sexta-feira, 27 de junho de 2025

Porta fechada: o Quinto Constitucional e a exclusão de Santarém

Amigo leitor, confesso que já esperava. Sabia que o rol masculino dos seis primeiros nomes à lista duodécima para o TJPA, via Quinto Constitucional, estava quase fechado antes mesmo da votação. Costura de bastidores, acordos de campanha, conchavos velados — tudo como manda o figurino político, inclusive dentro da OAB.

Sabia também que meu destino era ser o sétimo — e, ainda assim, insisti, mesmo com chance mínima de angariar votos das demais correntes, já comprometidas com seus apadrinhados.

Pensei, sim, em desistir ali mesmo, no púlpito. Mas sou teimoso. Raciocinei: quem sabe alguém não resolve levantar a bandeira do interior? Afinal, Santarém é a maior e mais antiga subseção da Amazônia. Não mereceria, ao menos, respeito?

Ledo engano. Silêncio sepulcral.

Tudo permaneceu como dantes no quartel de Abrantes.

Como na política convencional, repetiu-se a velha lógica da exclusão: nenhum nome do oeste do Pará passou.

O interior, apesar de sua força e história, seguirá apenas votando — sem representação legítima — como figurante de um enredo escrito e encenado pela metrópole, que não admite nossa emancipação, tampouco facilita nossa integração.

Sem santareno no páreo, o caminho ficou livre para a cooptação dos votos do interior — estratégia de quem domina, com naturalidade, os meandros da política tradicional.

Seguimos sendo coadjuvantes.

Eleitores, apenas e tão somente.

Triste sina!

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Foi melhor assim

Eu até pensei em desistir, já prevendo o resultado do “Quinto Constitucional”, como dantes. Mas, como sou teimoso, resolvi arriscar. Agora é hora de aproveitar a aposentadoria: curtir a família, viajar, redigir meus artigos e bater papo com os amigos. Estou em paz comigo mesmo, de bem com a vida — trabalho quando quero e porque gosto. Com as graças de Deus, sou dono do meu tempo. Vida que segue!

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Formação humanística é tudo

Me. José Ronaldo Dias Campos

O ex-ministro do STF — e poeta — Ayres Britto, em entrevista à revista ConJur, há algum tempo, sintetizou com rara precisão:

“O juiz que faz de sua caneta um pé-de-cabra é o meliante número um. O estrago que causa na autoestima coletiva é devastador. Sem sensibilidade, não se percebe que há dramas humanos nos autos. A vida pensada está nos códigos; a vida vivida, nas pessoas.”

Essa fala me fez revisitar reflexões antigas, como as que registrei no artigo “Repensando o Processo”, publicado na minha revista virtual:
👉 https://joseronaldodiascampos.blogspot.com/

Explico:
O processo não pode ser visto apenas como um amontoado de petições ou um número no sistema, destinado a cumprir metas do CNJ. Ele abriga histórias, angústias, vidas. Não se resume a um jogo de ritos; deve ser compreendido como um instrumento ético de realização da justiça.

Juízes, promotores, advogados e servidores — todos agentes do Direito — precisam compreender que a boa técnica, embora essencial, não basta. É preciso formação humanística: aquela que nos ensina a ver o ser humano por trás do papel — ou melhor, dentro dos autos.

Um processo que se desenrola sem transparência, sem escuta, sem alma, é kafkiano. Assusta. O cidadão não entende do que está sendo acusado, nem por quem, nem por quê. E isso, infelizmente, ainda acontece.

O procedimento, que exterioriza o processo, não pode ser um ritual vazio. O acesso à justiça precisa ser real, sensível, com decisões que respeitem a vida e promovam dignidade.

Quando o Direito esquece a vida, já não é mais justiça. É só mais uma engrenagem fria — e perigosa.

Pensemos nisso! 

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Eleição: um ritual incômodo

Todo processo eletivo, dito democrático, sempre ensina alguma coisa. Nem sempre coisas nobres — às vezes, lições amargas, quase desprezíveis, pela frequente ausência de eticidade, independentemente da natureza do certame.

