quarta-feira, 13 de maio de 2020

Sebastião Tapajós nasceu em Santarém, ou Alenquer?


SEBASTIÃO TAPAJÓS
Por Cristovam Sena

Sebastião Tapajós nasceu no dia 16 de abril de 1942. Nasceu dentro de um barco que singrava as águas do maior rio do Mundo, o Amazonas, quando sua mãe viajava de Alenquer para Santarém.
Até hoje persiste a disputa entre as duas cidades, cada uma a reivindicar a naturalidade do nosso violonista maior.
No dia 17 de janeiro de 2009, um sábado, fui procurado pelo deputado estadual Alexandre Von, vinha acompanhado do Sebastião Tapajós.
Sebastião trazia uma pasta com recortes de jornais e programas das suas apresentações no Brasil e exterior. Disse-me que sua esposa Tânia tinha conseguido recuperar bom material sobre sua carreira, que existiam outras pastas iguais a esta em sua casa.
Sebastião, durante sua longa e vitoriosa carreira artística musical não deu bola pra fama, por isso nunca se preocupou em guardar o que ia sendo produzido a seu respeito.
Ainda bem que seu Anjo da Guarda enviou dona Tânia para recuperar o tempo perdido e construir apreciável acervo sobre o Babá, apesar do muito que já tinha sido extraviado.
Durante nossa conversa, já no ICBS, Alexandre falou a respeito da sua ideia de produzir uma espécie de currículo, ou catálogo das obras musicais do Sebastião, a fim de subsidiar o Dr. Mário Ribeiro no projeto que iria apresentar à UEPA, propondo que a universidade concedesse ao Sebastião o título de Doutor Honores Causa. Topei a ideia!
Quando constatei a preciosidade do material que tinha em minhas mãos, conversei com Alexandre e sugeri que poderíamos editar um livro biográfico da carreira artística do Tião. Ele topou!
Organizar os arquivos do Tião, trabalhar com fragmentos de sua história de artista precoce foi tarefa gratificante.
Mesmo tendo em mãos farto material sobre a sua vida artística, sabia que representava apenas ínfima parte do que se escreveu sobre sua extensa carreira de músico profissional, iniciada em Belém no ano de 1961 integrando o conjunto "Os Mocorongos", dirigido pelo professor Gelmirez Melo e Silva que teve visão de investir no potencial artístico do jovem talento santareno.
Em 1963 era lançado seu primeiro disco "Apresentando Sebastião Tapajós e seu Conjunto".
Quando mostrei ao Alexandre e ao Sebastião uma boneca do livro, o Tião começou a folhear. Folheando, começou a lacrimejar, e veio me abraçar. Seria o primeiro livro editado sobre a sua vida, estava emocionado.
Ao trabalhar no livro, não procurei garimpar novas noticias, prendi-me somente ao material recebido da dona Tânia, por considerar que tinha em mãos uma mostra representativa do que o mundo pensava e pensa sobre a arte musical de Sebastião Tapajós.
"Ele cultiva de tal forma a arte de sua música que às vezes parece irreal”, assim se expressava, já em 1981, a imprensa especializada alemã, onde é considerado um violonista dos mais criativos e originais, que já tinha lhe concedido o prêmio de melhor disco estrangeiro de 1978, com o disco “Guitarra Latina”.
Em 1982, ainda na Alemanha, Sebastião recebeu o “Grande Prêmio do Disco” conferido pela Deutsche Phono-Aka Demie com o LP “Guitarra Criolla”.
Ele, que nasceu dentro de um barco nas águas do maior rio do mundo, viria a ser considerado em pouco tempo um dos maiores violonistas do mundo, se apresentando nos palcos da Europa, só ou acompanhado de Baden Powel, Zimbo Trio, Sivuca, Hermeto Paschoal, Airto Moreira, Egberto Gismonti, Altamiro Carrilho. Todos também reconhecidos internacionalmente pela qualidade das suas produções musicais.
