O pedido de abertura de processo de impeachment
da presidente Dilma Rousseff que o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil apresentará à Câmara dos Deputados na próxima
segunda-feira (28/3) tem como argumentos as transferências orçamentárias
promovidas pelo governo federal para pagar programas sociais e
compensar subsídios dados à indústria, as “pedaladas fiscais”, a
renúncia fiscal concedida às empresas que participaram de obras da Copa
do Mundo de 2014 e os áudios das ligações grampeadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com Dilma e com o chefe de gabinete da Presidência, Jaques Wagner. O
Conselho Federal enviou convites a seus membros indicando que a
concentração dos advogados para a entrega do documento será na entrada
do prédio do Congresso Nacional (Chapelaria). Assinado pelo presidente
do colegiado, Claudio Lamachia, o documento de 46 páginas detalha as
condutas denunciadas. Em parecer apresentado no dia 27 de novembro do ano passado, uma comissão montada pelo Conselho Federal para analisar o pedido de impedimento de Dilma feito pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior opinou que o colegiado não deveria endossar o processo. No entanto, depois da divulgação de conversas de Lula grampeadas na operação "lava jato", vários conselhos seccionais se mostravam favoráveis ao pedido de impeachment. O Conselho Federal também entendeu que deveria ser favorável ao impedimento da presidente. Em
uma das gravações divulgadas, Dilma avisa Lula que está enviando o
termo de posse para que ele assine, o que foi interpretado como se a
presidente estivesse obstruindo a Justiça ao oferecer um cargo. Na
peça, Lamachia afirma que sua argumentação foi elaborada com
“honestidade intelectual, isenção política, fundamentos exclusivamente
jurídicos e extremo respeito às divergências naturais a um tema
palpitante”. O presidente do Conselho Federal cita ainda Francesco
Ferrara para destacar que não se pode ter “excessivo apego à
literalidade da lei” para evitar manipulações da norma. Lei de Responsabilidade Fiscal foi ferida, diz Lamachia, presidente da OAB.Eugênio Novaes/OABLamachia também responde ao governo federal e a setores da população
ao dizer que o voto elaborado por ele rechaça “a pecha de ‘golpe’ à
iniciativa de colocar em discussão a viabilidade ou não de um
instrumento constitucional”. “É necessário balizar claramente que aqui
não se está a perscrutar qualquer conduta criminal da Presidente da
República, mas sim, a existência de razões político-jurídicas para dar
início, ou seja, provocar a instauração de um processo de impedimento
constitucional, no qual será dada aos atores constitucionalmente
incumbidos a oportunidade de uma análise de fundo acerca das razões para
a procedência ou não do afastamento.” O presidente do conselho mostra ainda que pedidos de impeachment
são, de certo modo, algo comum na democracia brasileira desde o fim da
ditadura e apresenta os procedimentos solicitados contra todos os
presidentes desde 1990:
Collor (1990-92): 29
Itamar (1992-94): 4
Fernando Henrique Cardos (1995-2002): 17
Lula (2003-10): 34
Dilma (2011-até o momento): 48
“Como
não confiar na retidão moral e na correição de propósitos de Celso
Antônio Bandeira de Melo, Dalmo de Abreu Dallari, Fábio Konder
Comparato, Godofredo da Silva Teles e Paulo Bonavides, quando
apresentaram, em maio de 2001, pedido de impeachment do então
presidente Fernando Henrique Cardoso? Como duvidar da responsabilidade
cívica de Miguel Reale Jr. e Sergio Ferraz, quando, em 2006, defenderam
pedido semelhante formulado contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, durante a eclosão do escândalo que ficou conhecido como
'Mensalão'?”, justifica. Para o advogado, o pedido de impeachment
deve ser aceito, pois as condutas da presidente Dilma deixam claro que a
Lei de Responsabilidade Fiscal foi ferida e que, independentemente de
lapso temporal, dolo ou culpa, “não se pode relativizar ou mitigar a
aplicação da norma dado o seu destinatário, mesmo que seja ele o Supremo
Mandatário da Nação. O que deve estar em escrutínio são apenas dois
aspectos: se existiu ofensa à lei e se houve comportamento comissivo ou
omissivo por parte do agente político responsável”. Pedaladas fiscais
A peça começa esmiuçando os argumentos da comissão da Ordem pró e contra
o acolhimento das pedaladas fiscais como base para o pedido de impeachment.