Quem já viveu outras disputas — como campanhas eleitorais convencionais — leva certa vantagem. Conhece os atalhos, as estratégias, os códigos ocultos. Defende suas cores partidárias, seus interesses (próprios ou de grupo), com a naturalidade de quem já percorreu o campo minado das eleições mais de uma vez.

Eu, por exemplo, levo desvantagem. Nunca me acostumei com esse papel. Tenho vergonha de pedir voto. Sinto-me constrangido, como se estivesse invadindo um espaço íntimo. Não quero importunar ninguém — sobretudo o eleitor, essa figura tão cortejada quanto fugidia.

Mesmo as pessoas conhecidas, por incrível que pareça, costumam exigir o ritual completo: a visita protocolar, a exposição da “plataforma de gestão”, o aperto de mão ensaiado, a promessa velada de reciprocidade futura.

E há ainda os que, talvez encantados com o próprio poder de escolha, dificultam o contato. Tornam-se inacessíveis. Mostram-se arrogantes, indiferentes — como se o simples ato de ignorar lhes conferisse um poder maior no teatro da eleição.

No fundo, cada eleição é também um espelho. De quem disputa. De quem escolhe. De quem assiste calado. O desconforto a que me refiro não significa fraqueza — talvez seja apenas o sinal de que, por trás do candidato, ainda reside um tímido cidadão, com senso crítico, de proporção e, se me permitem, uma certa fé na civilidade das relações intersubjetivas.

Porque, no fim das contas, quem precisa se vender para se eleger corre o risco de se tornar refém do próprio preço.

sábado, 7 de junho de 2025

Trocando a Beca pela Toga

Permitam-me iniciar esta breve exposição reafirmando a essência do quinto constitucional como um dos mais significativos mecanismos de pluralização e democratização do Poder Judiciário.

Instituído pela Constituição Federal de 1934, o quinto nasceu com o propósito de trazer aos tribunais o olhar plural e a experiência vivida do advogado e do membro do Ministério Público. Desde então, mesmo com as mudanças constitucionais de 1937, 1946, 1967/69 e 1988, esse instituto foi preservado — não como concessão, mas como direito da advocacia e do Ministério Público.

A atual Constituição, em seu artigo 94, estabelece que o advogado deve possuir “notável saber jurídico e reputação ilibada” para compor os tribunais, como expressão do binômio que fundamenta essa escolha: conhecimento e merecimento.

Ao interpretarmos esse dispositivo pelos métodos literal, histórico, sistemático e teleológico, é possível concluir que o notório merecimento — expressão consagrada nos textos constitucionais anteriores — permanece como elemento essencial e inseparável do notável saber jurídico.

É nesse espírito que se impõe a responsabilidade da OAB. A vaga é da advocacia e não pode ser instrumentalizada ou submetida a pressões externas. O processo de escolha é da Ordem. A indicação é da advocacia — não do Executivo, tampouco do Judiciário, ou de qualquer grupo alheio à missão institucional que aqui nos une.

Senhoras e senhores advogados, estamos diante de um momento que transcende escolhas pessoais. Trata-se da afirmação da nossa autonomia, da defesa das prerrogativas e do compromisso com uma Justiça mais plural, mais humana e mais conectada com a realidade social.

Que a toga do novo desembargador da advocacia abrigue, sob o tecido da imparcialidade, um coração de advogado — pulsante, íntegro e comprometido com a Constituição, com o Direito e com a verdadeira Justiça.

Quem sabe, desta vez, a vaga seja de Santarém — a maior e mais antiga subseção do Pará, ou melhor dizendo, do interior da Amazônia.

Me. José Ronaldo Dias Campos

domingo, 1 de junho de 2025

Conversando com Deus

Quem não acredita em Deus não imagina o que está perdendo.

Eu, da minha parte, nunca estou só. Mesmo nos momentos de silêncio e recolhimento, tenho com quem dialogar. Sinto-me constantemente em boa companhia, protegido.

