quarta-feira, 30 de maio de 2012

O meliante graúdo e o direito de calar.


Do historiador e advogado Ismaelino Valente, sobre o artigo Silêncio Legal do Cachoeira, da lavra de José Ronaldo Dias Campos: 

Mestre José Ronaldo Dias Campos, como professor, está certo, “de lege lata”: se está na Constituição, é para ser cumprido.

Mas eu gostaria de dar um pitacozinho sobre o assunto.

As garantias individuais asseguradas pela Constituição foram escritas num momento de transição para a democracia.

Saíamos de uma ditadura braba, e o que pairava no ar, na Constituinte, era a trágica lembrança das confissões obtidas sob tortura nos porões do DOI-CODI.

Então, precisava ser insculpido na Carta Magna um princípio que livrasse o acusado de confessar debaixo de cacete.

Hoje, vivemos um momento histórico completamente diferente. Tanto que a esquerda está no poder e até já começa a caçar os torturadores, via Comissão da Verdade.

Portanto, quer nas CPIs, quer no Judiciário, e, em presumo, até mesmo perante as autoridades policiais, ninguém mais depõe atado no pau de arara ou tomando choque elétrico nos testículos.

A regra de não ter que dizer a verdade perdeu o sentido.

Deixou de ser uma garantia dos homens de bem para se tornar unicamente uma válvula de escape, uma rota de fuga, para os homens de bens.

Qualquer bandido ou contraventor enche a boca e brada: “De acordo com a Constituição, nada tenho a declarar…”

Não, senhor! Que é isso? Tem, sim!! Ou devia ter!!!

A ninguém é dado o direito de esconder, escamotear, sonegar ou mascarar a verdade.

Nem o Santo Padre tem esse direito. Aliás, ele já devia ter sido compelido a revelar o tal 3º Segredo de Fátima. É seu dever para com o mundo, católico ou não.

E, em matéria penal, é que não pode haver mesmo esse direito. Ou pelo menos não deveria haver. Ainda mais quando se trata de roubo de dinheiro público.

Todo meliante de colarinho branco tinha, sim, que dizer a verdade, sob juramento (não sob tortura, é claro). E o seu silêncio deveria ser entendido como confissão (quem cala consente), porque ele está apenas querendo ludibriar a Justiça.

Do jeito que a coisa está, a confissão, como prova em matéria penal, virou peça ficção.

Na CPMI, a cara de paisagem do Carlinhos Cachoeira, negando-se a responder sobre o cipoal de crimes dos quais está sendo acusado, e ainda mais quando ao seu lado estava o ex-ministro da (in)justiça, deixou-nos a todos “com cara de sinhá maquinha cadê o frade”.

Está mais do que na hora de reescrever a norma constitucional que confere aos patifes – somente aos patifes, porque estou por ver um homem honrado recusar-se a dizer a verdade – o direito de calar perante a Justiça.

Comentários:

jorge moraes disse: 28 de maio de 2012 às 20:01

Uma sociedade leniente e conivente com a corrupção sempre produzirá zé dirceus, delúbios , cachoeiras, demóstenes que sempre terão os mais caros advogados a interpretarem os meandros obíquos das teorias jurídicas para defender seus clientes !!! e advogados vivendo caos e da desordem moral de uma sociedade infantilmente alienada da cidadania e mortalmente corrompida em seus mais elementares princípios éticos !!! dai que quanto mais piorar esse quadro mais serviço eles terão !!! é um filão inesgotável !!!!!

JRONALDODCAMPOS  disse: 29 de maio de 2012 às 12:00
Cuidado… vc pode precisar dos serviços de um deles, se é que já não precisou!!!
Afinal, ninguém é tão certinho assim (ou sabe tudo de tudo) de modo a não precisar dos serviços (orientações) de um advogado, imprescindível à administração da Justiça. Não generalize.

HELVECIO SANTOS disse: 28 de maio de 2012 às 15:39
Amigo Ismaelino, dei gargalhadas lendo a parte final de sua mensagem de 08:37h no texto do Zé Ronaldo.A propósito de nossas diferenças de “cores” (falo “cores” em consideração ao amigo, pois de nossas aulas do Dom Amando sabemos que preto não é cor, o que também acontece com negro que é raça e não cor), leia uma história ou, melhor, estória do saudoso Lacrau no meu “DEZ ANOS DE VIDA”, no Blog de 22/05. Tenho certeza, v. vai dar gargalhadas. TAPAJOARAMENTE, abraços.

 Ismaelino Valente disse: 29 de maio de 2012 às 13:48
Caríssimo Helvécio, assim como, a julgar pelos comentários neste post, tudo é uma questão de opinião, também quanto as cores, vale o que cada um pensa. A questão das cores pode ser vista de vários ângulos. Se em relação à cor-luz o branco é a reunião de todas as cores e o preto é a ausência de todas elas, do ponto de vista da cor-pigmento, o preto é a soma de todas as cores. Veja lá na Wikipédia. Portanto, continua valendo a máxima de que em cada peito azulino bate um coração de Pantera… Mas eu devo ser justo: o seu São Francisco está muito bem no ranking do futebol paraense. Parabéns. Espero que o meu São Raimundo volte a brilhar, como quando se sagrou Campeão Brasileiro da Série D. Um abração.

