
benfazeja influencia, com finalidade ecológica, nos procedimentos
decisórios que possam afetar o meio ambiente e a saúde pública
negativamente. Importante é que se amplie a participação popular como
uma afirmação da democracia.
O exercício
da vontade do povo consciente e descarbonizada em questões ambientais
no Brasil é de suma importância não apenas para a tutela das presentes
mas, também, para a proteção das futuras gerações que não podem ser
vítimas de novas catástrofes, de causas antrópicas, como as ocorridas em
Mariana e Brumadinho.
*Gabriel Wedy é
juiz federal, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(Unisinos) e na Escola Superior da Magistratura Federal (Esmafe),
pós-doutor em Direito e visiting scholar na Columbia Law School
no Sabin Center for Climate Change Law e professor visitante na
Universität Heidelberg- Instituts für deutsches und europäisches
Verwaltungsrecht. Foi presidente da Associação dos Juízes Federais do
Brasil (2010-2012) e da Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do
Sul (2008-2010) e representante da magistratura federal no Conselho da
Justiça Federal (2010-2012) e no Conselho do Prêmio Innovare
(2010-2012). Autor de diversos artigos jurídicos no Brasil e no exterior
e de livros, entre os quais, "Desenvolvimento Sustentável na Era das
Mudanças
Climáticas: um direito fundamental".
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 7 de março de 2020, 8h00
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