Sou grato pela saúde, pela presença da família e por tudo o que conquistei com esforço e perseverança — vindo de origem humilde. Reconheço que Deus foi generoso comigo: alcancei mais do que sonhei, dentro de uma vida simples, porém honrada.

Engana-se quem imagina que a ciência, ao buscar explicações racionais para os fenômenos do mundo e perseguir a verdade mediante método empírico, se opõe necessariamente à fé ou à ideia do divino. A fé, que move montanhas, transcende os limites do conhecimento humano. Ela não é incompatível com a razão — é, ao contrário, o seu complemento no plano espiritual.

O cético que ignora ou rejeita a presença de Deus em sua existência pode estar abrindo mão de uma dimensão essencial da experiência humana: a de sentir-se acolhido por uma presença que, embora invisível aos olhos, pode ser percebida pela alma. Esse “plus existencial” não é quantificável, mas é, para muitos, inegavelmente real.

Fique com Deus, @migo leitor.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Quinto Constitucional: mérito e missão institucional

Mais do que notável saber jurídico: a escolha de um desembargador pelo Quinto deve honrar o espírito da advocacia como função essencial à Justiça.

Advogado, juiz e promotor, sem hierarquia, são sacerdotes do mesmo credo e professam no mesmo altar: o foro. Juntos, consolidam o tripé da Justiça, com especial destaque ao causídico, que, fortalecido pelo artigo 133 da Constituição Federal, figura como agente indispensável à administração da justiça.

O artigo 94 da Carta de 1988 reserva um quinto (1/5) da composição dos tribunais estaduais e regionais federais a advogados e membros do Ministério Público com mais de 10 anos de efetivo exercício profissional, notável saber jurídico e reputação ilibada.

Neste breve comentário, detenho-me na laboriosa Ordem dos Advogados do Brasil, a quem compete iniciar o processo seletivo, elaborando a lista sêxtupla, que será encaminhada ao Tribunal de Justiça. Este, por sua vez, formará a lista tríplice a ser enviada ao governador do estado, responsável pela nomeação do novo desembargador oriundo do Quinto Constitucional.

Para que não se cometam injustiças, é necessário frisar que a análise do instituto deve ultrapassar a literalidade da norma. O Direito, enquanto ciência da interpretação, exige do julgador uma compreensão escalonada e integral, que envolva os critérios gramatical, lógico-sistemático, histórico e teleológico.

Um instituto com raízes históricas

O Quinto Constitucional foi introduzido pela Constituição Federal de 1934, sob o governo Vargas, com a seguinte redação:

“Art. 104 - (…) § 6º - Na composição dos Tribunais Superiores serão reservados lugares, correspondentes a um quinto do número total, para que sejam preenchidos por advogados ou membros do Ministério Público de notório merecimento e reputação ilibada (…).”

A expressão “notório merecimento”, constante dessa previsão, foi preservada nas Constituições de 1937, 1946 e 1967/69, sendo substituída apenas na Constituição de 1988 pelo termo “notável saber jurídico” — sem, no entanto, afastar o conteúdo ético e institucional que sempre permeou o instituto.

Mais que conhecimento técnico

É preciso que o Conselho Seccional da OAB, o Tribunal de Justiça e o Governador — cientes de que a vaga é destinada à advocacia — considerem, além do conhecimento jurídico, a própria razão histórica e política da criação do Quinto Constitucional. O candidato escolhido deve, preferencialmente, ter relevantes serviços prestados à advocacia e à OAB, entidade de direito público, de natureza sui generis, sob pena de se desvirtuar a lógica representativa da vaga.

Não basta, portanto, currículo técnico. É preciso que a trajetória revele compromisso com a classe, com a Constituição e com a cidadania.

Uma escolha com olhos no jurisdicionado

Espera-se, por fim, que o escolhido — com imprescindível independência e sólida formação humanística — atue com espírito republicano, comprometido com a aproximação entre o povo e a jurisdição, contribuindo para a razoável duração dos processos e para a realização de uma justiça efetiva, leal aos princípios fundamentais da Carta Magna.