 Jonivaldo Sanches disse: 28 de maio de 2012 às 14:45
O preço da liberdade é a eterna vigilância. Essa frase decantada, que segundo entendimento dominante teria sido proferida por um presidente estadunidense, nunca foi tão atual.
Todos os dias os Direitos e Liberdades individuais demagogicamente são atacados em nome da de se fazer justiça. Mesmo juristas respeitados agem como se justiceiros fossem e datenasticamente procuram deslegitimar conquistas históricas como os princípios e garantias constitucionalmente consagrados.
A tese do anacronismo é sedutora mais não mais que isso. Essa falácia não pode e nem deve prosperar. O devido processo legal em suas versões formal e substantiva devem ser obedecidos sob pena de cometerem-se as mais terríveis injustiças.
No Brasil, princípios como a vedação à proibição da auto-incriminação forçada foram sempre exceção em um mar de ditaduras como a que inaugurou a república, do Marechal de Ferro, Varguista, dos Militares de sessenta e quatro. Só que ignora a história ou flerta com a facismo pode pensar em democracia sem princípios jurídicos como esse.
São os mecanismos institucionais, como os jurídicos e políticos, ferrolhos que impedem a reentrada das tiranias em cena. Nem um cidadão pode ficar privado de socorrer-se a eles sob pena de ter-se uma república democrática de faz de contas.
A democracia e seus pilares, jurídicos e políticos, tem de albergar a todos mesmo aqueles que atacam ainda que demagogicamente em seu próprio nome.
Jonivaldo Sanches – Sociólogo especializado em Ciência Política 

  Marcos Antonio dos Santos Vieira disse: 28 de maio de 2012 às 21:2
Jonivaldo, “datenasticamente” foi ótimo.
Edney, bem lembranda a intangibilidade.

 Luiz Aurélio Imbiriba disse: 28 de maio de 2012 às 09:42
Na tentativa de adicionar mais “carvão” a esse debate, principalmente entre os operadores de direito, e concordando parcialmente tanto com o Dr. Ismaelino Valente, quanto com o Dr. José Ronaldo Campos, faço referência a “Teoria do Mínimo Ético” de Jeremias Benthan que afirmava que o direito seria um conjunto mínimo de regras morais obrigatórias para a sobrevivência da moral e, consequentemente, da sociedade.
O direito apenas atuaria como instrumento para o cumprimento destes preceitos morais básicos. Nesta teoria, parte-se fundamentalmente de que nem todos os indivíduos estão dispostos a aceitar todos os preceitos morais básicos à estabilidade social. Portanto, o direito seria como uma ferramenta que teria como função garantir o cumprimento deste mínimo ético necessário, por parte dos indivíduos, para a sobrevivência da sociedade. Assim, figurativamente o direito estaria contido dentro da moral. Seria o caso, então, de propiciar (o Direito) à CPI do Cachoeira e de outras mais, de instrumentos/regras jurídicas próprias que pudessem facilitar a apuração dos fatos sob investigação, tendo em mira os interesses da sociedade.
Alguém assopra esse carvão ?


  jronaldodcampos disse: 28 de maio de 2012 às 10:40
Concordo com vc plenamente, porquanto o Direito como ciência escora-se nos critérios do justo e do equitativo, não se resumindo na norma, na lei, sendo esta apenas sua fonte primária, interpretada sempre, segundo métodos indicados pela doutrina. Norma<Direito<Moral, numa relação conteúdo/continente. A Moral é continente que deveria englobar o Direito, por conseguinte, a Norma, nesta ordem.
Bye!

 Marcos Antonio dos Santos Vieira disse: 28 de maio de 2012 às 08:39
O difícil é saber, de antemão, sem o devido processo legal, quem são os “patifes” e quem são os “homens honrados”. Vejo, nos Representantes do Ministério Público (ou ex-representantes), uma tendência a querer relativizar os direitos humanos. Ao contrário, eles (direitos humanos) devem ser fortalecidos cada vez mais, para que não se dê brechas a arbitrariedades. É preferível um sistema que garanta aos acusados a presunção de inocência, o direito ao contraditório e à ampla defesa (o que inclui o de ficar ou permanecer calado), pois cabe ao acusador o ônus da prova, a um em que o acusado é culpado até prova em contrário. Os “torquemadas” de plantão ao se insurgirem contra garantias mundialmente reconhecidas esquecem os “anos de chumbo” ou têm saudades deles.

   Edynei Silva disse: 28 de maio de 2012 às 17:53
Jeso
Concordo com os advogados Marcos Antônio Vieira e José Ronaldo Dias Campos.
Talvez pelo fato do Dr. Ismaelino Valente ser oriundo do Ministério Público (Quarto Poder??) – que possui homens honrados e outros nem tanto -, queira resolver as questões do “modo” do Parquet atropelando muitas vezes à lei para conseguir o resultado que quer produzir não o que deve ser produzido.
Mas como ele próprio afirma, a Constituição tem que ser respeitada. Pode ter mudado o Regime Político, a Ditadura ter encerrado seu ciclo, que não justifica mais o silêncio, etc., etc., etc.
A verdade é que o direito de permanecer calado é direito fundamental do cidadão protegido por cláusula de intangibilidade (pétrea), que não pode ser suprimido nem recortado pelo legislador constituinte derivado (CRFB/88, art. 60, § 4º, inciso IV). Talvez um novo Pode Constituinte decorrente de uma verdadeira Revolução Popular possa alterá-la, talvez.
Enquanto isso, como disse Márcio Thomaz Bastos: “… ele pode permanecer calado, se ele quiser, pode nem falar nada em Juízo…”
A Ditadura Militar acabou,mas a Constituição está viva e deve ser respeitada, principalmente os direitos fundamentais individuais dos cidadãos, como o de parmecer em silêncio e de não produzir provas contra si.
Saudações
Edynei Silva
Cidadão Altamirense e Santareno

   Eduardo Niederauer disse: 28 de maio de 2012 às 17:58
Cachoeira não fez nem mais nem menos do que o já esperado, calou-se. O mesmo pode ser dito dos senadores, os quais, ávidos por aparecer nos telejornais do horário nobre, esbravejaram laconicamente contra o texto constitucional que juraram defender.
Tudo um circo, só faltou a piada, a qual foi substituída pela tragédia. Como mudar isso? Só com uma nova Constituição! E olhe lá, já que tem alguns que pregam que nem uma nova ordem constitucional teria o condão de revogar um direito fundamental reconhecido pela norma a ser substituída.
De fato, o texto do professor José Ronaldo espelha não só a garantia constitucional do silêncio, mas principalmente o despreparo dos integrantes da CPMI em bem exercer seu poder investigativo, o qual não passa, no panorama atual, de uma desculpa esfarrapada para aproveitar a opinião pública atiçada pela mídia e buscar votos nas eleições que virão.
Congratulações ao professor José Ronaldo.