A decisão do grupo foi tomada por três votos contrários ao processo e
dois favoráveis. À época, a opinião vencedora destacou que não foi
constatado nenhum “grave comportamento comissivo ou omissivo, de tipo
doloso” para justificar a medida e que as contas de 2014, por se
tratarem de práticas de mandato anterior ao atual, não podem justificar o
processo político. Segundo o Tribunal de Contas da União, os valores
analisados totalizam R$ 106 bilhões. Porém, Lamachia afirma que os dois votos divergentes são os corretos. “A meu sentir, concessa venia
dos entendimentos firmados pelos notáveis membros da Comissão Especial,
ousarei deles discordar pontualmente”, diz. Segundo ele, o argumento de
que os fatos ocorridos em mandato anterior não podem validar condenação
sobre nova gestão é inviável, pois não há “na norma constitucional
qualquer restrição expressa à apuração de crimes de responsabilidade por
Presidente da República, exceto, por óbvio, na hipótese do mandatário
não mais ocupar o cargo”. Para exemplificar, ele traça um paralelo
com o impedimento do senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL):
"No caso do ex-presidente e atual senador da República Fernando Afonso
Collor de Mello, houve prosseguimento do julgamento do recebimento da
denúncia pelo Senado Federal, mesmo após a sua renúncia, o que se deu em
razão da prévia instauração do processo de impeachment pela
Câmara Federal quando ele exercia efetivamente o mandato. Além disso,
naquele caso, como é de conhecimento de todos, o prosseguimento do
julgamento teve como propósito a aplicação da pena de inabilitação para o
exercício de funções públicas, prevista no art. 52, parágrafo único, da
Constituição Federal, vez que não mais possível a perda do cargo já
preteritamente renunciado”. Inobservância deliberada
Segundo o presidente do Conselho Federal da OAB, mesmo que os desvios
encontrados no orçamento do governo federal não tivessem sido
chancelados pelo Tribunal de Contas da União, como ocorreu, a abertura
do impedimento da presidente poderia ter sido decidida pela Câmara, pois
“o que fundamenta o pedido de impeachment não é a reprovação
das contas em si, mas sim, a deliberada inobservância de postulados
concernentes à responsabilidade fiscal, à lei orçamentária e à higidez
das finanças públicas”. “O que importa é a análise acerca dos
fatos efetivamente ocorridos, e se eles podem ser configurados como
infrações político-administrativas (crime de responsabilidade)
suficientes a supedanear o impedimento, não a manifestação da Corte de
Contas ou a sua ratificação pelo poder constitucional competente”,
argumenta Lamachia. E novamente o advogado traça um paralelo com o impeachment de Fernando Collor: “Conforme podemos observar da íntegra do pedido de impeachment
protocolado em 1º de setembro de 1992, nele não foi acostado sequer o
relatório final da CPMI do denominado Esquema PC Farias, na qual o
pedido se baseou, devidamente aprovado por Resolução, conforme determina
o art. 5º da Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952. E nem poderia. O
Relatório Final da CPMI foi votado em 26 de agosto de 1992, apenas tendo
sido publicado no Diário da Câmara dos Deputados de 16/09/1992, após
apresentação no Plenário do Congresso Nacional no dia 15 de setembro”. Copa do Mundo
A renúncia fiscal concedida às empresas por causa das obras destinadas a
melhorar a mobilidade e a infraestrutura do país para a Copa do Mundo é
outro argumento do Conselho Federal para justificar o impeachment.
Lamachia afirma que as regras da Lei Complementar 101/2000 (LRF) não
foram atendidas e que o TCU apontou tais irregularidades no passado. A
corte de contas apontou à época que a concessão desses benefícios não
considerou o impacto orçamentário-financeiro no orçamento da União e as
desonerações na estimativa de receita da lei orçamentária. “Dessa
forma, a isenção prevista na Lei nº 12.350/2010, com exceção dos
impostos listados no §1º do Art. 153 da Constituição, não atende ao que
determina o inciso I do art. 163 da CF, regulamentado pelo art. 14 da
Lei Complementar nº 101/2000 e do § 2º do art. 165 da Carta Política
deste País”, afirma Lamachia. Áudios e nomeação
Outro ponto usado na argumentação foram os grampos autorizados e
tornados públicos pelo juiz federal Sergio Moro. Nesse ponto, Lamachia
também deixa de lado a questão jurídica sobre a legalidade dos grampos,
que foram interrompidos, mas continuaram operando. “Há que se
destacar, ainda, que, muito embora não seja elemento de convencimento
deste ponto do voto, é impossível não mencionarmos as gravações obtidas
nos autos do processo nº 5006205-98.2016.4.04.7000, que tramitava
perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, e que foram agregadas aos
presentes autos. Digo isso porque nem mesmo a eventual dúvida quanto à
legalidade da forma pela qual essas gravações vieram a público é capaz
de apagar ou nos fazer ignorar os acachapantes fatos que elas acabaram
por revelar”, explica o advogado. A nomeação de Lula como ministro
da Casa Civil, depois suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal,
também é citada no pedido. Segundo Lamachia a pressa de Dilma em nomear
o ex-presidente é um fato que indica a busca pela “manutenção no poder,
notadamente com o auxílio direto ao ex-presidente da República em sua
defesa perante as instâncias policial, administrativa e judicial”. “Uma
vez mais, nobres pares, a instituição Presidência da República foi
utilizada para a satisfação de interesses outros que não aquele de matiz
pública. Tal conduta ofende de forma incisiva os princípios
constitucionais da impessoalidade e da moralidade, estampados no art. 37
da Carta Magna, uma vez que desloca o poder constitucional do âmbito da
sua função da satisfação do bem comum para o atingimento de interesses
outros, em flagrante desvio de finalidade.”
Brenno Grillo é repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de março de 2016, 11h35
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