domingo, 8 de março de 2020

Princípio da paticipação popular ambiental

Ambiente Jurídico

Do princípio da participação popular ambiental

Em tempos de aquecimento global, catástrofes ambientais e de descaso com o meio ambiente, um dos mais relevantes princípios do direito ambiental nacional e internacional é o o princípio da participação popular[1], ou simplesmente da participação nas políticas públicas ambientais ou que possam afetar o meio ambiente.
Na lição de Moreira Neto, "a democracia não pode mais ser considerada apenas como um processo formal de escolha de quem nos deve governar, mas, também, de uma escolha de como queremos ser governados",[2] pois o cidadão não perde a sua liberdade com a expressão de seu voto.[3] Portanto, para além de uma perspectiva formal, a democracia exige também concepção substancial, ou, conforme preleciona Rosanvallon, os cidadãos, em uma "democracia de exercício", deixam de ser "soberanos de um dia" para participar de forma mais constante no controle dos governantes.[4]
Na medida em que o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal dispôs que o poder emana do povo e pode ser exercido diretamente, "agrega a dimensão de uma democracia participativa, abrindo espaço para a intervenção direta dos cidadãos brasileiros nas decisões políticas".[5]
O princípio da participação na tomada de decisões ambientais integra um dos três pilares[6] do Princípio 10 da Declaração do Rio de 1992, segundo o qual:
A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos.
Esses pilares foram posteriormente desenvolvidos pela "Convenção de Aahrus sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente",[7] de 1998, pela qual a 
(...) melhoria do acesso do público à informação e a sua mais ampla participação nos processos de tomada de decisões e no acesso à justiça são instrumentos essenciais para garantir a sensibilização do público para as questões ambientais e para promover uma melhor execução e aplicação da legislação ambiental. Tal contribui para reforçar e tornar mais eficazes as políticas de ambiente.
Assim, em nível nacional, cada pessoa deve ter a possibilidade de participar no processo de tomada de decisões (administrativas e judiciais), até porque o artigo 225 da Constituição Federal reputou o meio ambiente ecologicamente equilibrado como "bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida", impôs sua defesa e preservação não apenas ao Poder Público, como também à coletividade, e, no §1º, inciso VI, prescreveu como dever do Poder Público "promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e conscientização pública para preservação do meio ambiente".
A legislação brasileira consagra diversos mecanismos participativos em questões ambientais, tais como:
a) o artigo 5º da Lei nº 7.802/89, ao enumerar entidades com legitimidade para requerer o cancelamento ou a impugnação, em nome próprio, do registro de agrotóxicos e afins, arguindo prejuízos ao meio ambiente, à saúde humana e dos animais;
b) a previsão de realização de audiências públicas em licenciamentos para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio, hipótese em que se exigirá, também, o estudo de impacto ambiental;[8]
c) a positivação da ação civil públicae da própria ação popular[9] para apurar a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
d) a possibilidade de qualquer pessoa, constatando infração ambiental, dirigir representação às autoridades competentes para efeito do exercício do seu poder de polícia;[10]
e) o acolhimento de diversas diretrizes de participação da sociedade civil, das populações locais, organizações não governamentais, de organizações privadas e pessoas físicas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza;[11]
e) a previsão da educação ambiental como princípio[12] da Política Nacional do Meio Ambiente;
f) a instituição do princípio da “gestão democrática” na proteção e na utilização do Bioma Mata Atlântica;[13]
g) a determinação de observância, na Política Nacional de Mudança do Clima, do princípio da “participação cidadã”;[14]
h) a definição, como princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos, da “cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade”, e do “direito da sociedade à informação e ao controle social”;[15]
i) a possibilidade de participação da sociedade civil em órgãos públicos com competência para regulação ambiental, sendo o Conama o caso mais emblemático, o qual é composto por cinco setores, a saber: órgãos federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil.
O ordenamento jurídico brasileiro é farto, portanto, na concessão de instrumentos aptos a concretizar o princípio da participação popular ambiental.  Estes mecanismos permitem que a cidadania possa fiscalizar os grandes poluidores privados, os processos licitatórios, as políticas públicas e, ainda, para que tome parte, com voz ativa, e exerça benfazeja influencia, com finalidade ecológica, nos procedimentos decisórios que possam afetar o meio ambiente e a saúde pública negativamente. Importante é que se amplie a participação popular como uma afirmação da democracia.
O exercício da vontade do povo consciente e descarbonizada em questões ambientais no Brasil é de suma importância não apenas para a tutela das presentes mas, também, para a proteção das futuras gerações que não podem ser vítimas de novas catástrofes, de causas antrópicas, como as ocorridas em Mariana e Brumadinho.

 é juiz federal, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e na Escola Superior da Magistratura Federal (Esmafe), pós-doutor em Direito e visiting scholar na Columbia Law School no Sabin Center for Climate Change Law e professor visitante na Universität Heidelberg- Instituts für deutsches und europäisches Verwaltungsrecht. Foi presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (2010-2012) e da Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul (2008-2010) e representante da magistratura federal no Conselho da Justiça Federal (2010-2012) e no Conselho do Prêmio Innovare (2010-2012). Autor de diversos artigos jurídicos no Brasil e no exterior e de livros, entre os quais, "Desenvolvimento Sustentável na Era das Mudanças Climáticas: um direito fundamental".
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 7 de março de 2020, 8h00

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