Putz, fico perplexo com o nível de conhecimento dos comentaristas a respeito do teor deste post. Minhas competências estão longe daqui. Só me digam, caros/as comentaristas, como esclarecer essas coisas para aqueles/as que são iletradas,ou, no popular: analfabetos/as? Me digam como, pois é aí que entro como profissional da Educação, tentando fazer um trabalho de base junto a essa população maior, marginalizada, excluída das benesses do sistema? E não me venham dizer que ando enclausurado. Há muito mais a ser comentado e esclarecido.

 TriploX disse: 27 de maio de 2012 às 21:59
O nobre Advogado, idealizador dessa matéria, possui o estratégico e salutar hábito de se por contra a opinião dominante. Isso seria um erro? Seria ele um visionário que vê aquilo que ninguém vê? Ou uma estratégia para direcionar os holofotes para si? A constituição e as leis vigentes, por definição são “legais”, mas elas seriam justas? Seria justo criticar asperamente o senado federal, como você o fez nesse post e enaltecer tanto o advogado desse individuo de codinome “cachoeira”? Inclusive, Jose Ronaldo, sabemos que o advogado desse cidadão foi ministro da Justiça, e portanto, ele deveria saber que mais importante que a legalidade é o senso de justiça. Estou ansioso à espera da orientação que o Sr. Marcio Thomas Bastos dará ao seu cliente. Será que ele será capaz de pedir a absolvição do mesmo, aproveitando-se habilmente das “infinitas” interpretações que o português corrente possibilita às nossas leis?

  jronaldodcampos disse: 28 de maio de 2012 às 11:20
Relatei o que observei, apenas…
Quanto ao comportamento de Cachoeira, que não favorece a busca da verdade real, está acorde com a tolerância constitucional, consoante decidiu o STF no caso específico, de maneira que não creio razoável a pecha de visionário, nem tampouco de puxar holofotes para me iluminar, pois n preciso disso!
De qualquer forma, agradeço a intervenção, por fortalecer o debate no campo das ideias.

  Alberta Riker disse: 28 de maio de 2012 às 15:05
Querido Mestre Profº. Dr. José Ronaldo
É sempre estimulante aprender c/ o Sr. , principalmente com sua firmeza de caráter e profunda humildade. Brilhante!!!!
Fique c/ Deus.
Alberta Riker
Advogada
Eterna Aluna
Amiga de Sempre 

Jeso Carneiro disse: 27 de maio de 2012 às 16:33
Uma reflexão sobre o silêncio de Cachoeira sob um ângulo que ainda não tinha lido. Parabéns, Ismaelino!

Amigo Ismaelino,
O julgador, como cediço, ao interpretar a norma leva em conta, escalonadamente, diversos critérios de interpretação, inclusive o histórico, sobre o qual se refere com maestria.
O STF a respeito do tema vem reiteradamente mantendo a literalidade do texto constitucional, de maneira que só mediante mudança legislativa, por obra dos congressistas, que tanto reclamaram do silêncio do Cachoeira, poderemos mudar esta realidade. O dia q. mudar a Constituição os “cachoeiras” da vida não rirão mais dos homens de bem.
Por enquanto, a passagem do “Cachoeira” pelo congresso só abriu profundas goteiras nas duas casas legislativas.
 
Luiz Ismaelino Valente disse: 27 de maio de 2012 às 21:33
Concordo plenamente, professor José Ronaldo. Meus comentários são justamente nesse sentido: a Constituição precisa ser mudada, para que fique bem claro que a garantia deve ser em favor das pessoas de bem e não dessa turma toda, digamos, encachoeirada. Em outras palavras: “De lege ferenda”, como se dizia antanho, ainda lembra? Um grande abraço.

HELVECIO SANTOS disse: 27 de maio de 2012 às 21:51
Caríssimos José Ronaldo e Ismaelino, valentes, não no direito da força mas na força do direito, o que muito me honra em tê-los no rol de diletos amigos, desde os tempos daqueles dias que precisamos de muita valentia para vencê-los e galhardamente chegarmos até aqui. Perdoe-me, Ismaelino, não há governo de direita nem de esquerda. Isso não existe no Brasil. O que existe são interesses corporativos. Lembra? O líder maior da suposta “esquerda” num determinado momento disse que o PT não fez nada mais do que os outros partidos fizeram (Mensalão). Também como pensar em esquerda se esta se apoia em alianças com as forças mais retrógradas do passado e que andaram de mãos dadas com o que v. chama de “ditadura braba”? Assim, a ideologia nada mais é do que o poder. A ninguém é dado produzir prova contra si mesmo. É a máxima! Por quê? Bom, os políticos precisavam se proteger numa eventualidade e, óbvio, o pensamento não era eventualidade política. Isto era só a purpurina. O objetivo deles era outro (talvez de uns pouco não era) e todos acreditamos nessa ilusão! Quem são os homens mais ricos do país? Os políticos estão nesta lista e na maioria não tinham a fortuna quando lá chegaram. São escândalos de desvio, um atrás do outro. Quantos estão presos? Quantos devolveram a fortuna que desviaram? Num país onde gente é feita em linha de produção incentivada pelo governo sem que este ofereça ensino adequado e até o que é oferecido não alcança todos; num país onde quase ninguém lê e da parcela dos que leem grande parte prende-se ao noticiário esportivo e às páginas policiais; num país em que o voto é obrigatório, esse ordenamento constitucional demorará séculos para ser corrigido. Interessa aos nossos “representantes”/criadores. As CPMIs nada mais são do que palco para aqueles que não conseguem abrir uma geladeira e que pensando tratar-se da luz das câmeras logo começam a discursar. A pizza do Vacarezzão (PT) e as declarações de amor eterno entre governador de partido de ideologias opostas (PMDB) é uma boa prova de tudo que digo. Com raríssimas exceções, e sem querer ofender os circos que nos trazem belas lembranças dos tempos de criança, nossa representação é um circo onde cada um cumpre um papel mas todos se protegem pois têm os mesmos objetivos e estes não incluem o destino do País e consequentemente o nosso. Só nos resta continuar como o beija flor no incêndio e conservar ou tentar conservar nossos princípios de forma que possamos fazer a barba todos os dias sem precisar depois, ao invés do creme após barba, usar óleo de peroba. No mais, o que valeu mesmo foi a aula de direito que vocês me deram. Obrigadíssimo! SAUDAÇÕES AZULINAS, TAPAJOARAMENTE,

