Atuação efetiva no metaverso ainda é realidade distante para o Direito brasileiro
Quando Mark Zuckerberg, o Sr. Facebook, anunciou no ano passado a decisão de criar o seu metaverso — e a mudança do nome de sua empresa para Meta —, a possibilidade de levar uma vida virtual encheu os olhos de apaixonados por tecnologia no mundo inteiro. E esse "sonho do futuro" chegou também ao Direito.
Não faltaram previsões de que em pouco tempo haveria bancas de advocacia e fóruns funcionando a todo vapor no metaverso. Quem sabe até cortes superiores? Mas a realidade, essa eterna estraga-prazeres, apareceu para colocar água nesse chope. Sobram evidências de que o exercício do Direito em ambiente virtual é algo ainda muito distante de se concretizar.
O mais recente golpe no "Direito do futuro" foi dado pelo Tribunal de Ética e Disciplina da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil. Segundo a entidade, advogados não podem, de fato, fazer atendimentos no metaverso. Por motivos de segurança, após a contratação o cliente deve ser redirecionado para o escritório físico ou para alguma ferramenta de comunicação criptografada de ponta a ponta.
"Para que venha a ser eticamente admissível a abertura e manutenção de escritório de advocacia e a prestação de serviços advocatícios nas plataformas do tipo metaverso, será imprescindível garantir não apenas o inafastável sigilo profissional, mas também a inviolabilidade do escritório e dos respectivos arquivos", argumentou o colegiado.
O parecer afirma também que o ambiente do metaverso só será inviolável "quando a tecnologia e as regras de uso garantirem que nem mesmo a empresa detentora da plataforma disponha de meios técnicos para acessar as informações trocadas entre advogado e cliente".
Essa, aliás, não foi a primeira vez que a OAB-SP se colocou no caminho do "Direito virtual". Em 2007, um escritório de São Paulo tentou abrir uma sede na plataforma Second Life, uma espécie de ancestral do metaverso, mas a entidade considerou que a criação e a manutenção de escritório no ambiente eletrônico era contrária ao princípio do sigilo profissional e não combinava com a pessoalidade que deve presidir a relação cliente-advogado.
Iniciativas incipientes
Conforme mostrado em reportagem publicada em agosto pela revista eletrônica Consultor Jurídico,
o Tribunal de Justiça do Mato Grosso e a OAB de Tatuapé, na cidade de
São Paulo, inauguraram ambientes virtuais para atender ao público. E o
mesmo fizeram algumas bancas de advocacia. Para estudiosos do assunto,
porém, tratam-se de iniciativas incipientes, que, ao menos por
enquanto, pouco acrescentam à prestação jurisdicional.
"O metaverso tem sido usado somente para marketing e divulgação, porque não tem muita gente lá. É difícil pensar que a gente vai estar andando numa rua virtual dentro do metaverso e vai encontrar um cliente que quer fazer uma consulta com um advogado", comenta Adriano Mendes, especialista em Direito Digital, que destaca que atualmente os contatos feitos dentro do metaverso são todos programados. "Algo que poderia ocorrer também através de qualquer outra plataforma."
Para a advogada Patrícia Peck, sócia fundadora do escritório Peck Advogados e presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-SP, como em qualquer outra inovação tecnológica, o desafio está em descobrir como fazer uso ético e seguro do metaverso.
Segundo ela, atualmente "não existe nenhuma solução completamente à prova de falhas e vulnerabilidades". Assim, é importante que o próprio usuário aplique as melhores práticas para dispor de sigilo e confidencialidade nessa plataforma.
"O princípio da cautela exige sempre buscar usar recursos que permitam discrição, algum nível de controle de acesso, comunicação segura, e que façam repositório e descarte seguros", ressaltou a advogada.
Peck também diz que a aplicação da criptografia é fundamental, mas não é suficiente. "A criptografia de ponta a ponta protege a informação em forma de mensagem, quando está em transmissão, mas e os outros tipos de informação e pontos que precisam de segurança dentro do metaverso? Por isso, é necessário se valer de outras proteções tecnológicas, como antivírus, rede privada virtual, rede segura e senhas multifatores."
Fábio Cendão, sócio da banca Faria, Cendão & Maia Advogados, afirma que, como hoje não temos um metaverso único e aberto, o sigilo e a inviolabilidade, necessários para o exercício da advocacia, vão depender da confiabilidade da plataforma escolhida, da sua forma de proteção de dados e de suas políticas com usuários e termos de uso, entre outros fatores.
"Ainda que ambientes mais descentralizados e imersivos necessitem de mais cuidados, a garantia de sigilo dependerá dos próprios cuidados dos usuários advogados na forma de utilização das tecnologias, assim como acontece em outras já existentes, como aplicativos de troca de mensagens, e-mails, servidores, intranet e ferramentas de gestão de processos ou conflitos."
Segundo Cendão, as tecnologias que são usadas atualmente também estão sujeitas a ataques hackers, vazamento de dados e descontinuidades da plataforma. "O momento, contudo, é de crescimento de tecnologias mais seguras, transparentes e confiáveis."
Para Daniel Marques, diretor-executivo da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), atuar no metaverso exigirá do advogado compreender as novas tecnologias e, consequentemente, atender às novas demandas jurídicas. Segundo ele, surgirá uma nova área no Direito: o Metalaw, que é o conjunto de relações jurídicas nessa camada da realidade.
"Quanto à segurança, tudo vai depender do tipo de metaverso que você utiliza. É possível a segurança da informação e é possível o sigilo. Tudo vai depender do modo como é configurado, o que chamamos de privacy by design, a privacidade desde o desenho da construção do próprio sistema."
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