Que vença o melhor — pelo mérito, e não por apadrinhamento.

domingo, 18 de maio de 2025

Maduro, mas conectado

Nem retrógrado, nem revolucionário: apenas coerente com o meu tempo

Por José Ronaldo Dias Campos

Com um celular nas mãos, faço quase tudo em termos de comunicação e produção literária.

A partir de uma imagem, de uma ideia ou mesmo de um sentimento, desenvolvo meus textos — corrigindo, acrescentando, depurando — até achar que ficaram bons o suficiente para ganhar o mundo, a começar pela minha revista virtual (joseronaldodiascampos.blogspot.com). A publicação é apenas o último passo de um processo que começa, quase sempre, na palma da mão.

Até meus arrazoados jurídicos são iniciados e revisados no celular, de qualquer lugar — comumente, da minha rede. Estou sempre escrevendo. E o celular, nesse contexto, é mais que ferramenta: é caderno, é máquina de escrever, é extensão da mente. Serve para registrar as ideias no instante em que surgem, para que não se percam. O desenvolvimento vem depois, com a calma que a boa redação exige.

Embora com mais de 60 anos — maduro, portanto —, adaptei-me à revolução 4.0, ajustando-me ao tempo, esse juiz severo que não perdoa os que desdenham da evolução científica. As inovações não me assustam. Devem ser avaliadas, sim, mas sobretudo experimentadas.

Como vivo pensando, as ideias brotam sem pedir licença. E o que faço? Pego o celular, anoto no bloco de notas e, depois, aquilo vira argumento de uma tese que defendo com gosto e realismo. Se deixasse para depois, teria esquecido.

A lente do presente deve ser o observatório permanente de todo profissional que não deseja ser chamado de retrógrado ou ultrapassado. O tempo urge — e a tecnologia não espera por ninguém.

Quero ser atual — nem retrógrado, nem revolucionário. Apenas coerente com o tempo em que vivo.

sábado, 10 de maio de 2025

32 - Rumo ao desembargo 👇🏽

 


Senhoras e Senhores Advogados,

Natural de Santarém, iniciei minha trajetória acadêmica e profissional com sólida formação nos Colégios Dom Amando e Paes de Carvalho, seguida de graduação em Direito, complementada por especializações nas áreas cível e penal, além de mestrado pela UFPA.

Há mais de quatro décadas exerço a advocacia de forma ininterrupta, atuando em todas as instâncias jurisdicionais. Conciliei a militância profissional com o magistério superior e o engajamento institucional na OAB, onde ocupei os cargos de presidente da Subseção de Santarém, conselheiro seccional (por três mandatos) e conselheiro federal (sete mandatos ao todo, além das suplências). Meu nome integra a galeria da Seccional Paraense — símbolo de muitos anos de dedicação à causa da advocacia — como registra o painel de vidro logo na entrada da nossa sede.

Participei da Comissão de Processo Civil do Conselho Federal e fui agraciado com a Medalha do Mérito Advocaticio, grau Ouro, pela OAB/PA, além de ter recebido menção de reconhecimento assinada pelo ex-presidente nacional da OAB, Rubens Approbato Machado, gravada em plaqueta para a posteridade.

Atuei como docente na UFPA (posteriormente UFOPA), UNAMA e ULBRA, ministrando disciplinas como Processo Civil, Processo Penal, Estatuto da OAB e Deontologia Profissional. Fui diretor jurídico da ACES — Associação Comercial e Empresarial de Santarém — e consultor jurídico do Estado do Pará. Integro, na condição de membro correspondente, a Academia Paraense de Letras Jurídicas e a Academia Paraense de Letras.

No penúltimo concurso para o cargo de desembargador, estive entre os mais votados pela advocacia paraense. No último, em 2023, obtive a primeira colocação na lista sêxtupla, após arguição.