Luiz Ismaelino Valente disse: 28 de maio de 2012 às 08:04
Meu caro Helvecio, você tem toda razão quando diz que não há esq

Luiz Ismaelino Valente disse: 28 de maio de 2012 às 08:37
Meu caro Helvécio, você tem toda razão. Ainda outro dia eu relia o livrinho de Noberto Bobbio (“Direita e Esquerda”), e vi como é mesmo difícil enquadrar nos conceitos do mestre italiano o caso brasileiro. De qualquer forma, o pessoal “vencido” pela ditadura há algumas décadas, é que hoje está no poder. É hora, portanto, de ver se aquela garantia constitucional está ou não servindo ao que originariamente se propunha, ou se está sendo desvirtuada. E corrigir a sua rota, se for o caso. Ou, se for para manter a regra de não dizer a verdade, que se elimine do processo penal a fase do interrogatório do réu, por inútil e ridícula diante do costume do acusado não responder às perguntas sobre seus atos. No mais, retribuo-lhe as saudações… ALVINEGRAS, é claro! (No peito de cada azulino sempre bate um coração de Pantera…)
Um grande abraço.

HELVECIO SANTOS disse: 28 de maio de 2012 às 15:31
Amigo Ismaelino, dei gargalhadas com a última frase do seu texto das 08:37h. Ótimo! A propósito das cores que nos diferenciam (aliás das nossas aulas do Dom Amando, preto não é cor, certo?), leia a parte final do meu “DEZ ANOS DE VIDA” no Blog de 22/05. Lá conto uma história ou estória do nosso saudoso Lacrau que v. vai gostar, tenho certeza! TAPAJOARAMENTE, abraços

Nazareno Lima disse: 27 de maio de 2012 às 21:06
Seu texto fortalece ainda mais minha esperança, parabéns!
N.L.
 
Nazareno Lima disse: 27 de maio de 2012 às 14:38
Quando se enaltece o comportamento desse criminoso, mesmo obediente ao ordenamento constitucional e se demoniza uma CPMI, ainda que alguns de seus componentes sejam do quilate do deputado Fernando Franchischini, percebe-se que estamos sob uma pesada nuvem cinzenta.
Mas eu não perco a esperança!
Nazareno Lima

Infelizmente, os nossos congressistas, com raras exceções, não estão preparados para o exercício de suas funções, desconhecem elementos básicos do Direito, boa observação do mestre José Ronaldo. O silêncio legal do Cachoeira não impede o prosseguimento dos trabalhos da CPI até o relatório final, que poderá ou não ser remetido ao MP, consoante art. 58 da CF.
 
 Alberta Riker disse: 27 de maio de 2012 às 13:08
PURO VEXAME MESMO !!
Ninguém nasce sabendo mas se a pessoa está numa certa posição, principalmente representando o povo e os Estados Brasileiros( POLÍTICOS), TEM A OBRIGAÇÃO DE SE INFORMAR, ESTUDAR O MÍNIMO DO QUE SE TRATA P/ EVITAR VEXAMES, PALHAÇADAS, ou então é melhor não se envolver (NÃO SE METER!) p/ não SE DESMORALIZAR.
Aliás, essa CMPI , esta COMISSÃO, está mais parecendo uma grande mistura de tudo (é mista mesmo!): uns querendo “pegar, ferrar” o outro ; outros querendo apenas fazer palco, picadeiro e outros querendo só se vingar/dar o troco atualizado….. Um mínimo querendo em vão um resultado justo. Então, a impressão q/ tenho é de q/ essa turma está ‘se lixando’ p/ sistema jurídico, eles não estão nem aí até pq gozam da imunidade parlamentar!Que quanto mais gente do outro lado se ferrar é melhor!
O advogado Thomas Bastos não ía, nem em sonho , deixar o cliente dele se …”expor”, até pq se ele cair , viiixi!! O mais importante: A LEI está c/ ele!!
Ficou ridículo, foi um verdadeiro vexame p/ aqueles políticos desta CMPI q/ espernearam, ‘estrebucharam’, se empolgaram todo e soltaram o verbo, desceram a lenha, o sarrafo no Cachoeira q/ por sua vez tomava cafezinho acompanhado do seu advogado bambambã . OS políticos tiveram q/ se conformar, engolir seus ataques , chiliques e respeitar o NOBRE SILÊNCIO q/ a nossa lei permite, lei está q/ foi feita por eles, os políticos!!!!
O lance da tchutchuca e do tigrão foi ….fogo rs…rs…kkKK…kkKK!!!! Foi verídico! Bem constatado! Fiel observação e reclamação!! Como é que pode?! kkkKKK….kkkkKKK….


sábado, 26 de maio de 2012

Cachoeira no Senado Federal


Carlinhos Cachoeira no ato do seu interrogatório na Comissão Parlamentar de Inquérito simplesmente mostrou a Constituição Federal aos Senadores da República, provando que os mesmos desconhecem regras e princípios básicos postos no ordenamento jurídico pelos próprios congressistas, pondo fim ao circo armado com o escopo puramente eleitoreiro.

