* Valmir Pontes Filho
“Existem inúmeras vantagens em seguir a carreira da magistratura: remuneração bem acima da média, vantagens adicionais de natureza várias, férias alongadas, vitaliciedade, prestígio profissional e social, admiração e respeito antecipados (em qualquer situação). Alguns, todavia, acreditam piamente que tal situação é eterna, ou seja, que jamais se aposentarão.
Já enxerguei a tristeza de vários deles, na inatividade, sentados em bancos de shoppings, numa solidão de dar dó. Portanto, cuidado com o salto alto.
Nunca tive pendor (nem capacidade cultural e intelectual) que me credenciasse para ser juiz. Mas admiro quem entende que a magistratura é como uma vida em monastério, a impor sacrifícios pessoais severos: aos seus integrantes não é dada a prerrogativa de viver tal qual um cidadão comum. Não lhe é conveniente, por exemplo, frequentar alguns locais, exagerar no beber, ser excêntrico no vestir etc. Aprisiona-se, digamos assim, voluntariamente.
Compete-lhe uma tarefa amarga, a de decidir sobre o destino (e até a liberdade e o patrimônio) dos outros. Como disse o nobre e íntegro Desembargador HUGO PEREIRA (precocemente falecido), “nada mais solitário que o ato de julgar”. Com efeito, nesse momento ele fica, embora rodeado de leis, códigos e pandectas, absolutamente só com sua consciência!
Como pretendi ensinar aos meus alunos, o que se aplica é uma INTERPRETAÇÃO da lei (submissa esta à Constituição). Mas tal atividade hermenêutica não envolve apenas um ato de conhecimento (cognoscitivo, por meio do qual se elabora a “moldura normativa”), mas também um ato de vontade (ou volitivo). Estabelecidos os limites (da moldura), o intérprete/aplicador do Direito escolhe a decisão que lhe pareça topicamente mais justa e adequada para a espécie, dotada de singularidades únicas (os “topoi”). Essas lições, insuperáveis, são de HANS KELSEN.
Isto exige do juiz não apenas profundo conhecimento técnico do ordenamento jurídico (da doutrina, em especial, hoje tão menoscabada) e da jurisprudência (mas sem ser escravo dela, sem fanatismo pelos acórdãos. pois “a ciência dos arestos tornou-se a ciência daquelas que não têm outra ciência.” (C. MAXIMILIANO, a citar DUPIN). Impõe-se a ele o estudo sistemático e permanente, condenado a ser um leitor voraz (até para o uso correto do vernáculo). Afinal, só se aprende a escrever e falar bem LENDO, lendo muito!
Não basta, porém: um magistrado, antes de tudo, há de ser uma pessoa discreta, sensível, ponderada e emocionalmente equilibrada, infensa a pressões de qualquer ordem (inclusive de natureza íntima ou ideológica), atento ao “senso comum das pessoas normais” (C.A. BANDEIRA DE MELLO). Não pode – ao exercer a jurisdição – ter preferências político-partidárias, “religiosas”, ideológicas ou clubísticas… há de ser IMPARCIAL e JUSTO (na medida do humanamente possível, pois a Justiça ideal só a que provém de DEUS)!
Ao julgar, se lhe impõe o dever de LER todos os autos (hoje, para meu desgosto pessoal, digitalizados, pois gosto do “cheiro do papel”), a analisar minuciosamente os documentos, os depoimentos, enfim, as provas produzidas. E atentar, com respeito, para as razões expostas pelos advogados das partes, lembrando que não é vergonhoso, à luz de sólidos argumentos, mudar a opinião preconcebida que possua sobre um tema.
Desaconselhável é que ele se exiba em palestras e convescotes (aqui ou no exterior, a convite de pessoas privadas ou públicas), dê entrevistas ou escreva artigos para jornais ou revistas (a não ser de cunho jurídico-científico ou sobre assuntos alheios à sua atuação profissional (conheço um magnífico juiz – Dr. Danilo Fontenele Sampaio – cujas crônicas são um deleite para qualquer um que as leia). A não ser excepcionalmente, para esclarecer, tecnicamente, algum ato seu de ofício.
Juiz (especialmente se chegar a Ministro de Corte Superior) deve manter a humildade – pois ele é e será sempre alguém espiritualmente igual (pelo menos) aos seus jurisdicionados. Não um homem ou mulher “maravilha”, um ser semidivino, que de tudo sabe e a se imaginar detentor da capacidade de dizer, antecipada e genericamente, o que é “bom” ou “ruim”, o que é “verdade” ou “mentira”, com valia definitiva para todos. Hoje o Judiciário arrogou-se em legislador primário, mesmo sem a mínima legitimidade para sê-lo.
Deve manter-se dentro dos gizamentos legais e CONSTITUCIONAIS, norma garantidora das LIBERDADES dos indivíduos contra as arbitrariedades do Estado, lembrando-se sempre de que “… a Constituição mais precisa nos homens é a CONSCIÊNCIA, capela onde a voz do Jurista do Universo declara suas leis” (VALMIR PONTES, meu pai, em curto recado psicográfico que me enviou).
Alguém que chega ao STF, que é “Supremo” apenas na dicção preciosista (e pretenciosa, já que prefiro no nome “Corte Constitucional”) do legislador constituinte, além desses predicados, deve ser pessoa de REPUTAÇÃO ILIBADA. E, não sendo obrigatoriamente, da carreira da magistratura (na minha opinião 2/3 deles deveriam sê-lo), há de possuir NOTÁVEL (e não meramente “notório”) SABER JURÍDICO.
Notório saber até eu, simplório advogado de província, posso ter (a juízo dos meus pobres ex-alunos), mas NOTÁVEL quem tem mesmo (ou tinha, para quem não crê na vida espiritual) é um Paulo Bonavides, um Seabra Fagundes, um Hugo de Britto Machado, um Arnaldo Vasconcelos, um Yves Gandra da Silva Martins (ainda aqui entre nós, ainda bem)... enfim, gente desse “naipe”.
Os juízes em geral, mas especialmente os membros de Cortes, não são oniscientes e onipotentes, não podem tudo, muito menos celebrar “acordos” (políticos?) em que possam ser “traídos”. Não lhes é dado carregar o traço da covardia, é certo, mas jamais podem ser gabolas ou fanfarrões. Equilíbrio, eis a receita, pois no meio está a virtude (”in medium virtus”)!
Aos jovens que desejarem essa carreira, meus parabéns e desejos de pleno sucesso e satisfação pessoal. Fiquem, porém, antecipadamente seguros dessa escolha e não se deixem deslumbrar pelo transitório “poder” de que disporão. TUDO PASSA!”
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