Reafirmo minha convicção na necessária paridade entre os agentes do Direito — Magistratura , Ministério Público e Advocacia —, todos unidos na missão de promover a verdadeira Justiça. É chegada a hora de o interior ter voz e presença efetiva no Tribunal de Justiça do Estado do Pará, por meio de um nome que defenda, com firmeza e honradez, o Direito, a Advocacia e a OAB.

Não por acaso, tenho o privilégio de  ver no Conselho Seccional da OAB, vários ex-alunos — profissionais que muito me orgulham e representam o melhor da nossa advocacia.

Humildemente, em breve síntese, me apresento.

Me. José Ronaldo Dias Campos


quinta-feira, 1 de maio de 2025

Reflexões de quem acredita na força da ideia

Vivo pensando — e é daí que nascem, como na Aquarela de Toquinho, as ideias. Basta uma frase, um questionamento, um pensamento para que o texto flua no celular. Digito, corrijo, releio, até considerá-lo pronto. Mas, na verdade, meus artigos nunca estão terminantemente concluídos: a cada releitura, se necessário, reedito. São criações sempre em gestação.

Há mais de dez anos, com habitualidade, atualizo minha revista virtual (joseronadodiascampos.blogspot.com) e compartilho pensamentos no Facebook, no WhatsApp, em jornais e em outros meios de comunicação.

Escrevo para apontar problemas que percebo ao meu redor, buscando despertar a atenção das autoridades e da sociedade para a necessidade de suas soluções — além de socializar informação e conhecimento.

Como agente do Direito e professor, incursiono na busca pela justiça — esse ideal que jamais se alcança por completo, mas que, por isso mesmo, precisa ser permanentemente perseguido.

Quando teço críticas, procuro focar no interesse público e no bem-estar coletivo, evitando personalizar, para não ferir sensibilidades.

Mantenho distância da polarização que intriga, magoa e ofende — porque acredito que ela mais separa do que une. As redes sociais não me deixam mentir.

Embora não frequente igreja com assiduidade, converso diariamente com Deus, com meus pais e irmãos que já partiram — de maneira que nunca estou só. E me sinto bem, protegido.

A justiça que almejo — fiel ao devido processo legal e aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito — é, e continuará sendo, a minha eterna causa.

O simples fato de ser solidário, @migo leitor, já é um bom começo para a felicidade.

Pratique o bem. Seja bom. É o conselho que lhe dou.

Enfim: escrever é pensar com o coração, objetivando contribuir para um mundo mais justo e humano. Meu propósito!

sábado, 26 de abril de 2025

Por onde anda a justiça?

Dizem que a Justiça reside no fórum, com seus meirinhos, paredes frias, corredores extensos, carpete que abafa o som dos passos e distancia o juiz do povo — sempre bem protegida. Mas, com o devido respeito à toga, não é bem assim. A verdadeira casa da Justiça é o cotidiano que nos circunda; está em todo lugar, independentemente de meridianos e paralelos. Robinson Crusoé, depois do índio Sexta-Feira, que o diga!

Ela mora na rua — no banco da praça, onde a parte se aconselha com o vizinho mais velho; no balcão da feira, onde se resolve o fiado não documentado em contrato; na beira do rio, onde dois ribeirinhos decidem a divergência sobre a canoa avariada, e assim por diante. É o “direito achado na rua”: esse que não vem da toga, mas da autocomposição, da razão e do coração — da compreensão popular que conserta, que remenda sem exasperar os ânimos, pacificando amistosamente o impasse.

O fórum pode ser o templo da lei. Mas a Justiça, essa perseguida, prefere andar descalça, ouvir a vida, sujar os pés de poeira. Ela aparece, por exemplo, quando o advogado se recusa a judicializar o que pode ser resolvido com uma boa conversa; quando o promotor se permite ouvir mais do que acusar; quando o juiz desce — simbólica ou literalmente — do estrado, sem perder a autoridade, para dialogar com os contendores, inspecionar a coisa objeto do litígio, e por aí afora.

Justiça que só se reconhece no carimbo, nas entranhas dos autos, na estatística criada para cumprir metas do CNJ, é justiça pensa, capenga. E, como dizia aquele professor de conversa franca: o Direito só faz sentido se servir ao povo — verdadeiro destinatário da norma —, com suas necessidades e contradições.