O indiciado, obediente às orientações e estratégias engendradas por seu advogado, experiente na jurisdição penal e na arte do foro em geral, simplesmente calou, absteve-se de prestar declarações e de responder as perguntas formuladas por seus inquiridores.

Seu silêncio, que em nada lhe prejudica, não pode ser interpretado como desrespeitoso, porquanto agiu nos limites da tolerância legal, sob orientação do Supremo Tribunal Federal, de maneira que censurável o comportamento inadequado e até mesmo agressivo de alguns senadores jejunos em Direito, inconcebível, diga-se de passagem, por se tratar da mais alta corte legislativa do país.

Restou demonstrado, mais uma vez, que o Congresso Nacional não está preparado a desempenhar atividade inquisitorial, investigativa, específica da Polícia Judiciária.

Que vexame!!!   

domingo, 20 de maio de 2012

Pensata

Pensei que a UFOPA, com proposta diferenciada no ensino superior fosse evoluir concomitantemente a sua estrutura física,  ordenando e adequando suas instalações aos propósitos inovadores perseguidos, haja vista a inadequação do espaço tímido que a agasalhava na Avenida Marechal Rondon, ora recebendo nova edificação.
 
Imaginei que fossemos construir uma universidade futurista, centrada em espaço físico único às margens do rio Tapajós, confinando com o lago do Juá e acesso pela Rodovia Fernando Guilhon, de dimensão ajustável ao crescimento contínuo, terreno esse de propriedade da família Corrêa, que foi objeto de recente esbulho reprimido pela justiça, de fácil negociação, portanto. Ou outro de dimensão compatível com a grandeza da instituição.

Entretanto, prédios estão sendo comprimidos nos campus Rondon e Tapajós, com previsão de compra de outros imóveis descontínuos, enquanto o Instituto de Ciências da Sociedade – ICS - encontra-se improvisadamente hospedado no Boulevard Hotel, na Avenida Mendonça Furtado, sem estacionamento, no meio de outras instituições de ensino, lojas, hóspedes etc... Aquilo ali mais parece um formigueiro.

Na contramão da UFPA, que reuniu no mesmo lugar, às margens do rio Guamá, todos os cursos dispersos na capital, como o de Direito, outrora instalado onde hoje é a sede da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Pará, no largo da Trindade, a UFOPA faz o caminho inverso.

A quizila interna envolvendo forças políticas da universidade bem que poderia incluir o assunto na pauta de debate antes que seja tarde e o problema se torne irreversível, prejudicando futura administração da instituição.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Enchente 2012 - Santarém - Pará - Brasil – 14/05

Início da Av. Mendonça Furtado, outrora conhecido como porto do Léo, tendo como pano de fundo os rios Tapajós e Amazonas.
A fila de embarcações é quilométrica
Av. Adriano Pimentel
 
Av. Adriano Pimentel
Av. Tapajós com a XV de Agosto
Av. Tapajós
Av. Tapajós
Tapajós com a Quinze de Novembro
 Centro comercial
Compare o nível dos rios com a parte alta da Av. Tapajós
Confronte a Caixa Econômica Federal
Confronte a Capitania dos Portos.
Confronte a Receita Federal
Esquina com a Trav. XV de Novembro
Trav. XV de Novembro com a Av. Tapajós
O Bar Mascote ao fundo
Orla de Santarém
Orla de Santarém
Orla de Santarém 
Orla de Santarém
Orla de Santarém
Orla de Santarém
Pça. do pescador
 Praça da Matriz

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Perda irreparável


Para que erros da espécie não se repitam mais reproduzo matéria veiculada na revista “O Cruzeiro”, edição de junho de 1972, dando conhecimento ao mundo do valor histórico da inédita coleção Tapajó amealhada ao longo de décadas pelo saudoso advogado Ignácio Ubirajara Bentes, republicada recentemente no blog do meu sobrinho (ignacioneto.blogspot.com.br), vendida por preço irrisório, face a necessidade do colecionador, para outras plagas, em razão da inércia do poder público local e estadual.


"Em Santarém, Pará, ao lado do Hotel Nova Olinda, há um escritório de advocacia de características exclusivas no Brasil: ali se acha a maior coleção de arte tapajó do mundo. O dr. Ubirajara Bentes, natural de Belém, onde se formou em direito, reside em Santarém desde 1940, quando iniciou sua fabulosa coleção, hoje com mais de 30 mil peças. Para se fazer uma idéia do que isso significa, basta dizer que é mais do dobro do que possui o Museu Emílio Goeldi, de Belém, especializado na matéria.
Nossos índios e sua arte          
Durante muito tempo, foi dito que os nossos índios tinham uma cultura pobre, atrasada e, portanto, nada tinham produzido em obras de arte. De todo o Brasil, apontava-se como exceção única a cultura marajoara.

Um dia, em 1923, Unkel Nimuendaju, cientista alemão do Museu de Bonn, descobriu que, no vale do Rio Tapajós, houve civilizações pré-cabalinas à altura daquelas do México e do Peru. Suas pesquisas no local enfrentaram alguns obstáculos e até incidentes tristes e pitorescos. Conta-se em Santarém que, certa noite, um português, observando o cientista alemão cavando incansavelmente nos arredores da cidade, concluiu que aquela “louça velha” era um pretexto: o alemão estava procurando ouro. E, aguardando que o alemão ser retirasse, iniciou suas escavações. Naquela noite, centenas de cerâmicas  de valor inestimável foram destruídas pela picareta do Manuel.