Dei ao livro, lançado em Santarém por ocasião da 6ª edição do "Salão do Livro", em 2013, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura (SEMC) o título "Sebastião Tapajós: 50 anos de vida artística".
Ainda em 2013 a Universidade do Estado do Pará concedeu-lhe o diploma de Doutor Honoris Causa, "em reconhecimento ao destaque relevante no cenário cultural, inspirado nas raízes da música brasileira e da cultura regional."
Em 2018 participei da equipe que organizou a homenagem denominada “Santarém do Tapajós: Rio abaixo Rio acima”, que aconteceu no mês de maio, na Casa da Cultura.
Festa bonita em tributo ao Sebastião Tapajós, comandada pelo Waltinho do Teclado.
O filho Ricardo apresentou a discografia do pai Sebastião, contendo 59 discos. Seus amigos Odilson Matos e Paulo Ivan cantaram, e o Regional Mocorongo interpretou músicas do Tião.
O prefeito Nélio Aguiar sancionou a Lei que concedeu benefício de 3 salários mínimos ao Sebastião e, por fim, a festa foi encerrada com a bateria do Bloco da Pulga cantando o Samba Enredo em homenagem ao Sebastião Tapajós.
Retornando ao "Sebastião Tapajós: 50 anos de vida artística". O Edgar Augusto, amigo do Tião, foi quem prefaciou o livro. Prefácio que transcrevo agora, como forma de homenagear o genial aniversariante.
"Sebastião Tapajós disse ao Cristovam Sena que eu sabia tudo sobre a carreira dele. Quem dera... Não, não sei tudo. Gostaria de, mas não sei. O que sei, na verdade, vem de observações cheias de admiração a quem reputo como dono do maior violão da Amazônia. E não de agora, de muito tempo para cá, desde época em que, ainda criança, eu o assistia tocar pela TV Marajoara sob apresentação do Professor Gelmirez Melo e Silva.
Estávamos no começo dos anos sessenta e eu já gostava de rock. Sorte era não ser radical e também poder sentir a boa música de outras formas. Uma delas, a que Sebastião tocava.
Ele tinha um som diferenciado, um modo todo próprio de bater naquelas cordas. Jamais, por isso, deixei de acompanhá-lo. Tinha todos os seus discos, desde os daqui pelo Brasil, comandando grupos, até os de concertos e de jazz que saiam pelo exterior.
Quando jornalista, bem jovem, lembro, fiz uma entrevista com Tião pelo telefone para jogar num programa de rádio. Foi sensacional. Outra vez, embevecido, o vi tocar ao cair da tarde na Ilha dos Amores, praia do Farol, em Mosqueiro, diante de uma plateia absolutamente encantada.
Nunca aprendi violão, engraçado. Preferi a minúscula gaita de boca. E não é que meu violonista preferido gravou um disco com o Maurício Einhorn, justo o cracão da dita cuja? Juro que tentei aprender "Luar de Joá", mas nunca consegui. Aliás, houve uma vez em que chegando a minha casa no Mosqueiro, ao lado do Paulo André Barata, ele me surpreendeu tentando ensaiá-la sob acompanhamento de meu saudoso pai, Edyr Proença. Quase morri de vergonha.
Hoje continuo admirador do Tião, admirador e amigo dele. Tenho o maior orgulho desse fato. Égua, sou amigo do maior violonista da Amazônia, um cara que quando faz concertos pela Europa a turma é obrigada a reservar os ingressos com um mês de antecedência.
Às vezes acho que não sei nada sobre o Tião, às vezes acho que sei pelo menos um pouquinho. A admiração pela arte dele, está comigo, ainda é a mesma dos tempos da TV Marajoara.
Tudo o que acabei de dizer teve o coração como principal porta-voz, o coração de um crítico de música, mas o coração também de um fã daqueles fidelíssimos.
Tapajós ganhou um livro. E eu a alegria imensa de fazer parte dele."

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