A casa da Justiça é feita de gente. E gente mora na rua, nos bairros, nas comunidades. Talvez seja hora de diversificar o endereço da Justiça. Não para improvisá-la, mas para devolvê-la, como um caudaloso rio, ao seu curso natural.

Justiça — esse misto de realidade e utopia — é processo social. E o verdadeiro juiz, para melhor compreender o drama humano, deve descer do púlpito e escutar o murmúrio da rua antes de pronunciar a sentença.

Sentença justa não nasce apenas dos autos, artificialmente, sobretudo se o julgador se preocupa mais em cumprir metas, como se o processo fosse simples número estatístico de promoção ou reprovação funcional. Justiça que ignora o ser humano não passa de inutilidade burocrática. Pura água de barrela.

terça-feira, 15 de abril de 2025

Vidas ao relento

Transitando diariamente pela avenida Presidente Vargas, no cruzamento com a rua Silva Jardim, deparo-me, com perplexidade, com uma cena triste e persistente: três pessoas em situação de rua sentadas no canteiro central. Estão ali todos os dias, há meses, sob o sol escaldante e a chuva impiedosa. Suas únicas posses são as roupas do corpo.

Quando chove, correm para as biqueiras das casas. À noite, estendem-se nas calçadas, expostos às intempéries, à indiferença, à crueldade cotidiana de uma cidade que aprendeu a desviar o olhar dos dramas sociais.

É triste, @migo leitor, a vida desse trio. Tudo indica que sejam da mesma família — uma senhora e dois senhores de meia-idade, vivendo sem o mínimo existencial, sem assistência, sem dignidade, completamente invisíveis aos olhos do poder público.

A senhorinha, mais debilitada do grupo, inspira cuidados urgentes. E, se nada for feito, temo que seu destino se consuma ali mesmo, diante da nossa passividade coletiva.

O poder público precisa despertar. É inadmissível que seres humanos sejam tratados como descartáveis, jogados nas calçadas da vida, em condições piores do que aquelas reservadas aos animais.

Que Deus os proteja. Mas que também nos incomode. Porque o que está em jogo ali não é só a vida deles — é a nossa humanidade.

domingo, 13 de abril de 2025

O ninho dourado do cauré

Dizem os antigos que o cauré não sua, não corre, não força. Ele plana. Abre as asas e confia no vento. Seu ninho não é construído — é presenteado.

Fios de palha fina, teias de aranha, fiapos de sol. Tudo chega até ele, como se a própria floresta sussurrasse: - descansa, pequeno. Eu cuido de tudo.

E o que nasce disso? Um ninho delicado, trançado com o invisível. Brilha à luz como se fosse feito de fios de ouro. Não é riqueza de mercado — é riqueza de espírito.

Por isso, quando alguém encontra um ninho de cauré, o faz em silêncio, com reverência. Mas não leva — porque a lei protege o que é da natureza. A captura, a remoção, o comércio: tudo isso é proibido, e com razão. Não se toca em símbolo sagrado.

Hoje, mais que amuleto, o ninho do cauré é lembrança viva de que sorte boa é aquela que respeita o voo do outro.

Afinal, quem avista um ninho de cauré, mesmo de longe, já recebeu o recado:

às vezes, pela força da natureza, a vida se ajeita sozinha, lançando luz no caminho.

sábado, 5 de abril de 2025

Antes da sentença, a sabedoria

O advogado é o primeiro juiz da causa. Cabe a ele ouvir, compreender e orientar — com técnica, empatia e estratégia o seu constituinte.

Em tempos de Justiça Multiportas, litigar por litigar é erro de avaliação. A boa advocacia busca soluções antes de sentenças. E entende que, muitas vezes, a paz se alcança fora dos autos.

Orientar bem é proteger o cliente dos riscos, inclusive emocionais. Porque vitória, no Direito, nem sempre está na sentença — mas na escolha certa do caminho pacificador.