Mas muita coisa ficou por lá, e a coleção de Ubirajara é um desmentido concreto à tese do atraso e pobreza cultural dos nossos índios.


Uma teoria das migrações
De tanto estudar a vida indígena, o advogado Ubirajara Bentes tornou-se expert no assunto. E construiu teorias próprias. A das migrações, por exemplo: 

- As raças humanas são provenientes de duas raízes principais: uma imediatamente acima do Equador e outra imediatamente abaixo. Essas duas correntes emigrarão sempre horizontalmente, sem nunca se tocarem.

Ubirajara apresenta provas. Entre outras, o fato de as flechas de todas as tribos encontradas abaixo do Equador serem idênticas, dentro de cada tipo.

A noticia mais antiga que se tem dos índios da região dos Tapajós foi legada por Batendorf que, no século XVII, escreveu a crônica de um missão jesuíta por aquelas bandas: “As mulheres carregavam o vinho até uma clareira chamada Terreiro do Diabo, onde eram obrigadas a agachar-se e tapar os olhos para não verem os homens que dançavam e bebiam cerimonialmente. Os feiticeiros então tomavam a palavra, fazendo acreditar tratar-se da voz do próprio diabo”. (Note-se que o vinho em questão era feito de arroz. Quanto a mulheres tapando os olhos, são bastante comuns na estatuaria primitiva.

 
Coleção vale um milhão
A cerâmica Tapajó se divide em cinco grandes estilos, cada um correspondendo a uma época diferente e, provavelmente, também a tribos diferentes. As mais primitivas são as peças pertencentes ao grupo da pedra preta e do barro bruto. Seguem-se o barro preto, o barro amarelo e o barro pintado. Tais cerâmicas são facilmente distinguíveis da arte marajoara: os motivos são mais realistas, geralmente zoomórficos ou antropormóficos, enquanto que a cerâmica de Marajó quase sempre apresenta formas não realistas ou estilizadas.

A coleção de Ubirajara é farta em exemplos de todos esses estilos e suas variações. Mas o colecionador luta com um problema: falta de espaço. Há caixotes de peças que ele nunca mais abriu, desde o dia em que foram arrancadas da terra. E o que esta exposto fica em prateleiras pequenas e inadequadas, o que torna sua exibição trabalhos e mesmo perigosa: há sempre alguém querendo furtar as preciosidades.

Preciosidades, literalmente. Basta dizer que uma instituição americana ofereceu um milhão de dólares pela coleção de Ubirajara Bentes. Ele diz que não vende, é claro. Não deseja ver aquelas peças saírem do Brasil. Gostaria, sim, de ver sua coleção adquirida pelo próprio governo brasileiro, para preservar, intacto e inseparável, esse patrimônio de enorme valor cultural."

Fonte: Revista O Cruzeiro - julho de 1972

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O advogado colecionador.


Eu ainda cheguei a ver, quando garoto, na residência do advogado Inácio Ubirajara Bentes de Sousa, pai do meu cunhado José Ronaldo Campos de Sousa, misturado com livros de Direito em sua biblioteca particular, na Avenida Adriano Pimentel, ao lado do saudoso Uirapuru Hotel, a maior e mais famosa coleção de arte tapajó do mundo, com mais de 30 mil peças inéditas, acervo várias vezes maior que a do museu Emílio Goldi, em Belém, relíquia arqueológica de valor inestimável que saiu de Santarém e mesmo do Pará por incompetência de nossos governantes. No museu João Fonna só restaram os "cacos", como fundo histórico.

A matéria publicada no blog do meu sobrinho Ignácio Ubirajara Bentes de Sousa Neto (Biroca), da lavra do jornalista Manuel Dutra (A Província do Pará - 1977), abaixo colacionada, assegura o que afirmo:

"Um amargurado comprador de caretas na desmemoriada Santarém" 



 
“Eu não conheço, em qualquer parte do mundo, coleção semelhante a esta, seja em museu (público) seja em acervo particular, pela sua quantidade e arte”.

A impressão deixada pelo geólogo Hans Gotha, da universidade de Strelitz, Alemanha, há 14 anos, no livro de registros  de visitas  do museu particular do advogado Ignácio Ubirajara Bentes de Souza, em Santarém, apresenta um enorme contraste com o atual desencanto de seu proprietário. “Depois de mais de 30 anos de trabalho paciente, juntando e recompondo o que restou da espetacular cultura dos Tapajós, eu hoje me sinto simplesmente um homem espoliado”, diz ele.

Na verdade, não apenas o velho  advogado foi espoliado, senão também a própria Santarém e a região que perdeu para São Paulo praticamente todo o acervo: das 28 mil peças catalogadas, 25 mil estão hoje no museu da universidade da USP e o que resta em Santarém, 3 mil peças, está longe de mostrar o esplendor de uma rica e mal conhecida cultura que tanto empolgou estudiosos do assunto, cientistas, arqueólogos e museólogos de todos os continentes. Sintomaticamente foi do exterior que partiram as mais tentadoras propostas de compra, onde o acervo parece melhor ter sido conhecido que mesmo no Brasil.

Explica Ubirajara Bentes de Souza que “além do impedimento legal, foi o patriotismo que me impediu de vender isto para o estrangeiro”, sentindo-se ainda satisfeito pelo fato de sua coleção encontrar-se no país.

