terça-feira, 6 de agosto de 2013

Necessidade de reforma geral de tributos é inadiável

Justiça Tributária

O conceito de Justiça Tributária é muito simples. Trata-se apenas de dar a cada um o que é seu, em obediência às normas reguladoras do sistema tributário nacional. Suas regras máximas estão fixadas na Constituição, complementadas pelo Código Tributário Nacional e reguladas pela legislação aplicável em cada nível de poder.

No relacionamento entre fisco e contribuinte as duas partes devem receber o que lhes cabe. Cada um de nós, contribuintes, temos o dever de entregar aos poderes constituídos uma parte do que temos – rendimentos ou patrimônio – para recebermos serviços que nos permitam viver na sociedade que merecemos.

Todos esses serviços destinam-se, conforma a CF, a: “Iinstituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.

Mas o nosso sistema tributário não viabiliza tais objetivos. A legislação tributária de nosso país já chegou ao máximo dos absurdos, ultrapassando todos os limites do bom senso. Não existe mais conserto ou remédio para o que ainda vigora em todos os níveis de governo. Nossa carga tributária é de tal forma desorganizada, que sequer há estatísticas ou registros confiáveis.

Entidades representativas dos empresários exibem vistoso painel eletrônico com o título de impostômetro, onde se registra de minuto a minuto números que indicariam valores arrecadados. De outro lado, associação de servidores públicos criou outro aparato igualmente vistoso, apelidado de sonegômetro, onde estariam registrados os valores que os contribuintes estariam surrupiando do tesouro.

Não parece que qualquer dessas iniciativas tenha resultado maior que chamar a atenção do público, a indicar apenas uma espécie de marketing. Se o nível de sonegação divulgado for realmente de mais de R$ 400 bilhões por ano como já se divulgou, a carga tributária do país seria de mais de 50% do PIB, não de menos de 40%. O pagamento desse volume de tributos nos transformaria a todos em escravos.

Voltando ao conceito de Justiça Tributária: temos que dar ao Estado o que é dele, não mais do que isso. Tal valor deve corresponder ao que se emprega no atendimento do bem comum: saúde, educação, segurança e atendimento das estruturas de uma sociedade democrática.

Numa sociedade democrática, o poder emana do povo. O Estado não se destina à manutenção de privilégios dos ocupantes dos cargos públicos. Os membros de todos os poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – são servidores públicos, ainda que exerçam cargos de autoridade. Não mandam no país, mas apenas exercem atos limitados pela lei.

Para que tenhamos uma visão mais precisa desse conceito, podemos recorrer às palavras do então ministro Eros Roberto Grau: “Meu ofício não é mais importante que o do jardineiro ou daquele que cuida da saúde das pessoas.” (O Estado de S. Paulo,27/08/2007, página A8). Ou seja: a igualdade de todos perante a lei não autoriza que ninguém se julgue mais importante que outrem, ainda que o cargo que eventualmente ocupe o seja.

Ora, se o Estado deve receber o que lhe pertence, não é razoável que a carga tributária seja desproporcional à capacidade contributiva, nem que possa apresentar indícios de confisco. Observem-se, a respeito, as disposições constitucionais (CF, artigos 37 e 170). O contribuinte, pessoa física ou jurídica, deve pagar tributos, mas deve manter em seu poder parte da riqueza que possui ou produz, de forma a lhe permitir novos investimentos. Se alguém recebe rendimento que lhe possibilita apenas sobreviver, sem que nada ou quase nada lhe reste após o pagamento dos tributos, não é cidadão, mas escravo.

De igual forma, as pessoas jurídicas não devem ser castigadas pelos seus lucros, pois,  num sistema capitalista, são os lucros que justificam os investimentos e movimentam a economia sem o que o país não se desenvolve.

Quando os nossos governantes anunciam que o poder público vai fazer grandes investimentos, não podemos ignorar que os recursos foram gerados pela sociedade ou serão por ela suportados em qualquer circunstância, onerando-a pesadamente quando as obras forem financiadas a longo prazo.

Finalmente, não existe Justiça Tributária se o resultado da arrecadação não for administrado com seriedade. Não basta que o gestor público deixe de cometer desvios, deixe de roubar. Precisamos que a aplicação dos tributos seja feita com sabedoria, dando-se prioridade ao que realmente importa. Quando um prefeito, por exemplo, aplica as verbas municipais em festas inúteis, em obras desnecessárias, em salários de desocupados, assume a postura de um meliante, pois desvia recursos que são do povo. Tal situação se aplica a todos os níveis de governo.

Diante de tudo isso, vemo-nos diante da necessidade de uma ampla reforma tributária e fiscal.  Para tanto, será necessário, em breve, a convocação de nova constituinte, uma vez que a CF de 88 já está totalmente descaracterizada com a enorme quantidade de remendos que recebeu a título de emendas.

Também já passou da hora de termos um Código de Defesa do Contribuinte que garanta os direitos dos pagadores de impostos.

Nessa ampla reforma, teremos que dar também destaque especial à necessidade de garantir mecanismos de estabilidade para as regras tributárias que nos regem. Evitaríamos, assim, que uma Ministra do STF fosse obrigada a fazer um desabafo surpreendente: “Neste país, nunca se sabe quanto tem que se pagar de impostos. E isso causa infelicidade nos cidadãos e atrapalha o crescimento." ( Ellen Gracie, 12/11/2010, do XXI Simpósio Nacional de Estudos Tributários).

Se a insegurança no pagamento de impostos causa infelicidade nos cidadãos e atrapalha o crescimento , todos nós temos que assumir o compromisso de desenvolver todos os esforços de que somos capazes para
mudar essa situação.

Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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