segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O novo CPC e o STF. Jurisprudências defensivas e a racionalidade do sistema

Publicado por Leonardo Sarmento 

O novo Código de Processo Civil que ainda não vige já chamou a atenção de integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Numa perfunctória avaliação, dizem que o texto criou novos recursos ao STF e que o tribunal não tem estrutura para lidar com o aumento exponencial de processos, que o sistema de informática da Corte terá de ser refeito, que o regimento interno, em diversos pontos, terá que ser revogado.
As alterações no CPC contrariariam, por exemplo, o que o STF programou ao patrocinar a Reforma do Judiciário: restringir o acesso ao Supremo por meio do instituto da repercussão geral. Com novos recursos disponíveis aos advogados, haverá formas de driblar a repercussão geral, no entendimento desses integrantes. Formas que os grandes escritórios rapidamente incorporarão às suas práticas.
O NCPC, em verdade, teve um primeiro projeto feito por um corpo de jurisconsultos extremamente qualificado capitaneado pelo atual ministro do STF Luiz Fux, mas acabou remendado politicamente e em grande parte se desnaturando de sua concepção original em diversos pontos, como o da busca por uma razoável duração do processo. Fato que se deu quando grandes corporações de advogados vieram a substituir o corpo originário que inicialmente havia projetado a ideologia que moveria o código no processo de democratização do debate e qua acabou em muitos pontos fazendo sua força prevalecer.
Como o texto ainda depende da sanção da presidente Dilma Rousseff, ainda é possível derrubar algumas das alterações. O presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski poderá, se assim avaliar com maior detalhamento, levar ao Planalto as preocupações do STF.
Certo é que, fundamental seria ter havido uma racionalização no elenco de possibilidades recursais, a adequação de um modelo inteligente, útil para o sistema e razoável de jurisprudência defensiva que o ordenamento, por óbvio não rejeite, que não negue o acesso quando devido, mas que obste os excessos protelatórios recursais que abarrotam nossos tribunais.
Não pode mais a prestação jurisdicional restar em parte substancial desqualificada pelo excesso de processos que chegam aos tribunais superiores, em grande parte patrocinados por grandes escritórios de direito que possuem meios morais e “imorais” de lograr êxito nos juízos de admissibilidade dos tribunais, enquanto o patrocinado que não conta com um escritório deste porte por questões financeiras em sua causa, tem o trânsito em julgado logo em 1º ou 2º grau de jurisdição.
Necessário nos termos do princípio da Isonomia, do princípio Democrático e Republicano reduzir os efeitos desta verdadeira “justiça censitária” que move precipuamente os tribunais superiores. Assim também, fundamental o aprimoramento do instituto da repercussão geral, do incidente de resolução de demandas repetitivas – que amplia a técnica de julgamentos por amostragem – de uniformização da jurisprudência e de todos os mecanismos de processo que de forma isonômica promova um Judiciário mais atento às qualidades que preocupado com as quantidades, quando já se demonstrou que um judiciário assoberbado é um judiciário ineficaz.
Tribunais superiores devem ser local de causas que promovam repercussão, caso contrário estão disponíveis as instâncias ordinárias quando a causa é julgada e pode ser revista em caso de inconformismo por um órgão colegiado, mas claro, nos termos de limitação das demandas repetitivas.
Vale dizer, como observação, que sou defensor em certas medidas, desde que razoáveis e em proveito de todo sistema, de “jurisprudências defensivas” ao contrário de muitos, que data vênia a abominam sem critérios distintivos. A exigência do número do processo de origem na guia de recolhimento das custas judiciárias, sem possibilidade de regularização; a impossibilidade de comprovação de feriado local após a interposição do recurso para os tribunais superiores; a intempestividade de recurso interposto antes da publicação em diário oficial do acórdão recorrido e o não conhecimento de recurso especial não ratificado após o julgamento de embargos de declaração da parte contrária são medidas irrazoáveis que não se pode apoiar.
O NCPC tomou algumas providências para fazer cessar as jurisprudências defensivas irrazoáveis:
(i) art. 76, § 2º - deixa claro que o regramento do art. 13 do atual CPC se aplica à instância recursal, de modo que, em caso de incapacidade processual ou irregularidade de representação da parte, deverá o relator possibilitar a correção do vício em prazo razoável, antes que não conheça do recurso ou determine o desentranhamento das contrarrazões;
(ii) art. 218, § 4º - estabelece a tempestividade do ato praticado (interposição de recurso, por exemplo) antes do termo inicial do prazo;
(iii) art. 1020, § 2º - determina que o equívoco no preenchimento da guia de custas (como, por exemplo, a falta de referência ao número do processo na origem) não resultará na aplicação da pena de deserção, incumbindo ao relator, em caso de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício em cinco dias ou solicitar informações ao órgão arrecadador;
(iv) art. 1038 – admite o prequestionamento implícito ou virtual, no sentido de se considerar incluídos no acórdão recorrido, os elementos que o embargante pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade;
(v) art. 1039, § 2º - afasta a necessidade de ratificação de recurso interposto anteriormente ao julgamento de embargos de declaração opostos pela parte contrária, desde que não se altere a conclusão do julgamento da decisão embargada;
(vi) art. 1042, § 3º - prevê que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave (consunção processual), dispositivo este que, evidentemente, dependerá da conformação mais ou menos formalista da jurisprudência dos tribunais superiores;
(vii) art. 1045 – permite o aproveitamento do recurso especial e sua conversão em extraordinário, caso se considere que a insurgência versa sobre questão constitucional; e
(viii) art. 1046 – permite o aproveitamento do recurso extraordinário e sua conversão em especial para o Superior Tribunal de Justiça, caso o Supremo Tribunal Federal considere como reflexa a ofensa à Constituição nele veiculada, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado.
Enfim, a jurisprudência defensiva só deve ser aceita quando fomentar a racionalização do sistema e desde que pautada por fundamentos que a ponderação dos valores constitucionais demonstre se tratar como medida necessária pela busca da efetividade de uma prestação jurisdicional qualificada.
Queremos concluir dizendo que não conferimos ao termo “jurisprudência defensiva” a conotação conceitual pejorativa que costuma se atribuir “prima facie”, como “a exacerbação na análise dos requisitos de admissibilidade dos recursos”. Se entendida assim é claro que não será jamais bem-vinda devido a adjetivação que preliminarmente já de atribui: “exacerbação”. Colocando de outra forma, entendemos que jurisprudência defensiva é o endurecimento dos requisitos de admissibilidades dos recursos, que pode se revelar razoável para o sadio funcionamento do sistema ou “exacerbado”, quando deverá ser expurgada das raias do Judiciário.
Em que pese tratar-se de providências insuficientes para debelar o mal da morosidade na justiça brasileira — cujas verdadeiras causas vão muito além de uma simples reforma processual, passando pelas deficiências estruturais e de gestão do serviço público judiciário, pela formação excessivamente formalista e contenciosa dos profissionais do Direito e pela indevida utilização do Judiciário como instrumento de moratória da dívida pública — há que se reconhecer que algumas propostas trazidas pelo NCPC são propostas que debelam evolução.
Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo de Trabalho pela FGV.

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