Com documentos, ele mostra o longo esforço desenvolvido às autoridades municipais e estaduais e os mais diversos órgãos com algum interesse no assunto, no sentido de que o museu ficasse, quando não em Santarém, pelo menos em Brasília. As evasivas de políticos, governantes e até de um  ex-ministro com raízes no Pará, documentadas e cuidadosamente arquivadas, levaram o persistente colecionador  a aceitar, em 1971, a oferta de 300 mil cruzeiros, oferecidos pela Universidade de São Paulo, que deu direito aos compradores a escolher o que de melhor havia da cerâmica dos cultos Tapajós. Assim mesmo, esclarece ele, a venda só se consumou devido a dificuldades financeiras que ele enfrentava naquela época. E as peças acabaram custando apenas 170 mil cruzeiros.

Um milhão de dólares

Porém a oferta mais tentadora, de cuja veracidade muitos chegaram a duvidar, partiu do comerciante americano George Victor, em 1966. Ele ofereceu simplesmente a soma de um milhão de dólares pelo tesouro indígena, com a intenção manifesta de transformá-lo em exposição volante que partira de Nova Iorque para as demais cidades estadunidenses. Entre as dezenas de ofertas, com freqüência estrangeiras, há algumas que apresentam lances de filme policial. Certa vez um grupo também norte-americano propôs a compra do acervo de Ubirajara. Como a saída do País seria embargada pela Alfândega, eles elaboraram um plano vestindo batinas, feito padres, eles fariam algumas viagens a Santarém, e levariam parte por parte o material para assunção, no Paraguai, de onde rumariam para os Estados Unidos. O plano, evidentemente, não se consumou, de vez que era desejo do proprietário ver a cerâmica, Tapajós ficar no Brasil, além dos riscos de tal operação.

“Eu vivia sobressaltado, sobretudo depois que os jornais e revistas começaram a divulgar minha coleção”, confessa Ubirajara. Acrescenta que depois da visita dos gringos passou a temer uma possível investida de alguma quadrilha internacional, dado o interesse demonstrado pelas peças indígenas e a negativa da venda. A necessidade de vigiar permanentemente pelo acervo, juntamente com suas obrigações de advogado e empregado de uma empresa de navegação impediram, em 1968, uma viagem ao Japão, a convite do governo daquele país, para expor uma parte da cerâmica indígena na Exposição Internacional de Tóquio patrocinada pelo jornal Youmiuri, por ocasião dos jogos da primavera.

“Depois disso tudo, - desabafa o advogado, a exposição do meu material lá em São Paulo nem sequer cita o meu nome como responsável pelo achado”. Acrescenta que os novos donos do acervo inclusive já patrocinaram uma reportagem numa revista nacional, apresentando a cerâmica Tapajós como a mais completa no gênero na América do Sul, talvez insinuando ter sido obra do esforço dos atuais donos.
 
A cerâmica dos primitivos habitantes de Santarém, povo cuja real estatura ainda está por ser estudado, é considerada por muitos como sendo mais importante que a Marajoara. No dizer de um integrante de uma missão científica japonesa que chegou a filmar as peças para a TV de seu país, o acervo do dr. Ubirajara pode constituir-se num “passo largo para sairmos das idéias acadêmicas (...) sobre as origens do ser humano”. Para o jornalista David St. Clair, do Time-Life, “esta é a mais incrível coleção da pré-história amazônica que deve ser estudada por todos os interessados na América Latina” e pergunta – “quem sabe quais os novos trilhos que serão abertos pelo mistério de Santarém?”

Em resumo, a coleção completa das obras dos índios Tapajós, na época que ainda se compunha de 28 mil peças, era composta de urnas funerárias, algumas com  ossos petrificados ou cristalizados, vaso de cariátides, vasos de gargalo, vasos globulares, pratos com adornos, vasos estilizados e pintados, ídolos grandes modelados na pedra, cachimbos, machados, peças de arte em geral e fósseis, além de flexas, arcos, bordunas, instrumentos de suplício, colares, plumas, redes, muiraquitãs e milhares de pequenas peças seriadas.

Os riscos de colecionador
Certa noite alguém bateu a porta da casa de Ubirajara. Era um homem que se apresentava como professor da Universidade da Bahia, acompanhado de um grupo de crianças. Pediu para ver o museu, porém dada a impropriedade da hora, o dono da casa começou a desconfiar das intenções do visitante que talvez tentasse utilizar as crianças para roubar as peças. Ubirajara explicou que as peças estavam encaixotadas e com essa evasiva despachou o estranho visitante. Dias depois recebe notificação da Polícia Federal chamando-o para explicar-se sobre uma denúncia de que estava com toda a coleção embalada para enviar para um país estrangeiro. 

Nascido em Belém, o advogado Ubirajara Bentes, 63 anos, em Santarém, desde 1953, depois de morar 13 anos em Alenquer, sempre teve paixão por colecionar raridades. Antes da cerâmica indígena, ele colecionava moedas e afirma que chegou a ter em mãos uma moeda assíria de 1218 anos antes de cristo. Há poucos anos ele vendeu um grupo de mais de 100 imagens a um conhecido político maranhense por 16 mil cruzeiros, hoje avaliadas em 500 mil. Entre suas peças raras havia inclusive uma imagem do senhor dos passos, “vertebrado” que se ajoelhava, sentava e mexia com os braços que seguravam a cruz.

Único filho homem de um comandante fluvial, Ubirajara tem 5 filhos, um deles deputado estadual atualmente. Aos filhos ele presenteou recentemente com os muiraquitãs autênticos de sua coleção.

Desencantado, ele vive hoje da exclusiva atividade de advogado. Contudo, guarda com carinho todos os documentos, publicações as centenas em jornais e revistas, fotos de visitantes ilustres, além dos livros onde esses visitantes deixaram suas impressões. Com orgulho, ele mostra entre tantas, uma foto em que o ex-ministro da Marinha, almirante Augusto Rademaker escrevia suas observações. E o detalhe da visita ao concluir, o almirante pediu aos membros de sua comitiva para que ficasse de pé, para ouvir a leitura de suas impressões. As reminiscências dos dias febris da coleta de peças raras são, hoje parte do dia a dia de Ubirajara, que se tornou conhecido, especialmente entre a garotada, como o “comprador de caretas”. Gente da cidade, dos arredores e do interior, trazia as peças achadas e as vendia ao colecionador que também dedicava-se a escavar extensas áreas muitas vezes no centro da cidade.

