
As leis são complexas, escritas em vernáculo elitizado, como se fossem dirigidas apenas aos homens cultos, iniciados no mister jurídico. O povo, natural destinatário da norma, fica do lado de fora, olhando pelas frestas de um código que não compreende, mas que precisa obedecer.
Como interpretar algo que não se entende? Como exigir obediência a um comando cuja leitura não lhe permite acesso? O cidadão comum, diante do sistema jurídico, é como quem tenta decifrar um enigma latinizado — e ainda sob pena de sanção, se errar a tradução e malferir o comando normativo.
Dizem os doutos que “ninguém pode alegar ignorância da lei”. Bonito preceito. Mas experimente explicá-lo a quem mal sabe ler. Como exigir conhecimento do que o próprio Estado redige de modo cifrado?
A lei, sempre genérica e abstrata, que deveria servir ao povo, parece escrita contra ele — não por maldade, mas por hábito, costume, tradição. Há séculos, os legisladores falam do andar de cima, sem clareza comunicativa, confundindo até mesmo o Supremo Tribunal Federal, em sua composição plena, que não raro empata (5 x 5) em seus vereditos, deixando o voto de minerva ao presidente da cúpula do Judiciário nacional.
O jurista, por hábito, orgulha-se da forma rebuscada; o cidadão, por medo, resigna-se à opacidade do texto. E assim seguimos, entre o erudito e o analfabeto, com uma Justiça que escreve em latim a quem soletra na leitura.
Talvez um dia a lei aprenda a falar a língua do povo. Nesse dia, quem sabe, o cidadão também aprenda a acreditar na lei — e, por conseguinte, na Justiça.
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