Desde Montesquieu, aprendemos que o equilíbrio entre os Poderes do Estado é essencial à preservação da liberdade e da ordem. A divisão entre Executivo, Legislativo e Judiciário, amparada pelo sistema de freios e contrapesos, visa evitar abusos e garantir a convivência democrática.
No plano conceitual, tudo parece bem resolvido. Na realidade institucional brasileira, no entanto, o cenário é outro.
Na prática hodierna, o que se observa é um desequilíbrio crescente entre os Poderes da República. A harmonia prevista na Constituição Federal parece cada vez mais distante — e Brasília, cada vez mais conflagrada.
O Executivo busca controlar o Congresso Nacional; o Judiciário, por sua vez, amplia seu alcance sobre os demais Poderes, muitas vezes imiscuindo-se em matérias de cunho eminentemente político. O Legislativo, ora se omite, ora atua como coadjuvante. O povo, por sua vez, assiste a tudo atônito — como biruta de aeroporto, levado ao sabor dos ventos, sem rumo, sem escuta, sem reação.
O dado mais grave, talvez, seja o avanço do medo como forma de contenção social. Contestação virou repreensão. Crítica virou afronta. Ironia virou subversão. Nem mesmo no repressivo período do regime militar (refiro-me aos dez últimos anos) se percebia tanto receio em exercer o natural contraditório, a cidadania ativa.
Até o direito fundamental de resistência, consagrado no espírito da democracia, passou a ser censurado. O que antes era direito — questionar, fiscalizar, resistir — agora é tratado como transgressão. Estão criminalizando tudo.
O Direito Penal, que deveria ser a “ultima ratio”, foi banalizado. A interpretação extensiva — e até analógica — de tipos penais tem sido aplicada com frequência, em evidente afronta ao princípio da legalidade estrita. Pisoteiam-se fundamentos do Estado de Direito em nome de causas momentâneas.
A ideologia, antes própria do debate político, hoje frequenta o espaço jurisdicional. Decisões judiciais revelam preferências, alinhamentos, simpatias partidárias. Julga-se menos com base na lei, mais com base na narrativa. A Justiça, outrora símbolo de imparcialidade, começa a ceder à lógica da militância.
A polarização, que já tomou conta das ruas e das redes sociais, invade as instituições como um Fla-Flu — ou um Re-Pa. E, nessa disputa, o Brasil vai perdendo o fio da legalidade, da racionalidade e, sobretudo, da confiança institucional.
Não se trata de nostalgia, tampouco de conservadorismo. Trata-se de resgate — de reencontro com os fundamentos constitucionais. É preciso restaurar os limites, reequilibrar as funções, repactuar o respeito mútuo entre os Poderes. Sem isso, o Estado Democrático de Direito corre sério risco de erosão — lenta, silenciosa, mas profunda.
Quando os freios falham e os contrapesos pesam demais, a balança deixa de ser símbolo da Justiça e passa a ser instrumento de desequilíbrio.
É hora de coragem institucional. É hora de lucidez democrática.