Seu sonho de ver seu respeitável acervo transformado num grande museu, em Santarém,  o que seria com toda justiça motivo de maior orgulho para a cidade e para o Estado, já não podem concretizar-se. Porém nem tudo está perdido. As três mil peças restantes poderão em breve passar para o domínio do município ou do Estado, permanecendo em exposição na casa da cultura. Esforço nesse sentido está sendo desenvolvido pela redeviva Sociedade Cultural e Etnográfica de Santarém, que espera o indispensável apoio do poder público. A prefeitura prometeu dar apoio, no sentido de apelar junto a órgão que pudessem dar o suporte financeiro. Segundo Ubirajara, o conjunto de peças está avaliado atualmente em 187 mil cruzeiros. A avaliação foi feita recentemente por um perito amigo do proprietário, porém ele está pedindo somente 100 mil cruzeiros. Enquanto os membros da Sociedade aguardam  uma palavra final do prefeito Paulo Lisboa sobre a compra, o colecionador deu um prazo de 60 dias para a espera, depois do que, se não sair a solução, ele poderá abrir a possibilidade de vender a quem aparecer primeiro, atitude até certo ponto compreensível, de vez que as peças restantes, mesmo que tenham discutível valor, já não poderão constituir o museu sonhado pelo “comprador de caretas”.

“Coleção extraordinária”


Personalidades como o Xá Rehzza Palevi, do Irã, chegaram a referir-se sobre a cerâmica dos Tapajós Publicamente. Durante sua visita ao Brasil, em anos passados, o Xá, em entrevista coletiva no Rio de Janeiro, lamentou não poder vir até o Pará conhecer o museu de Ubirajara, sobre o qual tinha boas informações. No livro onde estão registradas milhares de impressões de visitantes, lê-se entre outras, o espanto do casal de jornalistas e pesquisadores do National Geographic Society, de Washington: “Em sete meses de viagem através da Amazônia, de sua nascente, no Peru até Santarém, não tínhamos encontrado uma coleção tão extraordinária”. Ou a observação do jornalista alemão Rainer Hutz que escreveu que “depois de visitar a maioria dos locais arqueólogos da América do Sul, este parece ser o mais importante e inesperado fim de uma viagem de descobertas”. E o colecionador recorda, com saudades, o tempo em que sua casa era parada obrigatória de visitantes ilustres, ressaltando até o fato da visita do ex-rei Leopoldo da Bélgica. Sintomaticamente, no registro de visitas é muito mais freqüente a assinatura de estrangeiros, levando a crer que foi quase milagre ou simplesmente o patriotismo confessado de Ubirajara que impediram as excelências  de arte e habilidade manual saídos do espírito dos Tapajós de estar hoje num grande museu de uma capital norte americana ou européia, de onde partiu o maior interesse pelo tesouro e onde foram feitas as mais sérias divulgações sobre o assunto. Na imprensa local alguns registros podem ser encontrados, quase sempre superficiais, salvo poucas exceções, geralmente por ocasião da visita de uma personalidade ao museu particular, revelando que a publicação enfatizava a personalidade e não o acervo.

As três mil peças restantes, se concretizados os entendimentos, ainda poderão permanecer em Santarém, seu lugar natural, mesmo levando em conta que na cidade raríssimas pessoas as conhecem. Nas escolas, alunos e professores desconhecem o que deixaram os primeiros habitantes da região, como desconhecida é a historia de um povo que enfrentou valentemente, até o desaparecimento, o colonizador. Contudo, não admirará se ocorrer o contrário e algum mercador de raridades açambarcar o que restou da coleção, esfacelando o que deveria constituir-se parte integrante da memória de um povo. Finalmente, em Santarém nos últimos 15 anos, destruiu-se o teatro vitória, em sua modéstia um dos únicos monumentos do lugar, construído quase a época dos Teatros da Paz e Amazonas, descaracterizou-se totalmente   a arquitetura interna da Catedral da Imaculada Conceição e chegou-se a atear fogo em preciosas coleções existentes na biblioteca pública. Recentemente a direção de um colégio particular resolveu “modernizar” sua biblioteca queimando obras antigas e, por sorte, alguém conseguiu retirar da fogueira algumas obras hoje valendo verdadeiras fortunas em selos de algumas capitais, entre elas livros raros sobre a ação dos jesuítas que acompanharam o colonizador desde os primeiros dias na Amazônia. Dentro em breve, mais que outros lugares, Santarém poderá ser uma cidade inteiramente “desmemoriada” pois, até os dois ou três imóveis com algum valor histórico estão não apenas abandonados, mas sendo “adaptados” para servir de lojas e depósitos.


 
A salvação do que resta de cerâmica dos tapajós seria o mínimo para reparar mais uma grave erro cometido, numa cidade onde, pelo seu porte, é possível palpar a crueldade do progresso material recente.


O desprezo pelo passado, pela conquista de povos ainda hoje considerados inferiores, não seria, em certa medida, um desprezo pelo presente, resultante na falta de fé  na sobrevivência espiritual  dos que hoje vivem , apenas, sobre o mesmo (...................) quando de sua campanha em prol do Rearmamento Moral, passou por Santarém e deixou escrito que “é uma experiência excepcional olhar esses objetos (...) Construamos um futuro decente para o mundo, antes que o homem se torne permanentemente fossilizado”.

Fonte: Manuel Dultra - jornal A Província do Pará - junho de 1977